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Para onde, afinal, estamos sendo guiados?


Por muitas e muitas vezes, muitos e muitos dias, me senti como um boi que é guiado dentro de um curral para um outro pasto ou um matadouro. Muitas e muitas vezes me senti indo para uma determinada direção ou fazendo determinada coisa só porque outra pessoa estava indo ou fazendo aquilo. Me lembro de chegar de trem na estação Central do Brasil no Rio de Janeiro ou no terminal de ônibus Campo Comprido em Curitiba ou na Estação da Sé em São Paulo e avistar de longe aquele mar de cabeças indo para esta ou aquele direção.

Numa determinada vez em particular, estava voltando pra casa logo depois de ter ido à faculdade, umas onze horas da noite e me percebi extremamente cansado. Olhando para o início daquele dia, eu havia acordado às cinco da manhã, pego um ônibus cheio até noventa quilômetros de onde eu morava para ir trabalhar para depois retornar estes mesmos noventa quilômetros para ir até a faculdade. Era cansativo fazer aquilo todos os dias, principalmente sem motivo. Sim, sem motivo! Eu trabalhava para pagar a prestação do “apertamento”, do carro popular que tinha na garagem e pagar a faculdade que haviam me dito garantiria o meu futuro. Como de costume, naquela época eu também pensava que deveria sofrer para conseguir as coisas e que, com sorte após todo aquele sofrimento, conseguiria me aposentar de alguma forma com um mínimo de conforto. Vivia assim, uma vida que muitas pessoas vivem até hoje.

Eu vivia como um gado marcado que não sabe para onde está indo, mas que segue a boiada para onde ela for. Como na letra da música Admirável Gado Novo de Zé Ramalho:

“Eh, ôô, vida de gado. Povo marcado, ê. Povo feliz. O povo, foge da ignorância apesar de viver tão perto dela. E sonham com melhores, tempos idos. Contemplam essa vida, numa cela. Esperam nova possibilidade de verem esse mundo, se acabar. A arca de Noé, o dirigível. Não voam, nem se pode flutuar.”

Quando me dei conta do que estava acontecendo comigo resolvi me questionar. Questionei-me sobre a minha infância tão feliz. Questionei-me sobre a minha adolescência tão cheia de desafios e conquistas. Questionei-me, afinal, do que tinha acontecido comigo que me permiti perder toda aquela felicidade que eu tinha em prol da satisfação de alguns padrões da sociedade adulta. Não era possível que eu teria que viver uma vida infeliz se ao mesmo tempo tudo o que eu e todos os outros buscávamos era a própria felicidade. Que sistema era esse em que era preciso e preferível sofrer que amar. Que mundo era esse onde nós crianças éramos domesticados a sermos iguais uns aos outros como peões de uma fábrica para sermos valorizados mais tarde no mercado de trabalho justamente pelas nossas diferenças!

Uma pausa neste texto por favor.

Não é interessante que nossas crianças vão pra escola uniformizadas, todas iguais umas à outras, passam por testes e provas que estabelecem um grau de comparação entre elas de modo a torná-las o mais próximo da média possível e que quando elas chegam no mercado de trabalho são diferenciadas justamente por aquelas qualidades que as diferenciam das outras? Não é interessante que matam nosso artista interno na escola nos fazendo desenhar dentro de margens de desenhos já prontos como árvores, pássaros e outras figuras e que depois somos valorizados justamente quando pensamos fora dessas margens?

Para onde, afinal, estamos sendo guiados?

Precisamos repensar as nossas vidas dedicando-nos aos porquês por de trás dos porquês. Quando enxerguei os reais motivos de eu estar casado, pagando um “apertamento” e um carro popular a prestação e ainda fazendo faculdade para sustentar o meu almoço na rua e o meu “status” na sociedade sem me importar nem um pouco com o meu próprio crescimento e minha própria felicidade, percebi, ao mesmo tempo, o quão insignificante e o quão grandioso eu era.

Era insignificante por ter me permitido viver uma vida sem qualquer propósito ou motivo para seu vivida e grandioso por saber que eu possuía o poder para mudar os rumos das minhas conquistas. Fazer este movimento de reconquista de si próprio é como se fôssemos realmente gados e ao invés de preferirmos ir junto com os outros bois na mesma direção para um novo pasto ou matadouro, escolhêssemos pular a grade que nos separava da liberdade. O que os outros bois iriam comentar sobre nós? O que nossos familiares iriam sentir a nosso respeito? O que nossos amigos e colegas fariam quando vissem que estávamos dando as costas pra eles e preferindo viver outra vida? Uma vida nem certa ou errada, mas apenas diferente e singular? Certamente nos puniriam com os olhos, com os pensamentos e com risos e falas de desagrado.

Para se reconquistar é preciso voltar a ser forte como éramos quando crianças. Quando dizíamos que não gostávamos de algo quando realmente não gostávamos independente da pessoa com quem estávamos falando. É crer na sua própria potência para ser um humano e tornar-se feliz apesar das circunstâncias. É abraçar a vida como um mar de oportunidades para amar e não como um precipício de coisas ruins para se odiar.

Viver, eu acredito, é para quem deseja fazer viva a sua personalidade. Ser quem deveria ser. Tem aquele que está vivo e aquele que vive. Eu escolho viver e você? Qual destes modos de vida você escolhe?

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