O universo gamer (muito como o cinema; é curioso notar o quão similares as duas indústrias são) se vê constantemente acusado de falta de originalidade. Entra ano e sai ano, vemos inúmeras continuações e remakes de games clássicos e muito pouco conteúdo original.
O motivo é tão simples quanto é transparente: desenvolver games é, como qualquer outro investimento, uma aposta. E é mais seguro apostar naquilo que já se sabe que dá certo. Apesar de fazer sentido comercialmente falando, esse constante retorno às mesmas franquias de sempre fica tão óbvio que chega a ser vergonhoso.
Vejamos esta lista dos dez melhores jogos de 2010 compilada pelo site Digital Trends, por exemplo. Apenas um dentre eles (o excelente Red Dead Redemption) é um jogo original. Todo o resto são continuações de jogos do ano passado, e até mesmo os cinco jogos citados como menção honrosa também são continuações de franquias já bem estabelecidas.
As listas de melhores jogos do ano variam bastante, é verdade (nesta aqui do CNET há “apenas” seis continuações entre os melhores 10 jogos do ano passado), mas o padrão em todas elas é que continuações costumam ocupar diversas posições no pódio. E até quando os melhores jogos do ano não são franquias já icônicas, são derivados disto — Red Dead Redemption é, afinal de contas, GTA no Velho Oeste.
A propósito, vale lembrar que Red Dead Redemption é sucessor espiritual de Red Dead Revolver, originalmente desenvolvido pela Capcom mas subsequentemente abandonado. A Rockstar comprou a propriedade intelectual, terminou o jogo e publicou em 2004. Red Dead Redemption é menos original do que você pensava.
Às vezes parece que a indústria é incapaz de bolar um novo conceito de gameplay. Houve uma época, entretanto, em que não haviam tantos gêneros diferentes de jogos pra usar como base. Foi uma época de pioneiros. Como, por exemplo…
Maze War, o primeiro FPS (1974)
"Maze War"
Você pensava que Doom ou Wolfenstein 3D havia criado o gênero de tiro em primeira pessoa, não é? Embora os clássicos da id Software tenham popularizado o estilo e estabelecido os arquétipos que ainda seriam usados quase duas décadas depois (Doom chegou a se tornar sinônimo do estilo, aliás; naquela época não existia FPS, e sim “jogo estilo Doom“), Maze War detém o mérito de primeiro jogo de tiro em primeira pessoa do mundo.
O jogo é simples. Dois jogadores passeiam por um labirinto “3D”; ao se encontrarem, podem trocar tiros. O jogador atingido morria e era teleportado para outro local no labirinto, e a caçada recomeçava. Havia um placar na parte de baixo da tela, contabilizando a pontuação dos adversários.
Não havia história ou modo campanha; Maze War era essencialmente um pega-pega entre dois jogadores e nada mais.
Stonkers, o primeiro RTS (1983)
"Stonkers"
Há alguns games que disputam o título de primeiro RTS. Utopia, do Intellivision, tinha muitos dos elementos que reconhecemos como definição do gênero — gerenciamento de recursos, construção de unidades e prédios, e combate orientado por um cursor —, mas era dividido em turnos. Stonkers, por outro lado, era em tempo real.
Stonkers era um jogo simples de guerra em que você controlava infantaria, tanques, unidades de artilharia e caminhões com mantimentos. Mover suas unidades gastava mantimentos, e por isso era preciso manobrar os caminhões entre as unidades, pra garantir que eles poderiam continuar operando. O jogo foi desenvolvido para o clássico ZX Spectrum.
Speed Race/Racer, o primeiro jogo de corrida (1974)
"Racer"
Nos anos 70, arcades eram uma febre nacional nos EUA. Empresas como a Atari e a Midway viviam não de apenas produzir jogos, mas também de adquirir jogos japoneses para lançar no mercado norte-americano. E foi o caso de Racer, que no Japão era chamado de Speed Race (sem nenhuma relação com a franquia Speed Racer).
Speed Race foi desenvolvido pela Taito em 1974, por um programador chamado Tomohiro Nishikado. Você certamente jamais ouviu o nome na vida, mas definitivamente está familiarizado como trabalho do sujeito: ele é o criador do antológico Space Invaders (também lançado nos EUA pela Midway).
Apesar de tão antigo, Racer já trazia muitos dos elementos que permaneceram por anos no gênero de corrida de arcade: o volante, pedal de acelerador, alavanca de marcha e velocímetro.
Turbo Esprit, o primeiro jogo de mundo aberto (1986)
"Turbo Esprit"
Assim como Doom, GTA virou sinônimo de um estilo de jogo que ele não exatamente criou. O crédito é de Turbo Esprit, título que embora nos leve a imaginar que alguém tentou digitar “spirit” e errou terrivelmente, é uma referência ao carro esportivo da Lotus de mesmo nome (que, por sua vez, significa “spirit” em francês).
Em Turbo Esprit, você é um agente disfarçado caçando traficantes de drogas. Ao receber a informação de que um carro pertence a um bandido, você pode destrui-lo com metralhadoras embutidas no seu veículo, ou apenas jogar o próprio carro contra o marginal pra atingir o mesmo resultado. Assim como em GTA, é possível explorar pela cidade a bel-prazer.
Curiosamente complexo para um jogo dessa época, a cidade em Turbo Esprit era até bastante convincente — há semáforos funcionais (aos quais os carros controlados pela CPU obedecem), pedestres cruzando as ruas, reformas na estrada que requerem reação rápida pra evitar colisão, entre outros detalhes. Bater em carros “civis” ou em obstáculos como paredes ou pedestres reduz sua pontuação.
Temple of Apshai, o primeiro RPG (1979)
"Temple of Apshai"
É um pouco difícil apontar precisamente o primeiro RPG eletrônico, porque além de terem sido lançados muitos jogos semelhantes num período curto de tempo, também não havia naquela época um registro muito fiel das datas exatas de lançamento. E, assim como nos RTSs, a definição de RPG varia um pouco. O autêntico “primeiro RPG” talvez não seja considerado um RPG de acordo com as definições atuais.
Se considerarmos o modelo de RPG “purista”, ou seja, o tradicional jogo de mesa que envolve um livro de regra, fichas de personagens, lápis e dados, o Dungeon teria sido o primeiro (note que a Wikipédia diz que ele foi programado em “1975 ou 1976″). Dungeon era essencialmente um D&D — todas as regras de gameplay eram as mesmas — que economizava papel. Todas as ações e o registro de valores de característicos dos personagens eram feitos no computador.
Mas não é nisso que a maioria dos gamers pensa quando o gênero RPG vem à mente. O modelo que a maioria reconhece é o de Temple of Apshai, lançado alguns anos mais tarde para o TRS-80, um computador pessoal vendido nos EUA entre 1977 e 1981.
No jogo, um aventureiro explora as ruínas do templo que dá nome ao jogo. É possível acumular dinheiro, armas e equipamentos e combater monstros pra ganhar experiência. Curiosamente, a Epyx lançou anos mais tarde o Gateway to Apshai , que é mais orientado em ação e se passa anos antes dos eventos do jogo anterior.
Ou seja, Temple of Apshai deu início aos RPGs e também aos prequels.
Devia ser um período interessante quando nem todo jogo lançado recentemente era completamente derivado de um que você já jogou no ano passado.
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