Você já percebeu como as crianças conseguem perceber coisas que normalmente não vemos? Quem é pai sabe o que digo. Uma vez fui surpreendido quando passeava de carro com a minha filha, de apenas dois anos, quando subitamente ela apontou o dedo à frente e disse: ‘Olha o McDonald’s!’ Estranhei porque não tinha nenhum McDonald’s onde estávamos, imaginei que ela estivesse com fome. Mas então olhei adiante e lá na frente, quase no final da avenida, descobri o famoso ‘M’ estilizado em amarelo, tão pequeno e indistinto no meio de tantas outras imagens que fiquei orgulhoso da capacidade de percepção da minha filha: ‘Puxa, como ela é observadora e atenta a detalhes!’.
Talvez o que eu não havia entendido na hora é que aquele símbolo era uma das poucas coisas que faziam sentido no mundo dela, tão limitado ainda em termos de compreensão do mundo à sua volta. Para ela, os edifícios, os outros automóveis, as placas, outdoors, pessoas na rua, e outros estímulos visuais não possuem qualquer significado no seu pequeno mundo, mas aqueles dois arcos amarelos fazem. Aquele símbolo traz a lembrança de experiências e vivências passadas na sua ainda curta vida. Nós adultos, não vamos ter a mesma facilidade para identificar aquele símbolo porque ele faz tanto sentido para nós quanto os demais estímulos que competem pela sua atenção. O logotipo é apenas mais um dos inúmeros outros símbolos, cartazes, imagens, sinais e referências que compõem a paisagem.
Imagine agora que este logotipo represente uma oportunidade de negócio em meio a uma enorme quantidade de fatos, dados, ocorrências, problemas, informações e outros estímulos com que somos diariamente bombardeados. Assim como minha filha, algumas pessoas possuem a invejável capacidade de perceber o que ninguém percebe e identificar esta oportunidade. Esta oportunidade não precisa ser, necessariamente, um negócio inovador, pode ser uma melhoria no produto, um novo modo de fazer algo, um jeito diferente de lidar com um problema ou uma nova abordagem sobre um determinado mercado. De uma forma ou de outra, trata-se de algo diferente e com valor, que qualquer um poderia ver, mas não vê. Quando alguém aproveita a oportunidade identificada, os outros pensam ‘Mas que idéia legal! Porque não pensei nisto antes?’ É, às vezes é surpreendente como algumas idéias são simples.
Uma das coisas que explicam este talento para identificar oportunidades é ilustrada pelo exemplo da criança que enxerga o ‘M’ do McDonald’s. Oportunidades possuem um significado especial para quem está ligado e atento. Quando algo interessa muito o empreendedor, qualquer fonte de informação que tenha alguma relação, ainda que remota, com o assunto de interesse, ganha um destaque especial em meio ao caos do excesso de informações ao qual somos expostos.
Se você estiver pensando em montar um negócio de comércio exterior, seus olhos se voltam imediatamente para uma noticia sobre câmbio no meio de todas as manchetes do jornal. Se você quer montar uma pet shop, começa a reparar em qualquer animal e seu dono que aparece na rua. Você já reparou que, logo depois que você compra um carro novo, tem a impressão que há muito mais carros parecidos com o seu nas ruas do que antes? Parece uma grande coincidência, mas na verdade, é apenas o seu filtro interno que faz com que o mesmo modelo de carro ganhe uma relevância e destaque especial e chame mais a sua atenção do que seria normal.
Da mesma forma, uma das coisas que dificultam nossa capacidade de identificar oportunidades é a visão estreita sobre as possibilidades. Conceitos, definições, pressupostos, ‘o jeito certo’, regras e normas, podem ser ótimos para definir os limites sobre o que é possível e o que não é possível, mas limitam também nossa capacidade criativa.
Toda e qualquer nova informação que recebemos precisa se ‘encaixar’ em um contexto pré-existente que faz parte de todo o conhecimento que adquirimos. Desta forma, todos os estímulos que recebemos fazem tanto sentido para nós quanto o ‘M’ do McDonald’s, pois tudo pode ser contextualizado diante de nosso conhecimento prévio sobre cada um dos estímulos que competem pela sua atenção juntamente com o logotipo da lanchonete. Além disso, mesmo que o logotipo seja percebido, ele também será interpretado dentro do nosso contexto prévio e acabamos não vendo a oportunidade que existe por trás do sinal. Livrando-se dos paradigmas existentes, os dois arcos dourados podem significar qualquer coisa e nos remeter a uma amplitude de idéias totalmente diferentes das que conhecemos.
Para sair desta armadilha, precisamos nos isentar destas influências. Pode parecer contraditório, num mundo em que todos buscam estar mais e mais informados, eu sugerir que nos livremos de conceitos prévios e desta contextualização inequívoca, mas esta é a essência do pensamento criativo.
Precisamos aprender a desaprender. Esta é a nova competência exigida do empreendedor. Quanto mais experiente, informado e detentor de conhecimentos, maior a necessidade dele desaprender para conseguir enxergar o diferente, e muitas vezes, óbvio! Esqueça o que aprendeu e limpe a mente para poder repensar as coisas com outros pontos de vista, outros enfoques, outras abordagem. Não use paradigmas já existentes, crie novos.
Conheço uma parábola, contada pelo especialista em criatividade, Roger Von Oech, que se encaixa bem nesta idéia. Um dia, um jovem que queria receber os ensinamentos de um conhecido mestre zen recebeu dele o convite para vir à sua casa. Os dois conversaram um pouco e o mestre lhe ofereceu uma xícara de chá. O jovem aceitou e o mestre serviu seu futuro discípulo. A xícara se encheu, mas ele continuou servindo. A xícara transbordou e o chá foi se derramando pelo chão. Vendo isso o discípulo disse: ‘Mestre, mestre, pare! O chá está derramando!’. O mestre parou e lhe disse: ‘Muito bem, meu caro jovem. Assim como esta xícara, sua mente está repleta de verdades imutáveis. Nada do que eu lhe ensinar ficará em sua xícara e só se fará transbordar, inutilmente. Para receber meus ensinamentos você precisará primeiro esvaziar a sua xícara. Só assim você estará com a mente limpa para assimilar o novo e o diferente’.
Imagem: autor desconhecido