Fala-se muito sobre o suposto efeito dos jogos violentos sobre os gamers. Sempre que acontece qualquer tipo de tragédia envolvendo gente jovem e armas e/ou explosivos — tema de outro artigo meu aqui no Tecnoblog, aliás —, a mídia jornalística sai procurando conexões com videogames, e inevitavelmente surgem manchetes relacionando o incidente com games. Quantas vezes já lemos chamadas em sites noticiosos com dizeres como “Autor do atentado passava seu tempo com jogos de tiro, diz a polícia”?
É tão inevitável que, quando tais matérias começam a pipocar após um acontecimento do tipo, os gamers coletivamente pensam “bem que estava demorando!”. Já virou um clichê que atesta sobre a natureza sensacionalista da indústria jornalística. Por isso, já estamos acostumados a demonizarem nosso hobby.
Entretanto, fala-se bem pouco sobre o fenômeno inverso. Em vez da tênue insinuação que games inspiram catástrofes, acontece às vezes que tragédias reais viram games.
JFK Reloaded
O assassinato do presidente americano John F. Kennedy — apesar de oficialmente solucionado — gera até hoje incerteza. A Comissão Warren determinou que o atentado foi executado por um sujeito apenas; já o pessoal mais chegado em teorias conspiratórias afirma que a trajetória da bala e a frequência entre os tiros torna impossível que apenas uma pessoa tenha, usando terminologia de delegado, “efetuado os disparos”.
E a empresa escocesa Traffic Games (que parece ter sumido do mapa) resolveu capitalizar em cima disso lançando um simulador baseado no incidente em 2004.
No game, você é Lee Harvey Oswald, o acusado de matar o presidente Kennedy. Você se encontra no mesmo prédio de onde Oswald teria atirado contra o presidente, e lá embaixo passa o comboio presidencial. É objetivo é tentar reproduzir a sequência de eventos daquele dia.
O game até oferece uma análise balística tridimensional dos seus disparos, e dá pontuação correspondente.
Os americanos mostraram que ainda não passou tempo suficiente desde a morte do presidente Kennedy, porque o game foi recebido com bastante consternação. Os desenvolvedores defenderam a iniciativa como uma espécie de “perícia forense em grupo”.
New York Defender
Os valores de produção de JFK Reloaded — os gráficos parecem sim datados, mas leve em consideração que o jogo é de 2004 — permitem aos desenvolvedores se defenderem com a tal premissa de que o jogo é na realidade um exercício investigativo em conjunto. Afinal de contas, o game recebeu um tratamento realmente profissional, não é apenas uma tentativa barata de chocar usando o tema trágico e com isso atrair alguma atenção.
Já New York Defender… Bem, digamos que a mesma defesa não se aplica a este jogo. Apesar de haver também teorias conspiratórias a respeito dos atentados do 11 de Setembro, New York Defender não tem proposta de esclarecer os fatos relatados na versão oficial do incidente.
O game é essencialmente um clone de Missile Command com o World Trade Center no meio. Tudo que você tem que fazer é atirar nos aviões em direção às torres, impedindo que elas derrubem os dois prédios. E é isso.
Como se a controvérsia do jogo não fosse suficiente (o game chegou a aparecer em jornais americanos), alguém se deu ao trabalho de fazer uma continuação.
Super Columbine Massacre RPG!
O massacre na escola de Columbine, em 1999, foi um dos mais infames incidentes de tiroteio em escolas norte-americanas. As investigações sobre os dois atiradores, Eric Harris e Dylan Klebold, revelaram que ambos eram gamers (Harris era membro de comunidades de criações de fases para FPS como Doom e Quake). Este foi um dos mais significantes eventos em que videogames (entre outras coisas, como o estilo musical e filmes favoritos dos dois garotos) foram culpados por violência no mundo real.
Em 2005, seis anos após os eventos de Columbine, o cineasta Danny Ledonne (com 23 anos na época) criou Super Columbine Massacre RPG!, um jogo nos moldes dos clássicos RPGs japoneses de 16 bits. Minha familiaridade com o icônico RPG Maker me fez concluir, antes mesmo de iniciar minha pesquisa sobre o assunto, que essa foi a ferramenta usada por Ledonne pra criar o game.
E realmente foi o caso. Ledonne, que não tem nenhum treinamento formal em programação ou design de games, desenvolveu Super Columbine Massacre RPG usando o mesmo RPG Maker que você leitor, assim como eu, talvez tenha brincado tentando criar um jogo baseado nos seus amigos de escola ou de fórum na internet.
Ledonne, que é gamer, criou o RPG numa tentatia de adereçar a polêmica sobre jogos violentos terem tido um papel na inspiração do massacre. O fato de que ele fez isso usando um jogo violento pareceu para muitos uma tentativa de chocar o público mainstream.
Um dos problemas do jogo é que, sendo seu criador um defensor da causa gamer, algumas decisões do roteiro tornam o game facilmente mal interpretado. O jogo satiriza a forma como a mídia criticou videogames colocando esse discurso na boca de personagens que são obviamente os “vilões” da história. Esse antagonismo (e o fato de que os protagonistas do jogo são justamente os assassinos de inúmeros inocentes) torna a ideia central do jogo um pouco confusa. Não é difícil entender porque muitos acharam que o jogo glorificava as ações da dupla de estudantes.
Debater a polêmica da violência provocada por jogos através de um jogo é um exercício curioso de metalinguagem; é uma pena que a tarefa não foi abordada por alguém com mais tato.
Artigos relacionados:
- Banco Imobiliário edição especial (e não oficial) Mídias Sociais
- Tenha sua própria empresa de jogos com Game Dev Story
- Jogos que todos odeiam, mas você secretamente ama
Jogos baseados em tragédias reais