Agora que a fogueira acalmou, fico mais à vontade para tocar no tema. Não sou especialista sobre o assunto da PM na USP, nem mesmo sobre os meandros das reinvindicações estudantis que hoje tomam lugar por lá. Mas ainda que olhando de fora, sei que me desagrada a maneira como tudo aconteceu. Na origem do problema, um conflito.
Conflitos são naturais da existência coletiva. Digo isto repetidas vezes, e aqueles que me acompanham certamente já escutaram. A existência do conflito não é o problema. O problema é a pouca clareza de cada lado sobre suas próprias demandas. A falta de atenção em escutar verdadeiramente o outro lado e, mais importante, a incapacidade de fazer com que o conflito siga para uma resolução sem entrar em oposição.
É triste como de um conflito pula-se imediatamente para a oposição e o confronto. Todos concordariam comigo, mas ninguém assume uma atitude realmente diferente. Não estou falando em ceder às reinvindicações, mas de acreditar na capacidade de dialogar construindo uma situação nova, que possa acomodar melhor todos os interesses em jogo. Estou falando em acreditar que a conversa pode dar espaço à criatividade e à incrível capacidade humana de inovar, criando uma situação que antes não havia sido pensada. Mas não. O que vemos normalmente são dois lados fingindo dialogar, quando na realidade apenas tentam provar ao outro que suas teorias é que estão corretas.
Na melhor das hipóteses, um dos lados se coloca disposto a ceder. Mas ceder implica também em perder, o que é absolutamente aceitável. Ainda assim, há uma possibilidade que passa desapercebida, insisto. A possibilidade de dialogar para chegar a uma nova situação. Uma configuração ainda não pensada e desenhada, que Johan Galtung chamaria de “transcender” o conflito.
Uma pequena historinha de Galtung: Um casal se vê em um impasse. O homem, há anos trabalhando como colocador de pisos, está cansado de rastejar pelo chão e trabalhar o dia todo. Ele quer descansar e passar mais tempo bebendo com amigos. A esposa discorda, pois ela largou seu trabalho há décadas para cuidar da casa e dos filhos. Agora, com os filhos grandes, ela fica insegura pois sente que depende completamente do ganho do marido, uma vez que nada sabe fazer fora cozinhar e cuidar da casa. Sendo assim, ela acha que ele deve seguir trabalhando para juntar mais dinheiro.
Aparentemente um dos dois deve ceder, ou cada um pode ceder um pouco. Isto até que o diálogo bem dirigido faça com que cada um chegue ao centro de seus objetivos e medos. Ele está cansado de rastejar pelo chão o dia todo e quer passar mais tempo bebendo com amigos. Ela sente-se insegura pois acha que ainda precisam ganhar dinheiro e sente que nada sabe fazer. O que fizeram? Abriram um bar! Ela cuida da cozinha e da limpeza, ele atende no balcão e cuida da parte administrativa.
Precisamos aprender a dar soluções mais criativas aos conflitos tão naturais da vida em sociedade e, para isso, temos de reaprender a dialogar. Parece simples, mas estamos distantes de conseguir fazer isto. Aí vai um belo desafio!
Marcio Svartman é consultor, publicitário, mestre em psicologia, palestrante, fuçador e questionador. É um dos idealizadores da SatyaWork Desenvolvimento Organizacional e autor do livro “Você pra mim é problema seu”.