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"Observar a realidade a partir do topo da empresa é como olhar da janela do avião"


por Roberto Adami Tranjan

Da janela do avião, o mundo parece viver na santa paz. Tudo tão sereno e cal­mo. Os carros se locomovem lentamente por estradas sinuosas, os rios seguem sem correntezas, as ondas do mar beijam a areia sem vontade de voltar. Enfim, o tempo da eternidade. A sublime tranquilidade parece verdadeira até o avião aterrissar e você sair pelo desembarque. À flor da terra. Aí, sim, vai se defrontar com a realidade. Nada cal­ma nem serena ou tranquila. Bem ao con­trário. Existem vulcões por todos os lados.

Esta é uma boa analogia para mostrar o viés de percepção que existe entre o topo e a base na empresa. Não há nada mais dis­tante da realidade do que a caixinha supe­rior do organograma, a sala da diretoria e as reuniões que tratam das diretrizes estraté­gicas, apenas para citar alguns exemplos. Observar a realidade a partir dessa pers­pectiva é como olhar da janela do avião. Desça para ver!

Aterrisse na pista do cliente externo

Muitos acreditam que “fazer networking” com os bambambãs assegura o sucesso nas negociações. Nada mais equivocado. Desses relacionamentos podem fluir boas conver­sas sobre barcos, viagens e golfe, mas nada que assegure verdadeiramente o sucesso duradouro nas negociações.

É no topo que as estratégias são deline­adas, mas é na base que o jogo acontece. Negociações ocorrem três ou quatro níveis abaixo dele, e isso faz uma grande diferença. Observe, por exemplo, a decisão de compra por parte do cliente. Muitas vezes é tomada por um engenheiro de 20 e poucos anos de idade que trabalha na apertada baia de algum escritório desorganizado, em uma ci­dadezinha do interior. De nada adiantou en­viar o presente de fim de ano para a diretoria da empresa ou para o superior do superior daquele jovem. Não é o pessoal do staff que decide. A palavra final está nas mãos desse rapaz, para quem foi delegada tal incum­bência. E não adianta recorrer à bajulação, no caso dele, pois a relação com a base é de outra natureza.

A base da pirâmide tem mais poder do que se imagina e, se carece de autoridade para decidir, tem a autonomia para impedir ou emperrar qualquer processo de transação com a qual não concorde. Funciona assim na empresa cliente e também assim na própria empresa.

Circule na pista do cliente interno

O cliente externo muitas vezes é atendido com atra­so, porque o cliente interno costuma des­respeitar o prazo acordado. Assim como acontece no cliente, o poder de entregar o serviço ou produto está nas mãos daquele garoto que sequer concluiu a faculdade. Mais uma vez, a base da pirâmide tem mais poder do que imaginamos.

Da sala da diretoria pouco se consegue ver. Nada que ultrapasse uns 5% da realida­de. E é com esta ínfima parcela do todo que muitas decisões são tomadas. Não é à toa que a maior parte dos resultados permaneça aquém do esperado.

É assim também com as desagradáveis reuniões de diretoria, detestadas por quase todos, exceto o diretor. E justamente nesses desertos são definidos padrões de qualidade e metas, sem a presença de quem de fato re­aliza o trabalho. Algumas vezes, os liderados são até convidados a participar, mas não na pista e sim nas alturas, onde se altera o pon­to de vista. De lá e em pleno voo, o máximo que se consegue provocar no cliente interno são vertigens.

Na terra, onde tudo acontece

É na base que tudo acontece. E a expec­tativa da base é que o topo desça e comparti­lhe da mesma realidade, não que imponha a sua visão habitualmente distorcida. É preciso parar com as pressuposições, decidindo ape­nas com informações filtradas pelos lidera­dos diretos.

No topo, costuma-se investir grande quantidade de tempo e energia em uma sé­rie de afazeres – planejamento estratégico, orçamento, monitoração do fluxo de caixa –, mas não é lá que as competências do cliente interno são reconhecidas, para que lhe seja dado um desafio concernente.

A maior parte dos líderes não reflete muito quando define que pessoa fará deter­minado trabalho. Pensa mais em preencher as caixinhas do organograma do que apro­veitar as competências existentes ou permi­tir que o liderado se realize no trabalho. Às vezes, até sabe que o cliente interno ficaria melhor em outra posição ou mesmo que a atual não é adequada para o que precisa exercer, mas insiste. Espera milagres. Outras vezes, conhece tão pouco da pessoa quan­to desconhece o próprio trabalho que a ela está destinado. Não sabe nem do que se trata nem de quais requisitos seriam imprescindí­veis para o ser humano a ser escolhido para dar conta do recado.

Vale para o cliente interno, no que se refere às competências; vale para o cliente externo, no que se refere às necessidades. Também não é lá do topo que as necessida­des do cliente externo são compreendidas adequadamente. Pressupõem-se seus dese­jos, sem reconhecer suas reais demandas.

Pode parecer óbvio, mas é sempre bom lembrar: a relação do cliente interno com o cliente externo é o que existe de mais con­fiável na geração de negócios e resultados. O que gera comprometimento por parte do cliente interno e fidelização do cliente externo são as opiniões, ideias, percepções, conhecimentos, habilidades e talentos de ambas as partes, quando bem aproveitados.

Como líder, seu papel é aterrissar. Não existem oportunidades e resultados na sala da diretoria. E de nada adianta continuar batucando o teclado do computador, pois as coisas acontecem fora da tela do monitor. Se quiser conhecer um leão de verdade, vá à selva. Não adianta ir ao zoológico. Se quiser conhecer o mercado de perto, vá ao merca­do. Se quiser conhecer o cliente de verdade, vá ao cliente. Se quiser conhecer a equipe de trabalho de perto, desça da gávea e cir­cule pelo convés. Faça perguntas capazes de trazer a realidade à tona, de forma que você possa oferecer a seus clientes – tanto os in­ternos como os externos – a ajuda essencial para a correção dos problemas e a conquista dos desafios. Quando você faz boas pergun­tas, aprende coisas e seus clientes também.

Muita gente não quer abandonar a jane­la do avião, receosa de sujar os pés com o barro. Mas é desse barro que são feitos os melhores empreendimentos.

Tome coragem. Aterrisse! E permaneça com os pés em terra firme.

Roberto Adami Tranjan é educador da Cempre, Conhecimento & Educação Empresarial. (11) 3873-1953/www.cempre.net  ([email protected])

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