Convenhamos: o banheiro é um lugar de privacidade e isolamento. É lá que você deixa a nobreza e os modos de lado e faz o “trabalho sujo”. Lá as coisas são como elas REALMENTE são. E Stanley Kubrick sabia disso.
Se analisarmos sua obra, veremos que grande parte dos filmes apresenta um pivô em processo de declínio psicológico, rumo à loucura. E isso acontece em quase todos os longas: “De Olhos Bem Fechados”, “Full Metal Jacket”, “O Iluminado”, “Barry Lyndon”, “Laranja Mecânica”, “2001: Uma Odisséia no Espaço”, “Dr. Strangelove” e “Lolita”.
Pode até parece coincidência, mas não é. E a grande prova disso é que em todos os filmes que citei acima, as cenas mais importantes (do processo de desintegração, revelação ou questionamento psicológico dos personagens) acontecem propositadamente no banheiro.
Segundo o próprio Kubrick, o banheiro é um símbolo de negação do homem: o ambiente “natural” onde – de portas fechadas – nós chegamos mais perto do nosso senso primitivo. Seja fazendo um teste de gravidez, abrindo um resultado de biópsia, treinando na frente do espelho como falar e se portar para determinada situação, etc. Portanto, é justamente lá que você está (literalmente) de calças abaixadas. Sem escudos, nem floreios.
Olhem essa relação de cortes (no banheiro) nos filmes que permeiam essa teoria:
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IMPORTANTE: Se você não assistiu algum destes filmes
e não quer saber mais detalhes sobre isto, para de ler este post agora.
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“De Olhos Bem Fechados” (1999)
Todo o envolvimento do Bill Hardford (Tom Cruise) começa na festa, quando ele é chamado pelo Victor Ziegler (Sydney Pollack) para ir ao banheiro examinar a prostituta. Outra cena é a discussão com a esposa, Alice (Nicole Kidman), no banheiro de casa.
“Full Metal Jacket” (1987)
O soldado Leonard Pyle (Vincent D’Onofrio) mata o Sargento Hartman (Ronald Lee Ermey), e logo depois, comete suicídio.
“O Iluminado” (1980)
Logo no começo do filme o pequeno Danny (Danny Lloyd) tem visões sobre o hotel no banheiro; Jack (Jack Nicholson) encontra o cadáver da mulher (e o fantasma dela) no banheiro verde; E a clássica, quando Jack tenta derrubar a porta, e matar a esposa Wendy (Shelley Duvall), também no banheiro.
“Barry Lyndon” (1975)
Depois de todas os problemas, é no banheiro da mansão que Barry (Ryan O’Neal) consegue a reconciliação com a esposa, Lady Honoria Lyndon (Marisa Berenson).
“Laranja Mecânica” (1971)
Alex (Malcolm McDowell) tem um surto psicótico no banheiro de casa. Depois de “curado”, ele volta (sem saber) na casa onde estuprou a mulher, e canta a mesma música (fazendo o viúvo perceber quem ele realmente era). E no final do filme, também é lá que ele tenta se matar.
“Dr. Strangelove” (1964)
É no banheiro que o General Jack Ripper (Sterling Hayden) se mata.
“Lolita” (1962)
O professor Humbert (James Mason) está no banheiro, quando ficar sabendo que a mãe da Lolita (Sue Lyon) morreu. Também é lá que ele desperta seu senso ninfomaníaco, com suas fantasias sobre a menina. Além disso, a própria Lolita sempre está diariamente no banheiro, olhando ele se barbear.
Stanley Kubrick foi um cineasta incrível, com obras complexas e detalhadas. Coisas como essa teoria conspirativa sobre os banheiros surgem em todos os filmes e recheiam esse universo rico e lotado de questionamentos, aspirações e contemplações sobre o homem.
Em 1968, numa entrevista ao New York Times, Kubrick disse:
Essencialmente, um filme é uma declaração mitológica. Seu significado deve ser encontrado em uma espécie de nível visceral, com uma explicação mais psicológica do que literal.
O que nos prova que para Kubrick 1+1 nunca foi 2. Um gênio, mesmo no banheiro.