Depois de 15 anos de carreira, encarei a filmagem do meu primeiro curta-metragem e garanto, você pode fazer o seu! Especialmente depois de ler esse texto!
Cada história sempre tem dois lados, duas verdades, duas realidades. Quando iniciei a carreira de jornalista há 15 anos, a paixão pelo cinema decidiu muitas coisas fundamentais, como, por exemplo, seguir o caminho do entretenimento na primeira oportunidade que tive no Caderno2, no Estadão.
Mudar para Los Angeles foi resultado de tudo isso, afinal, trabalhar como correspondente internacional é o sonho de todo repórter de cinema. Conviver com tantos diretores, atores e, literalmente, respirar cinema em Hollywood vem com o pacote e a vontade de passar para o outro lado é inevitável.
Depois de 3 anos em Los Angeles, finalmente aconteceu: concluí meu primeiro filme. O curta-metragem Distress, que acabou de ser oficialmente lançado (veja o filme abaixo), entretanto, há uma experiência a ser compartilhada. Fazer um filme é uma das coisas mais incríveis que aconteceu na minha vida! Depois que eu contar, você vai querer sair correndo e filmar por conta própria, garanto!
Mas não foi tudo tão fácil e simples. Quem acompanha o SOSHollywood.com.br pode ler cada passo da jornada, que começou em janeiro quando me matriculei no curso de cinema da LACC, o melhor programa de cinema entre as universidades públicas dos Estados Unidos. Clint Eastwood se formou ali; dá para o gasto, não?
Bem, depois de muita teoria e provas, chegou a hora de colocar a criatividade em prática e começar a filmar. Dois curtas são obrigatórios no primeiro semestre, então nasceu “Distress”, um thriller de fantasia. O filme é curtinho mesmo, tem apenas 6 minutos, e levou 3 semanas para ser produzido, filmado e finalizado. E esse processo foi fantástico.
Começou com aquele pânico básico: preciso fazer um filme, e agora?
| Cenário e figurinos
O roteiro estava escrito e consegui ajuda de Ricardo Ninin, um leitor do SOS, com os storyboards. Mas aí a produção local entrou em pauta e felizmente, estar em Los Angeles facilita, e muito, as coisas. Por ser ambientado num cenário levemente medieval, precisava de fantasias – o primeiro terror dos produtores de baixo orçamento, afinal, figurino significa muito dinheiro investido. Rodei várias lojas de fantasias da cidade até descobrir o paraíso dos figurinistas: Western Costume Co.
Só um exemplo: quer alugar as roupas de Waterworld ou Robin Hood para fazer seu filme? Eles têm as originais! Aliás, sem querer, acabei alugando duas peças do filme de Ridley Scott. O preço realmente é salgado, mas ser estudante tem suas vantagens e consegui um bom desconto. Ok, figurinos selecionados.
| Locações
Próximo passo, locações. Esse é complicado. Abrir um tripé em Hollywood significa ser interpelado por qualquer policial que passar. É necessário ter uma autorização de filmagem, que custa de US$650 a US$2000 por dia, dependendo do lugar escolhido. E, claro, se os responsáveis concordarem. Existe uma entidade que só cuida disso em Los Angeles, a FilmLA.com. Sem passar por eles, nada feito.
Mais uma vez, o desconto para estudantes entrou em ação, mas de forma absurda. Por estudar cinema, cobraram apenas uma pequena taxa adminstrativa e filmar no Griffith Park – propriedade originalmente do cineasta D.W. Griffith e onde fica a placa de Hollywood – se tornou possível. Um sonho de locação. Linda floresta, fácil acesso e tudo que eu precisava para transformar “Distress” num filme agradável aos olhos. E teve um bônus, a cena final foi gravada na BatCaverna do Batman de Adam West! Oh, yeah! Fãs de Chuck vão reconhecê-la, pois ela também serve de cenário para a série de Zachary Levi.
| Elenco
Roteiro e Storyboards ok. Figurinos ok. Locação e autorização ok. O que falta? Elenco. Por sorte, um grande amigo e jornalista italiano, Andrea Cangioli, me recomendou uma fantástica atriz da Irlanda do Norte, Claire Falconer. Ela ficou com papel principal, enquanto o músico e ator Ryan Nelli, um colega de classe, e o amigo Dado Coutinho encararam os dois papéis masculinos.
Dei muita sorte, pois encontrar gente motivada e habilidosa, mesmo no caso de Dado, que nunca havia atuado nem em peça de escola, é coisa rara. Com elenco internacional, precisei dirigir em inglês e isso deu um tempero especial à estréia por trás das câmeras.
| Filmagens
Agora sim, tudo nos devidos lugares. Hora de filmar. E aí entrou o elemento surpresa. Chamar de sorte é fácil, mas, na verdade, foi a vitória da minha cabeça dura. Filmar em estúdio é seguro, pois tudo é protegido e, habitualmente, Los Angeles é perfeita para filmes em locação aberta por conta do tempo seco. O que aconteceu na semana das filmagens? Chuva! A data já estava marcada para 25 de março, uma sexta-feira; começou a chover no domingo anterior.
A combinação lama, água, falta de orçamento para alugar tendas e outras proteções tinha tudo para arruinar as filmagens e, além de tudo, já havia pago uma quantia considerável para a locação, mesmo com o desconto.
O lado produtor entrou em cena e fiz a única coisa que podia fazer: visitei a locação todos os dias da semana, nos horários previstos, para ver o comportamento do tempo. Minutos antes do limite para cancelar, e com o coordenador do Griffith Park tentando me convencer a mudar a data, decidi: vamos em frente! Vai fazer Sol!
Os deuses sorriram e não caiu uma gota d’água durante as 5 horas de gravação. A preparação foi fundamental, pois notei o padrão do tempo no horário e o Sol abria lá para as 10h e mantinha-se estável até o fim da tarde. That’s a Bingo, como diria o coronel Fritz Landa! Foi corrido, complicado, sem intervalos e absolutamente fantástico!
| Câmera
Coordenar as cenas, orientar os atores, controlar o roteiro, filmar tudo com uma câmera fotográfica relativamente básica – Nikon P100 (10.3 megapixels), modelo bem acessível, mas cheio de pontos negativos para a finalidade cinematográfica – e ter que fazer tudo com horário para acabar.
Entre os pontos fracos, e complicadores dessa câmera, foi o fato de ela não ter foco manual (que ficava mais interessado em folhas do que no rosto dos atores) e ser extremamente leve, ideal para handheld, mas péssima para trabalhar com tripé, ou seja, por ser leve, cada movimento levava o conjunto todo e estragou muita cena boa. Isso é algo a se pensar na hora de fazer o seu filme independente. Aliás, independente não significa mal feito ou filmado de qualquer jeito, como muita gente pensa.
Outra coisa dessa câmera: ela funcionou bem para essa finalidade, ou seja, um filme sem diálogos. Ela não tem entrada para microfone externo, logo, não é possível conectar um adaptador ou gravador de melhor qualidade e, para filmagem em locação externa, não é recomendável se você precisa de som. São detalhes fundamentais que podem estragar o seu dia, por mais que todo o resto esteja bem coberto.
Fazer filmes é uma das práticas em que a escolha do equipamento é a decisão mais complexa. Não adianta nada você usar uma RED, por exemplo, se não tiver espaço de HD ou computador capaz de rodar seus arquivos. Logo, tecnologia de mais ou de menos estraga. Escolha a camêra que atende às suas necessidades e seja feliz!
A Lu Costa, minha esposa, foi uma ótima controladora de orçamento e me colocou nos eixos! Tudo tinha que funcionar direitinho e não me perguntem como, só sei que quando chegou a hora de encerrar o dia, todas as cenas estavam cobertas e pude dizer “It’s a Wrap” (Acabou!), com orgulho, alívio e muita alegria.
Ver cada cena ganhar forma, sofrer alterações por causa das idéias do momento, ouvir opiniões da equipe, entender o processo dos atores e assimilar suas sugestões e escolhas foi mágico. Tudo que ouvi diretores me dizendo por tantos anos, finalmente ganhando sentido de ação para mim. Não tenho ilusões de grandeza, sério.
Fazer filmes é tarefa complicada e trabalhosa. Às vezes são gastos milhões por cenas das quais vemos apenas alguns segundos, mas são fundamentais para o entendimento da história, para a execução da visão do diretor. Isso sem contar as horas absurdas de trabalho no Final Cut Express e no After Effects, que precisei descobrir como funcionava por meio dos ótimos tutoriais da Adobe TV. Foram pelo menos duas semanas de trabalho pesado contando edição, animações e tratamento de imagem.
Felizmente, o After Effects libera um demo completo por 30 dias, então deu para usar, mas agora vou ter que comprar, não vai ter jeito. Mas vale a pena apostar no software original e nenhum dos programas me deixou na mão em nenhum momento, logo, não tive nenhum problema de perder arquivos ou ter que retrabalhar algo.
O Brasil não tem parte dessa estrutura, mas tem as idéias e pessoas capazes de fazer bons filmes. E, o melhor, sem gastar a fortuna exigida pelas entidades cinematográficas e locações de Los Angeles.
Então, está esperando o que para pensar na sua história, pegar uma câmera HD, juntar uns amigos e fazer parte dessa arte que tanto nos fascina? Silêncio no set, camera rodando, ação!
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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