2016 ficará marcado em nossa memória como o ano em que o Brasil descobriu a verdade. Foi terrível ver a crise econômica, as empresas fechando, os milhões de desempregados, os funcionários públicos sem salário, a União e os Estados quebrados.
Mas tudo isso começou em 2016, ou apenas colhemos os frutos de anos de irresponsabilidade fiscal?
Por anos, principalmente depois de 2010, a tese desenvolvimentista petista conhecida como “nova matriz econômica” defendeu que o aumento da renúncia de receita e da despesa primária, especialmente das despesas obrigatórias (direitos e auxílios diversos concedidos por lei, bolsas, subsídios), das despesas com pessoal (criação de ministérios e cargos de confiança) e das despesas com eventos esportivos (Copa e Olimpíadas), além de gastos sociais, estimulariam a demanda, os investimentos, o crescimento econômico, e este geraria aumento de arrecadação, equilibrando as contas públicas e mantendo a inflação sob controle.
Financiamento não era problema. O Governo Federal elevou a dívida pública, usou e abusou de bancos públicos, pedalou aos bilhões e empenhou o futuro. Quando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi empecilho, enviou-se proposta de alteração para o Congresso Nacional; quando não foi alterada, modificou-se na prática a sua interpretação, usando diversos artifícios de contabilidade criativa. Sem limite. A consequência foi o crescimento da dívida, como mostra o Gráfico 1.
GRÁFICO 1: DÍVIDA BRUTA DO GOVERNO GERAL (em % do PIB)
O receituário de aumento de renúncias de receita e de despesas primárias foi incentivado nos Estados com autorização do Governo Federal para a realização de operações de crédito, a concessão de garantias e a realização de transferências voluntárias que, pela LRF, não poderiam jamais ter ocorrido.
O aumento do consumo da “nova classe média” também ocorreu à custa de endividamento das famílias, sempre incentivado pela expansão do crédito, e de várias empresas com acesso a crédito fácil, direcionado ou subsidiado. De acordo com governo, esse era o crescimento que iria permitir distribuir renda aos pobres, melhorar a saúde e a educação.
Os investimentos privados, contudo, não reagiram da forma esperada pelo Governo Federal. O crescimento puxado pelo consumo fez com que a inflação ameaçasse sair do controle. O déficit público revelado após a contabilização de todas as pedaladas era gigantesco. As expectativas desfavoráveis detonaram a recessão. Não era uma marolinha. 2014, 2015, 2016. Veio a depressão.
Para completar o quadro de incertezas, a corrupção política institucionalizada que a Operação Lava Jato revelou, mas cuja extensão ainda não ousamos aquilatar. Uma Presidente deposta, empresários e políticos às dezenas presos e muitos outros investigados. Todos os partidos envolvidos. Sobrará alguém para reconstruir a casa? Mais uma vez, porém, a corrupção não foi criada, mas apenas revelada pela Lava Jato. Culpar o mensageiro pela má notícia, também neste caso, seria um grave erro.
Alguns iludiram-se acreditando que bastava substituir a Presidente. Ocorre que é preciso concentrar esforços na tarefa de reconstrução da terra arrasada. Para tanto, é imprescindível corrigir as origens da crise fiscal gerada no setor público.
Que ninguém fale, ainda, em disciplina fiscal no Governo Temer quando há um déficit primário de R$ 170 bilhões previsto para 2016, após a entrada das receitas de repatriação. O déficit primário de R$ 139 bilhões para 2017 ainda depende de novas medidas. A previsão de resultado nominal era de déficit de R$ 462 bilhões em 2016 e 460 bilhões em 2017. Contudo, essas eram as previsões da LOA 2017, compatíveis com um crescimento econômico de -3,0% em 2016 e uma recuperação de +1,6% em 2017. O último Relatório Focus, de 16/12, indicava que as previsões de crescimento econômico do mercado para 2016 eram de -3,48 para 2016 e 0,58 para 2017, o que caso se confirme, teria o efeito de aumentar o déficit primário previsto. De acordo com as previsões de mercado, a DLSP atingiria 50,75 % do PIB em 2017, também acima dos 49,40% do PIB da LOA 2017.
A PEC do teto de gastos não deve ser motivo para acomodação, já que é apenas uma promessa com efeitos, quiçá, futuros, se tanto. A Reforma da Previdência é um projeto também para o futuro e sujeito a todas as incertezas políticas.
Onde estão as medidas de curto prazo para fazermos a travessia? Nem as medidas provisórias, movidas por propinas e interesses inconfessáveis com impacto de R$ 140 bilhões como demonstrou a delação da Odebrecht, foram revogadas. É preciso: fazer a Reforma do Estado, identificando o que realmente precisa permanecer público; reduzir cargos de confiança; rever despesas obrigatórias concedidas por lei; e continuar revendo a estratégia de concessão de crédito subsidiado e direcionado que gera impacto fiscal e cria dificuldades à política monetária.
2016 foi o ano da verdade, o ano em que o Brasil precisou olhar-se no espelho, sem as ilusões e ufanismos do passado que tanto mal nos fizeram, para enxergar as consequências da irresponsabilidade fiscal e da corrupção. Foi um bom ano, apesar de tudo, porque pior seria não saber e permitir que os problemas continuassem se aprofundando. Que 2017 comece com a perspectiva de depuração na economia e na política, com o ajuste fiscal, a punição de todos os culpados e as reformas necessárias à reconstrução da República.