X

Busque em mais de 20.000 artigos de nosso acervo.

totali3
Política e Economia

A alma e o arame farpado

A criação da URSS foi a mais sanguinária das experiências sociais da História da humanidade.


O mês de outubro marcou os cem anos da Revolução Bolchevique, que levou ao surgimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1922-1991). A criação da URSS foi a mais sanguinária das experiências sociais da História da humanidade, com números estimados entre 20 milhões e 60 milhões de mortos, habitantes dos seus próprios países, assassinados pelo Estado por meio das mais diversas garras totalitárias.

A criação da URSS foi a mais sanguinária das experiências sociais da História da humanidade.

A criação da URSS foi a mais sanguinária das experiências sociais da História da humanidade. Share on X

Apesar de conhecidos esses números há muitos anos, dessa e de outras brutais ditaduras socialistas, continuamos incompreensivelmente a conviver com defensores desses governos bárbaros na política, no jornalismo, na academia.

Visitemos as redações dos maiores jornais e eles estarão lá. Visitemos as universidades públicas e os defensores ardorosos da foice e do martelo estarão lá, talvez agora travestidos de bizarros exemplares bolivarianos.

Essa visão anacrônica e engajada com as promessas e os ideais socialistas fundamentaram partidos e “movimentos sociais” de esquerda mundo afora e deveu sua longevidade também ao que Bertrand Russell chamou de falácia da aristocracia: os indivíduos que levam à frente essas ideias as julgam imaginando que farão parte da minoria privilegiada que estará no comando, com papel e condições de vida totalmente diferentes dos que aguardariam os cidadãos comuns. Embora essa visão tenha sido abandonada em quase todo o mundo civilizado, seria perigosa ingenuidade acreditar que tal perspectiva política esteja enterrada no Brasil.

1081551_o_arquipelago_gulag_f_1486650992_3.esq_3Aos pais que se preocupam por seus jovens serem doutrinados pelas promessas mentirosas e pelos fantasiosos ideais socialistas – e não, como deveriam ser, devidamente apresentados às consequências e aos resultados práticos desses regimes – segue uma singela sugestão: indiquem a seus filhos a leitura do livro Arquipélago Gulag, do Prêmio Nobel de Literatura Alexander Soljenitsyn (1918-2008).

Esse corajoso físico e matemático russo foi um capitão condecorado na 2.ª Guerra que acabou preso por terem encontrado em sua correspondência pessoal críticas a Stalin e ao governo soviético. Soljenitsyn passou 11 anos aprisionado em campos de trabalhos forçados, que surgiram ainda na época de Lenin e cujo número ultrapassou uma centena, quase todos espalhados pela Sibéria. Libertado por Kruchev, durante os anos seguintes dedicou-se a registrar não só as próprias memórias, mas os relatos e experiências de outros 227 presos nos campos que compunham o Gulag. Em suas próprias palavras, o livro é “um monumento coletivo àqueles que foram torturados e assassinados”.

Segundo Soljenitsyn, a realidade mais aterradora do que ele vivenciou nos campos siberianos era que, como um câncer, os venenos do Arquipélago Gulag se espraiavam e contaminavam todas as relações sociais e humanas naqueles países. No capítulo do livro de que foi extraído o título deste artigo, ele enumera dez traços, atitudes e comportamentos da vida dos soviéticos “livres” que eram “determinados pela proximidade com o Arquipélago” ou parecidos com os comportamentos dos presos nos campos.

  1. O medo constante – todos sabiam que “apenas um gesto ou palavra descuidada poderia significar uma queda sem retorno no abismo”.
  2. Servidão e subjugação – ninguém podia mudar de residência ou de trabalho sem obter vistos e autorizações.
  3. Dissimulação e desconfiança – esses sentimentos substituíram a “cordialidade e a hospitalidade” que sempre foram “sentimentos de defesa naturais de qualquer família ou pessoa”.
  4. Ignorância universal – a necessidade de esconder dos outros sentimentos e pensamentos levou à absoluta falta de informação. “Ninguém aprendia nada com ninguém” e estavam todos “completamente nas mãos dos jornais e porta-vozes oficiais”.
  5. O medo de ser delatado – mesmo num pequeno grupo de pessoas, parentes ou vizinhos, sempre existia a possibilidade de um deles ser informante do regime. Soljenitsyn estima que um a cada quatro ou cinco cidadãos soviéticos havia sido convidado a ser “dedo-duro”.
  6. A traição como forma de existência – “a forma menos perigosa de sobreviver era a traição constante”, materializada principalmente pelo silêncio dos amigos e parentes dos que eram aprisionados injustamente, pois todos temiam ser acusados de dar apoio a um inimigo do regime.
  7. Degradação moral – mais de 50 milhões de pessoas foram enviadas aos campos de trabalhos forçados e a maioria foi denunciada por alguém ou condenada porque alguém serviu de testemunha. Isso implicou milhões e milhões de corresponsáveis pelas prisões e mortes vivendo em meio ao “nosso povo soviético”.
  8. A mentira como parte de sua natureza – por medo ou por interesse próprio, todos passaram a se acostumar com “mentiras prontas” e clichês em suas conversas, mesmo em família. Aos pais restava o trágico dilema de falar verdades aos filhos ou vê-los crescer em meio às mentiras.
  9. Crueldade – “a bondade era ridicularizada, a piedade era ridicularizada, a misericórdia era ridicularizada”. Ao recusar socorrer os que eram injustamente acusados e aprisionados, todos se tornavam cruéis. 10) Psicologia de escravos – nos mais diversos lugares, guardas tinham cães “preparados para cravar os dentes em qualquer um e todos se acostumaram com essas figuras como se fossem a coisa mais natural do mundo”.

Sob o socialismo comunista, como no Gulag, toda a vida é enredada pelo arame farpado.

Sob o socialismo comunista, como no Gulag, toda a vida é enredada pelo arame farpado. Share on X

Impossível uma síntese mais chocante e assustadora do que essa de Soljenitsyn. Ela mostra o que um regime socialista comunista é capaz de fazer a um povo: destruir os corpos dos injustamente acusados e dilacerar a alma dos que restaram “livres”. Sob o socialismo comunista, como no Gulag, toda a vida é enredada pelo arame farpado. O fato de alguns adultos ainda se recusarem a enxergar isso não significa que nossas crianças não mereçam crescer conscientes.


FABIO DE BIAZZI no Estadão
Engenheiro de produção, mestre e doutor pela Escola Politécnica da USP, é sócio da Baepi Partners e professor de liderança e comportamento organizacional do Insper

Comente este artigo

Populares

Topo
http://enterslots.epizy.com/ http://cair138.epizy.com/ http://sido247.epizy.com/ http://omega89.epizy.com/ http://merdeka138.epizy.com/ 7meter slot 7winbet abcslot https://obor138.web.fc2.com/ https://monsterbola.web.fc2.com/ https://daget77slot.web.fc2.com/ star77 138 slot istana77 mega138 cuan138 nuke gaming slot grandbet infini88 pg slot baccarat casino idn live idn poker sbobet tangkas88 slot sbobet88 slot deposit dana joker123 autowin88 zeus138 dewagg roma77 77lucks bos88 ligadewa sonic77 168 slot