Temos direitos adquiridos sobre bens, a casa que construímos, a poupança realizada, mas não temos direitos adquiridos sobre seres humanos. Hegel
Artigo escrito em 2000, que continua válido até hoje.
O Deficit da Previdência está por trás de praticamente todos os problemas atuais da economia brasileira. Ele explica, por exemplo:
- A falta de infraestrutura.
- O baixo crescimento.
- A dependência em capitais e dívidas externas pela falta de recursos internos.
- A falta de energia pela falta de recursos financeiros.
- O crescimento constante dos impostos.
- Os baixos salários devido à contribuição de 30% aos cofres públicos mais 30% correspondente ao valor do atual deficit de previdência.
Nunca uma única questão teve tantos efeitos negativos.
Colocado de uma forma mais branda, o Brasil já resolveu boa parte dos problemas que travavam seu desenvolvimento, como inflação. A questão da previdência é o último gargalo a ser resolvido.
Resolvida esta questão, o Brasil crescerá ininterruptamente por 30 anos, a 7% ao ano.
Isto colocará o país acima do Japão em 2030, como o segundo maior país do mundo.
Não resolvida esta questão, dificilmente cresceremos mais do que 2,0% ao ano. Significará mais desemprego, mais violência, elevação contínua de impostos, instabilidade política.
O PROBLEMA
O deficit da Previdência para 2000 foi de 100 bilhões de reais, calculados pelo regime de competência.
Este valor poderia ter gerado quatro milhões de empregos, se fosse aplicado em investimentos.
Um emprego no Brasil requer R$ 30.000,00 de investimentos em máquinas, escritórios, mesas, computadores, etc.
Foi-se o tempo que uma enxada de R$ 30,00 era o único investimento necessário.
Em 2006, o deficit será de 160 bilhões comprometendo a criação de 5 milhões de empregos.
A grande maioria dos brasileiros supõe que suas contribuições são acumuladas pelo governo para um fundo a ser usado para suas próprias aposentadorias.
A constituição é inclusive bem clara neste sentido.
“Artigo 201. A previdência social será organizada observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.”
Nada disto foi feito e sucessivos governos têm se apropriado destes recursos para outros fins de custeio, ao arrepio da Constituição.
Por isto, a poupança nacional não gera empregos como nos demais países desenvolvidos.
Por isto, o Brasil não tem recursos de longo prazo para infraestrutura, habitação e para constituição de empresas de capital aberto.
Por isto, os juros no Brasil são elevados.
Nossas contribuições são imediatamente usadas para pagar aposentadorias de pessoas que não contribuíram ao longo dos anos, e que habilmente fizeram a lei.
Isto explica nossa dependência em capital estrangeiro, dívidas externas e internas, única fonte de recursos que nos resta.
Isto explica as elevadas margens de lucro de nossas empresas, obrigadas a crescer exclusivamente com lucros reinvestidos, única fonte de financiamento.
Devido à postergação destes problemas por pelo menos seis governos, o problema já chegou a nível crítico e já está nos afetando em todos os pontos mencionados no início deste plano.
Em 2030 este deficit chegará a 478 bilhões de reais, quatro vezes superior ao de 2000, totalmente insustentável.
O quadro seguinte mostra o Brasil como uma população jovem de somente 26 anos, totalmente fora da curva, já com custos previdenciários superiores a países com idade média de 42 anos.
A linha negra é a média dos países por idade, mostrando como o Brasil simplesmente se descontrolou outorgando privilégios inconstitucionais para a classe dominante da época, militares, políticos etc.
A linha verde é a trajetória de nossos gastos previdenciários à medida que formos envelhecendo, quando ultrapassaremos certamente 25% do PIB.
A diferença são os privilégios que a elite outorgou para si e demais funcionários públicos.
Aposentadorias de R$ 8.000,00, bem acima do nível de exclusão, e totalmente incoerente com o princípio de Repartição Social.
Pior, prevê-se que em 2005 a taxa de fertilidade da população brasileira caia para 1,8 filhos por casal, uma taxa claramente de redução da população.
Estaremos logo nos aproximando de uma relação 1 para 1 entre aposentados e contribuintes, que torna o sistema de regime de caixa mais do que insustentável.
Em 2002, Antoninho Marmo Trevisan me apresentou ao candidato Lula e seu assessor Guido Mantega quando mostrei este problema e a necessidade de resolvê-lo quanto antes.
Como sempre, Guido Mantega disse que não existia este deficit, confundindo Regime de Competência com Regime de Caixa, e a discussão parou por aí.
“Pelo que o Kanitz está nos dizendo, ainda bem que já estou aposentado, já garanti o meu”, disse Lula. Confirmado pelos presentes desta reunião que ainda incluíam Walter Appel e Guilherme Leal, da Natura.
Este é sem dúvida o maior problema para encontrar uma solução. Pessoas como Lula, Fernando Henrique Cardoso, etc, que já garantiram as suas aposentadorias.
O número de velhos como porcentagem da população irá dobrar nos próximos 30 anos, a população irá crescer 25% neste período. A idade média fruto dos avanços da medicina irá aumentar mais 8%, de 72 para 76 anos em média, e deveremos ter um crescimento pífio da economia brasileira de 2% ao ano, pressionando um aumento do salário mínimo 45% maior.
O argumento que crescimento resolve o Deficit da Previdência é portanto falho, ele agrava o problema.
Em 2030, portanto, este deficit chegará a 19% do PIB, ou 478 bilhões de reais, quatro vezes superior ao de 2000, totalmente insustentável.
A soma destes sucessivos deficit crescentes de 2000 até 2030 totaliza o valor astronômico de aproximadamente 6.900.000.000.000 de reais, ou 6,9 trilhões.
Este é o valor de nossa dívida previdenciária não contabilizada pelo atual governo, o total dos direitos já adquiridos pela população.
Sete trilhões é uma quantia claramente impagável e que jamais será paga de fato.
O calote da previdência é inevitável e tecnicamente já ocorreu.
Todas as soluções paliativas, moderadas, conciliatórias, como as feitas até agora e pelo Governo FHC, somente postergam o problema por quatro anos para o próximo Presidente. Algo que acreditamos não mais será possível fazer.
A Emenda Constitucional 20, medida do Governo Fernando Henrique Cardoso, eliminando a possibilidade de aposentadoria proporcional de 25 anos com 70% do valor das aposentadorias, no fundo aumentou o custo destas aposentadorias em 42% no futuro.
FHC deixou esta bomba relógio para o próximo governo.
A QUESTÃO POLÍTICA
Uma das táticas para esconder o problema é semântica.
O deficit não é somente de 40 bilhões como o governo alega. São 100 bilhões, 40 bilhões financiados por impostos, e 60 bilhões retirados da nova geração.
Estamos expropriando as contribuições de 60 bilhões da nova geração, valor que deveria estar sendo investido para suas próprias aposentadorias.
É um estelionato contra a nova geração, que já se preocupa com ecologia e o que as velhas gerações irão lhes deixar. São mais de 70 milhões de eleitores.
No fundo, o que a velha geração criou foi uma enorme corrente da felicidade, onde a geração deles foi beneficiada com aposentadorias milionárias sem a necessidade de aporte ou poupança própria para tal fim.
Uma vez iniciada, esta bola de neve prejudicará TODAS as gerações seguintes.
Mais dia menos dia, uma simples questão de tempo, uma destas gerações irá se rebelar e quebrar a corrente.
Politicamente não existe muita saída.
Continuamos a administrar o rombo, postergando com medidas paliativas cada quatro anos para os próximos governos, arcando com estagnação econômica e violência, que já ocorre e somente irá agravar a situação.
Vamos deixar que o sistema se desmonte por revolução social, como já ocorre com os milhões de brasileiros que já optam pelo mercado informal.
Estudamos inúmeras soluções para resolver a questão previdenciária a contento, embora sua parametrização requeira o conhecimento detalhado dos números da previdência, que somente será possível depois da posse da nova equipe econômica.
Estas soluções permitem o retorno da poupança interna do país, o fim dos acordos com o FMI, à volta do crescimento de 7% a economia, a redução dos juros, o fortalecimento da empresa nacional.
O único problema será a questão dos direitos adquiridos.
Direitos Adquiridos.
A maioria dos aposentados acredita que possui direitos adquiridos a uma aposentadoria do Estado.
Afinal, contribuíram pelo período legal, cumpriram com o limite de idade e outras exigências.
Só que o dinheiro sumiu.
Há 30 anos a imprensa noticia que um problema na previdência seria inevitável, mas ninguém fez nada a respeito.
Temos direitos adquiridos sobre um fundo de aposentadoria que sumiu?
Ensina Hegel, em “Filosofia do Direito”, que só temos direitos adquiridos sobre bens, a casa que construímos, a poupança realizada em vida, mas nunca sobre o salário futuro de seres humanos.
Eles não podem ser escravos da velha geração, nem reféns de nossos erros.
Eles também têm direitos adquiridos, direitos naturais e direitos humanos de contribuir para as suas próprias aposentadorias.
Ninguém tem direito adquirido sobre pessoas, isto foi abolido no mundo inteiro, e chamava-se escravidão.
Rui Barbosa já consagrou este preceito no direito brasileiro quando os latifundiários reclamaram indenização de propriedade quando da abolição da escravatura. Queriam ressarcimento do Estado por propriedade expropriada.
Rui Barbosa julgou na época que nenhum latifundiário tinha direitos adquiridos sobre seres humanos, somente sobre bens. Temos meio caminho andado.
Isto não significa em hipótese alguma renegar a velha geração, especialmente as camadas mais humildes.
Mas teremos de trocar Direitos Adquiridos Individuais e Individualistas, por um conceito mais justo de Direitos Adquiridos Sociais.
Resolvida a questão dos direitos adquiridos poderemos então apresentar uma nova ordem social, um novo plano de aposentadoria em bases justas e igualitárias para os que já estão aposentados e vierem a se aposentar, dentro de uma justiça social que não prejudique a nova geração.
A nova geração, estimamos todos com menos de 40 anos, irá abdicar dos seus direitos adquiridos uma vez que fica claro que o sistema quebrou.
Irão optar por receber 60% mais nos seus salários direta e indiretamente, e investir em ativos produtivos fomentando o nosso crescimento em 7% ao ano, permitindo a criação de um imposto para a pobreza para combater a fome, permitindo o Brasil chegar a ser o segundo país no mundo em 30 anos.
Em 10 a 15 anos, investimentos em ações num cenário destes juntaria um pecúlio suficiente.
O Estado continuaria a bancar os excluídos, os indigentes e aqueles que por incompetência ou negligência não têm filhos dispostos a lhe garantir o sustento na velhice.
Trocaremos direitos adquiridos individuais, por direitos adquiridos sociais.