A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Atualmente presenciamos revoluções que tem uma relação direta com filmes, sendo quase que versão do enredo na vida real. Seria isso uma previsão dos acontecimentos pelos autores, uma tentativa de influenciar a população pelos mesmos ou um desejo dos jovens de viver um pouco da glória que a sétima arte propicia? Digamos que uma mistura de todos esses ingredientes.
Não é novidade para nós, navegantes da Internet, que um movimento revolucionário de bases anarquistas anda balançando as estruturas de muitas instituições, no geral, manipuladoras. Esse movimento é chamado Anonymous.
Anonymous é um grupo de hackers internacionais, considerados hackivistas, ou seja, ativistas da Internet. Já ameaçaram derrubar o site de notícias da Fox News e fez ameaças ao cartel de traficantes mexicanos, Zeta. O grupo também denunciou o endereço de IP de 190 internautas acusados pelo crime de pedofilia na web.
A relação, ou até mesmo inspiração desse movimento com o filme V de Vingança (V for Vendetta) é evidente. A máscara usada nos protestos do grupo Anonymous é igual, sem tirar nem por, a máscara usada por “V”, o personagem principal da trama, e as semelhanças não param por ai. Os ideais do filme são basicamente anarquistas, buscam igualdade e justiça numa sociedade que precisa ser reestruturada para que isso aconteça.
V for Vendetta é um filme de suspense lançado em 2006. É uma adaptação da série de quadrinhos de mesmo nome, de Alan Moore e David Lloyd. O filme se passa em um futuro próximo. Natalie Portman estrela como Evey e Hugo Weaving interpreta “V”, um carismático defensor da liberdade que busca uma revolução.
Com roteiro de Andy Wachowski e Larry Wachowski, dirigido por James McTeigue, o filme é de uma qualidade inquestionável e não é de se admirar que tenha inspirado tantos movimentos revolucionários. O filme tem cheiro de chuva, porém deixa um rastro de fogo, de vontade de mudanças, de revolução por onde passa, e faz isso com a magnificência de um rei.
Ao contrário de Hugo Weaving , ator que protagoniza o filme, que é um sujeito tranqüilo, sem ares de estrela, o filme já nasceu com ares de príncipe rebelde. “V” é Hugo Weaving sob a máscara.
Distante de Batmans e X-Mens, o personagem é um terrorista em tempos difíceis. Nada de superpoderes, apenas habilidade, desejo de vingança e astúcia (muita astúcia). Apesar do rigor e da sua frieza de revolucionário, V é um cavalheiro. Ele se ocupa da boa música e dos bons livros, coleciona obras de arte (roubadas do governo), seu discurso é requintado e ele é exímio com as facas; um homem de múltiplas qualidades.V acredita em seus propósitos e os coloca acima de tudo.
A voz de “V” é um dos fatores que mais se destacam no filme, já que Hugo soube dar a entonação perfeita e os roteiristas transformaram cada fala do mascarado em uma poesia de encher os ouvidos e que transborda na mente e coração.
“Eu construí a voz de V pensando que ele é um personagem que gosta de usar as palavras, muito eloqüente e acho que também fala muito rápido. A máscara é fixa, não muda, e o tempo inteiro você olha para ela. Então, imaginei que seria melhor trabalhar com a voz.” Diz Hugo numa entrevista pra o site omelete.
A história se passa em uma Inglaterra do futuro, onde está em vigor um regime totalitário. Evey Hammond é salva de uma situação de vida ou morte por um homem mascarado, conhecido apenas pelo codinome V, que é extremamente carismático e habilidoso na arte do combate e da destruição. Ao convocar seus compatriotas a se rebelar contra a tirania e a opressão do governo inglês, V provoca uma verdadeira revolução.
V de Vingança é praticamente um manual da ação política não convencional, entretanto o núcleo romântico do filme não poderia ter um enredo mais tradicional, romancista, convencional ou puro. No início “V” está totalmente mergulhado nos seus planos de vingança e de revolução, quando Evey aparece em sua vida, e ele se apaixona reciprocamente. Porém, ele já está casado com seus ideais, e ama mais sua vingança (ou revolução) do que Evey (inclusive, no filme, Evey e V fazem constantes referencias ao filme Conde de Monte Cristo, que Evey afirma sofrer do mesmo mal de “V”.) O amor do dois é casto, não tendo mais que um beijo sob a máscara que é antecedido de várias declarações amorosas emocionantes e precedido da morte do protagonista.
O povo é o último elemento da trama e tem papel fundamental na apoteose final. Com toda essa articulação, dá para dizer que o filme é uma tese sobre os elementos essenciais de uma conspiração.
O orçamento de V de Vingança foi de US$ 50 milhões. Inicialmente, seria James Purefoy o intérprete de V, mas ele deixou o projeto ainda antes do início das filmagens. Criado como uma crítica ao ultraconservadorismo do governo de Margareth Thatcher, a graphic novel teve sua adaptação no momento mais oportuno, tendo em vista as atitudes recentes dos governos de Tony Blair e George W. Bush.
Quanto a mascara, que inspira o movimento Anonymous, essa tem sua história particular.
A máscara que é usada por uma personagem de quadrinhos inspirada no revolucionário inglês Guy Fawkes foi popularizada pelo filme V de Vingança tornou-se um símbolo dos protestos contra a ganância corporativa (dos bancos e seus fantoches políticos) realizados em todo o mundo.
De Nova York a Londres, passando por Sydney, Colônia e Budapeste, as manifestações têm em comum, além da temática, o estranho adereço, que inclui um bigode e uma barba pontuda.
Guy Fawkes e outros revolucionários católicos foram condenados à morte após uma tentativa fracassada de explodir as Casas do Parlamento e tomar o poder na Inglaterra, no século 17. O objetivo deles era explodir o parlamento inglês utilizando trinta e seis barris de pólvora estocados sob o prédio durante uma sessão na qual estaria presente o rei e todos os parlamentares. Guy, como especialista em explosivos, seria responsável pela detonação da pólvora.Porém os conspiradores notaram que o ato poderia levar à morte de diversos inocentes e defensores da causa católica, portanto enviaram avisos para que alguns deles mantivessem distância do parlamento no dia do ataque. Para infelicidade dos conspiradores, um dos avisos chegou aos ouvidos do rei, o qual ordenou uma revista no prédio do parlamento. Assim acabaram encontrando Guy Fawkes guardando a pólvora.
O aniversário do golpe fracassado, no dia 5 de novembro de 1605, é comemorado na Inglaterra com festas e fogueiras. Quatro séculos mais tarde, o autor de quadrinhos Alan Moore se inspirou na história do revolucionário Guy Fawkes para criar o personagem V.
Desde então, foram incorporadas pelos manifestantes em protestos anticapitalistas.
“A máscara de Guy Fawkes tornou-se uma marca, um cartaz conveniente para ser usado em protestos contra a tirania”– diz Lloyd – “Fico feliz com seu uso pelas pessoas, parece uma coisa única, um símbolo da cultura popular sendo usado dessa forma”.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/pra_nao_dizer_que_nao_falei_das_flores/2012/03/a-vida-imita-a-arte-v-de-vinganca-e-a-revolucao-na-vida-real.html#ixzz1p2J6Kjhs
Texto escrito por Isabel Nobre em obvious.org