- DISPOSITIVOS MÓVEIS E O FIM DO ESPAÇO PRIVADO – todo mundo fala em smartphones, em todas as mídias. Todo mundo já sabe que o Brasil tem mais celulares que habitantes. Aplicativos como o Instagram, exclusivos para iPhone, não causam mais surpresa quando levam três meses para atingir um milhão de usuários. Nem quando, no melhor estilo exponencial, dobram de tamanho em seis semanas. Sem baleiar. Isso não é mais tendência, é realidade. Onde está a novidade?
Uns podem dizer que os celulares são os novos PCs, mas isso também já era previsível. Alguns movimentos da indústria chegam até a parecer um revival do século passado. Conglomerados que pareciam invencíveis começam a ruir e fazem as alianças mais espúrias, deixando o mercado pra lá de confuso e dando esperanças para os caras errados. Outras empresas que (ainda) são vistos como sinônimos da categoria começam a se fazer de vítima e botar a culpa na concorrência. Daí desmentem tudo e dizem que não passou de um grande mal-entendido, no melhor estilo ”não é nada do que você está pensando, meu bem”. Com isso se deixa uma enorme confusão e insegurança no mercado, como se não soubessem que essa atitude defensiva não leva a lugar algum. Pelo menos a nenhum lugar bacana.
Não adianta: o comportamento de empresas é, em muitos aspectos, parecido com o das pessoas que as compõem. Se você é grande o suficiente, pode passar um tempo enorme fazendo de conta que seus produtos são ótimos e que os problemas técnicos são longos, foram previstos e vão demorar um bom tempo para serem resolvidos. Como aqueles gerentes de nível médio ou burocratas de autarquias, podem se esconder por trás dos processos e burocracias e dizer que “estão fazendo o possível” enquanto jogam mais uma rodada de paciência.
O resto do mundo vai agüentando essa bobagem toda até que, quando ninguém mais prestava atenção e todos já tinham se conformado, uma nova idéia surge do nada e resolve o problema. Foi assim quando a Nokia pulverizou a Motorola e seu estilão “fabricante de rádios bonitinhos” americanos. Hoje é a Apple que desintegra A Nokia – e com ela o modo de pensar Europeu. 1×1. E pensar que, como sempre, as maiores novidades estavam no Japão, mas nunca saíram de lá. A Sony comprou a Ericsson, mas ficou por isso mesmo. Enquanto isso, a divisão de iPads já é um negócio maior do que a de MacBooks. Não vai demorar para ser maior do que qualquer Mac. Mas como todas as outras empresas, se a Maçã de Silicone bobear vai despencar. Tudo que é sólido desmancha no ar, sempre.
Mas tudo isso é movimento de empresas no mercado de tecnologias de consumo pessoal, briga de cachorro grande.
No que nos afeta diretamente, a grande mudança proporcionada pela mobilidade é o desaparecimento da fronteira entre os territórios de “casa” e “rua”. Graças ao aumento das conexões, hoje quem está conectado em casa passou a estar, ao mesmo tempo, na rua. E vice-versa. Onde quer que se esteja, os amigos sempre estão por perto. Muitas vezes, perto demais. E nem são tão amigos assim. Quando coletei a imagem do Instagram, ele ainda era um serviço novo. Hoje se tornou um ecossistema. Não cabe mais aqui, vai virar um post à parte.
Alguns serviços, como o FastSociety e o GroupMe, já estão se virando para aproveitar ao máximo essa tendência e tentar conectar as pessoas enquanto estão nas ruas, criar chamadas coletivas, localizar os amigos e fazer festas no melhor estilo FlashMob, só que sem a trabalheira. Pode ser que funcione, não se sabe. Uma coisa é certa: a presença virtual geolocalizada é cada vez mais real.
O celular, em especial o smartphone, é hoje um aparelho de identidade, contato e inclusão digital. Somado a serviços de geolocalização, vai expandir seu potencial para mercados nunca dantes imaginados. Some-se a isso um serviço de recomendação e curadoria local e o que se tem são camadas sobre camadas sobre camadas de informação. Nada será como antes. E isso, pode ter certeza, será assunto para os próximos anos.
PROGNÓSTICO: aplicativos móveis estão borrando a fronteira entre o espaço público (“rua”) e o privado (“casa”). Como eles tendem a se tornarem cada vez mais populares, essa distinção deverá se redefinir.
(mas essa capinha é uma gracinha, não?)
- HARDWARE – não sei se você reparou, mas ninguém mais fala em websites. Até parece que eles são coisa do passado, anacrônica, ultrapassada. O ritmo das novidades é crescente, a ponto de muitas coisas que monopolizaram a atenção da mídia há alguns meses deixarem de ser notícia em um estalo de dedos. Não é exagero: no fim do ano passado o mercado editorial parecia ter renascido através dos e-books, que muita gente acreditava serem os novos blogs ou websites, em sua capacidade de popularização da expressão e democratização da mídia editorial. O tempo passou e nem mesmo uma jovem autora se torna milionária via Amazon fez com que as notícias do segmento voltassem a esquentar.
Até mesmo aqueles que seu avô chamava de programas, seus tios de softwares (o que é completamente errado, já que software é coletivo e não admite plural) e hoje todo mundo chama de aplicativos – apps para os íntimos – já não causam tanto furor. O intangível tem essa mania de passar despercebido. Já os aparelhinhos continuam a chamar a atenção. Se o excesso de bugigangas digitais sobrecarrega a capacidade de processamento do seu smartphone e deixa seu computador meio capenga, prepare-se para lotar a sua mesa de brinquedinhos digitais que, coloridos, simpáticos e choramingões feito crianças, vão começar a disputar seus espaços físicos. Não é preciso um grande trabalho de investigação para se ver que a “estética web 2.0” dos sites e aplicativos vai logo migrar para os equipamentos.
Lomo me lembra, sob alguns aspectos, o movimento Punk: começou como uma resistência ao mundo excessivamente “limpinho” da foto digital (era uma das tendências de design “reciclado” de que eu tinha falado aqui) só para depois ser cooptado pelo ambiente digital e transportar seus efeitos para lá. É curioso: um aparelho novíssimo imitando os defeitos dos aparelhos antigos, que agora são efeitos. E ainda tem gente que acha que não dá trabalho acompanhar as mudanças de comportamento.
A explosão da fotografia digital-com-cara-de-analógica é só um aspecto dessa busca por objetos tangíveis. Hardware está com tudo, e permeia todas as áreas. Com ele vem a necessidade natural de cutucá-lo, abri-lo e usá-lo para algo que não foi projetado, como bem se pode ver no exemplo abaixo do cara que, mesmo parecendo personagem de LOST, não deve ter namorada:
O Kinect é um fenômeno. Ele mostra duas características bem evidentes da Microsoft: que ela sempre chega atrasada na corrida pela inovação, mas que acerta a mão em games. O Xbox chegou bem depois do PlayStation, não foi levado a sério a princípio e acabou sendo assimilado como uma alternativa muito boa. O Kinect chega bem depois do Wii e faz mais ou menos a mesma coisa. Pena que eles não conseguem acertar a mão em qualquer outra área. Eles entraram atrasados na corrida do browser com um dos aplicativos mais sem-vergonha da história e repetiram a dose em um plug-inzinho merreca pra substituir o Flash. Do sistema operacional deles é melhor nem falar. Dizem que a versão mobile que virá com os Nokias novos é bacana. Sabe-se lá.
Seja qual for o aparelho, a disputa entre sistemas fechados (porém um pouco mais seguros) e abertos (porém sujeitos a ataques variados) mal começou. O que ela traz de bom para todos é a maior variedade de opções. O mundo, afinal, está longe de ser uniforme. Ou mesmo de dar usos uniformes para ferramentas diferentes.
É aí que entra o iPad e, acredito, é esse o motivo por que ele faz tanto sucesso. Não sou fanboy da Apple, mas sou usuário deles há bastante tempo para perceber que eles tendem a acertar mais do que errar. Parte disso vem de sua política de não “seguir as linhas de produto do mercado” nem a de “tentar melhorar algo que já exista” – quando eles fazem isso, aliás, acabam errando a mão. O iPad não é um tablet, nem um e-Book reader. O iPhone não é um telefone. O iPod não é um MP3 player. Todos eles são coisas diferentes, produtos novos que usaram a definição e terminologia que já vinha sendo usada por uma mistura de comodidade com camuflagem. Foi isso que a Nokia e a Sony não pareceram ter entendido. O iPhone não é um telefone melhor do que um N95 ou um Blackberry. É um aparelho diferente, que também telefona. Posso melhorar uma prancha de surfe até um limite, mas ela nunca será windsurf. Nem kitesurf. São categorias diferentes.
No lançamento do iPad2, a Apple mostrou um placar estonteante: 65.000 aplicativos para iPad vs. 100 para Honeycomb. Tem sempre um reaça a reclamar que a Apple ‘humilha” seus concorrentes, mas o mercado é uma concorrência feroz, em que só os mais fortes sobrevivem. Acredito que a Apple está com uma oportunidade única, pois as pessoas querem variedade mas ainda não perceberam como ela é possível. Os aplicativos são muitos, os serviços também. Não vai demorar para que o hardware comece a florescer e frutificar.
No fundo, o que eu mais gosto da Apple é que ela não finge ser ONG. É uma empresa, tem suas regras, visa o lucro e procura entregar o melhor produto possível pelo preço mais baixo. Não gostou? Pois não use, ué.
Mas o meu predileto nessa corrida pela inovação não vem dos EUA nem da China, mas do mundo inteiro, a partir de uma idéia surgida na Itália: a de hardware open source. Arduino ainda é a plataforma mais utilizada, a ponto de quase virar sinônimo da categoria. Em minha visita à Campus Party, fui atrás de novidades nesta área. Nem preciso contar minha decepção ao não ver quase nada. O conceito ainda é muito nerd, mas espere só algum dos grandes fabricantes começar a aplicar a sério a idéia. A Asus (gosto desses caras) fez um experimento com o WePC, que não sei se deu certo. Mas era só o começo. Acredito que logo começaremos a ver produtos mais espertos, como este aqui:
Enfim, ainda vem muita coisa por aí. Se você conhece alguém do tipo que não entende o que tanto as pessoas fazem com seus telefones, fará uma boa ação ao prepará-lo para um mundo bem mais incompreensível. É por isso que não gosto de ficção científica: ela costuma ser muito humilde, os caras têm a mania de projetar o futuro em linha reta, como se em 2050 ainda usássemos próteses para nos comunicar com objetos.
PROGNÓSTICO: vem aí mais variedade em equipamentos, nem que venha da China. Daqui a pouco categorias de hardware não farão sentido.
- NUVEM e STREAMING – acredito que uma tecnologia só é verdadeiramente assimilada quando deixa de ser “tendência” e se torna a base estrutural inquestionável dos novos produtos. Foi assim com a Energia elétrica, foi assim com a Internet. Agora é a tal da computação em nuvem que desapareceu do horizonte: ela é tão usada e tão necessária que falar nela se tornou uma coisa banal. O conceito veio para ficar, por mais que seus termos técnicos soem ridículos na voz do tiozinho aí embaixo:
Um dos fatores mais importantes para a popularização dos serviços de armazenamento e processamento remoto e streaming foi o aumento das plataformas móveis (o que, como se pode ver nos dois tópicos anteriores, só tende a crescer). A computação remota é um exemplo típico de inovação que se propaga por fazer sentido. Do mesmo jeito que a telefonia móvel libera seus interlocutores de esperar por uma ligação, a nuvem libera os conteúdos de discos rígidos. Isso normalmente significa maior centralização, rapidez, segurança e eficiência – sem contar que aquela praga de cópias e versões que costuma se multiplicar em HDs variados tende a diminuir.
Pra não falar mais do mesmo e me perguntar como vivia antes dos Google Docs ou mesmo de serviços muito bacanas como o ZoHo – o que tornaria este post interminável – prefiro focar em dois exemplos bem significativos do que pode ser essa revolução em serviços de streaming e compartilhamento: o Dropbox, que é simples, prático, rápido, intuitivo e multiplataforma como todo disco virtual deveria ser. Muitas vezes o melhor não é o primeiro, mas aquele que deixa de fora tudo o que for desnecessário. Em design de interação, isso se chama evitar o feature creep, e é bastante visível em aparelhos como um telefone ou forno de microondas: quanto mais botões e legendas ele tiver, pior costuma ser.
O outro serviço responsável por uma revolução silenciosa é o Netflix, que não é disponível aqui no Brasil (como o TiVo – me pergunto se um dia nos livraremos desses oligopólios), e que disponibiliza aquilo que todo mundo busca de uma forma ou outra: o conteúdo online na TV. Sem pirataria, sem armazenamento, sem espera: streaming puro e simples para substituir a TV de massa por uma mídia em demanda. As estatísticas do serviço mostram aquilo que todo mundo já sabe: o conteúdo é rei. Coloque filmes de qualidade na TV e ela recupera sua popularidade. Quanto tempo será que vão esperar para fazer isso? Até que a reputação da telinha ter caído abaixo de qualquer possível recuperação? É uma pena, considerando a abrangência que ela tem.
O aumento da quantidade de serviços na nuvem é, em linhas gerais, uma boa notícia. Ela elimina uma boa parte da redundância de equipamentos e processos, além de aumentar a eficiência e a comodidade dos serviços. Só é preciso chamar a atenção para um ponto que os economistas chamam de externalidade e que a sabedoria popular chama de “o que os olhos não vêem o coração não sente”: o que não se vê não deixa de existir. Algo armazenado “na nuvem” está armazenado em algum computador e gasta energia tanto em seu armazenamento como em sua transmissão. Uma simples busca no Google gera pelo menos 7g de CO2, o que não é pouco se levarmos em consideração a quantidade de pesquisas feitas por dia.
Por mais lindos que sejam os comerciais de carros elétricos, eles parecem se esquecer de dizer que a eletricidade terceiriza a poluição por você. Ela deixa de ser feita pelo seu carro para ser feita pelas empresas de energia elétrica. No hemisfério norte a relação é direta, e vai aumentar o consumo de carvão. Por aqui isso significa em mais desastres feito Belo Monte. Será que a busca por videocassetadas ou pelo mais novo hit do Justin Bieber vale tanto?
PROGNÓSTICO: o armazenamento em seu computador ou dispositivo móvel tenderá a se tornar cada vez menos relevante. Ele será uma espécie de armazenamento temporário enquanto o aparelho não se sincroniza com a rede-mãe.
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