Claudia Melo é Doutora em Ciências da Computação pela USP e Chefe de Tecnologia da ThoughtWorks da América Latina, empresa de desenvolvimento de software. Ela também é pesquisadora de inovação de software e empreendedorismo. Claudia conversou conosco por e-mail sobre sua trajetória no ramo da tecnologia e contou um pouco da sua história.
Desde pequena você já demonstrava interesse por tecnologia? Quando você decidiu que trabalharia com isso no futuro?
Sempre tive grande facilidade com exatas, apesar de gostar de praticamente todas as áreas de conhecimento que estudava. Meu pai trabalhou na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e contava muitas histórias sobre computação e pesquisa.
Depois, quando diretor no INMET, meu pai passou a ter contato ainda mais forte com mainframes e sistemas avançados de processamento de dados. A partir daí já sabíamos que Computação era uma profissão do futuro e que poderia ser uma opção para os amantes de exatas.
Foi nesse tempo que fiz um curso de Cobol (entre outras linguagens). Eu tinha 8 anos, mas isso não conta 🙂 Na verdade, talvez tenha tido um papel de mostrar que Computação não é um bicho de sete cabeças.
Aos 16, quando ingressei na Universidade, não tive dúvidas quanto às ciências exatas, o difícil foi escolher entre Engenharias, Física ou a tão nova Computação. Mas foi ela que escolhi e nela estou nos últimos 20 anos.
Você sofreu alguma espécie de pressão social ao escolher sua carreira? Dos seus pais, dos seus amigos? Alguma pessoa próxima estranhou a sua escolha por se tratar de um mercado tido como masculino?
Nenhuma pressão social. Sempre fui incentivada a usar meus dons e a ser independente. Na época, a Computação não parecia ser tão estigmatizada como profissão masculina também. Minha turma, em Universidade Federal, tinha 15 mulheres e 15 homens. Também não recebi nenhuma influência negativa na possibilidade de escolher Engenharia (Elétrica ou Mecatrônica). Se alguém estranhou, sinceramente, nem percebi 🙂
Você fez uma faculdade relacionada com tecnologia? Como era a questão de você ser mulher durante o curso? Tinha outras mulheres, como era o tratamento dado a você? Era diferenciado de alguma forma, positiva ou negativa?
Fiz graduação, mestrado e doutorado em Ciência da Computação. Como mencionei, 50% da turma era feminina na graduação.
Os preconceitos parecem surgir à medida que a profissão torna-se economicamente importante. Eu me formei no meio da bolha da Internet. Havia uma demanda exponencial por projetos em tecnologia, incentivando a criação de postos de trabalho e, posteriormente, a competição. Aí sim os estereótipos começaram a aparecer. Ou a ficar mais visíveis.
Para você, o preconceito contra mulheres no mercado de tecnologia é uma realidade? Está melhorando? Você já sofreu preconceito no exercício do seu trabalho?
O preconceito é uma realidade em toda a sociedade, até nos países mais desenvolvidos. A exemplo da Noruega, onde morei, diversas medidas e políticas públicas precisaram ser criadas para que hoje o país seja a referência de equidade de gênero global. O Brasil — e os brasileiros — ainda precisam aprender muito para chegar lá.
O preconceito só melhora através da educação e melhor distribuição de renda. Se a pessoa está em uma comunidade onde isso é presente, sua chance de sofrer preconceitos reduz drasticamente. E a educação que menciono é a de valores, não a educação formal de títulos. Essa, por incrível que pareça, não parece fazer muita diferença quando se trata de noções de justiça e igualdade.
Você poderia citar práticas preconceituosas que você acredita que sejam constantes no mercado de tecnologia? Na sua opinião, como essa questão poderia ser trabalhada? Como as empresas e funcionários poderiam contribuir para que isso acabe?
Existem as máximas de sempre: “mulheres não gostam de programar”; campanhas para trazer mulheres para computação, onde o produto do trabalho é usar uma impressora 3D para imprimir uma tiara rosa; “mulheres em TI só atuam em gestão ou vendas” etc.
Existe também um viés cognitivo enorme, já demonstrado cientificamente, no julgamento de mulheres e homens em profissões masculinas. Esse é o caso clássico de escritoras que adotam pseudônimos masculinos e fazem extremo sucesso ou no caso do experimento onde um currículo feminino só tem igual chance de ser analisado por uma empresa caso os nomes/gêneros dos candidatos sejam omitidos. Existem muitos casos. Da objetificação da mulher em eventos até a demora de receber promoção em uma empresa.
As ações para melhoria são múltiplas. Governos devem investir em educação e promover políticas públicas para garantir a equidade. Empresas devem investir também em educação, em como tornar seus processos de seleção, contratação, desenvolvimento e retenção de profissionais mais justo e equalitário. Indivíduos, famílias, comunidades devem também priorizar essa jornada de aprendizado e apoiar a causa.
A ThoughtWorks Brasil, onde trabalho, é um exemplo de organização que atua com extremo compromisso nessa causa. Temos o grupo Gender Justice (Justiça de Gênero), que busca da justiça entre os gêneros, promovendo a remoção de barreiras de estereótipos inadequados e o empoderamento das mulheres. Atuamos dentro da empresa e também com a comunidade (brasileira e global).
Dois eventos que co-organizamos (super recentes) que promovem a maior participação feminina em tecnologia e a igualdade são o Ignite International Girls Hackathon – Brazil e o One Billion Rising. A liderança da empresa no Brasil tem 50% de mulheres e também temos várias práticas e investimentos para garantir que estamos indo no caminho certo: o da equidade.
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