Eu sou o tipo de pessoa que assistiu “O Sexto Sentido”, “Clube da Luta” e muitos outros filmes mesmo já sabendo o grande enigma do fim. Na verdade, sou tão curiosa que até agradeço quando me contam algo ou descubro os spoilers. Isso nunca mudou muito a minha experiência de espectadora ou, até mesmo, de leitora – quem já não pulou algumas páginas porque queria saber o que ia acontecer no próximo capítulo do livro?
Acontece que, algumas semanas atrás, eu realmente fiquei triste por descobrir algo muito importante do meu seriado favorito antes de assistir. Há 8 temporadas espero para conhecer quem é a mulher e mãe dos filhos de Ted Mosby em “How I Met Your Mother”. Isso finalmente aconteceu, mas foi através de uma foto da cena no Instagram de algum espertinho.
Quem ainda não assistiu aquele tal episódio bombástico, acaba invariavelmente enfrentando o fogo cruzado da internet
Enquanto demorei algumas horas há mais que todo mundo para assistir o episódio, não imaginei que alguém publicaria uma foto dessas. Nem me lembrei, também, que existe uma regra comum de que se você não quer saber algum spoiler deve ficar longe da internet. Além disso, nunca me preocupei com os spoilers, e confesso que já estraguei a expectativa de muitas pessoas. Seja intencionalmente ou sem querer.
Essa surpresa e o gosto amargo de perder a revelação de um grande mistério pela primeira vez me fez pensar nesse momento da cultura do spoiler que estamos vivendo, recentemente levantado pela Wired. De repente, qualquer comentário pode virar um spoiler e não existe fórmula pra fugir deles, a não ser que você queira passar um bom tempo totalmente desconectado.
Você vai notar isso muito bem nessa semana. Com o penúltimo episódio da terceira temporada de “Game of Thrones” – “The Rains of Castamere” – exibido ontem, 2 de junho, as redes sociais entraram em erupção. Quem assiste está louco para comentar/entregar os acontecimentos, ou, entregando de fato. Os desavisados que ainda vão assistir o S03E09 amanheceram no meio do fogo cruzado.
Mas o que realmente é um spoiler?
Spoiler é a descoberta de um grande mistério, situações que acontecem no desfecho da trama ou a morte de algum personagem antes que você tenha chance de assistir ou ler a história em questão. Mas nem todo mundo pensa assim.
A internet é escura e cheia de spoilers
“Acho que na real existe uma histeria. Tudo é spoiler, inclusive o que não é. Tem gente que não quer nem saber se o casal deu um beijo ou não em determinado episódio ou qual música o pessoal do ‘Glee’ vai fazer versão. É demais! Existe muito “mimimi”, diz Ana Emilio, do site Box de Séries, que completa: “no Box, a gente considera spoiler tudo que aconteceu nos últimos episódios, e sempre tenta colocar avisos e evitar fotos que entreguem surpresas direto na home, mas nem assim conseguimos fugir dos chatos que reclamam de tudo.”
As pessoas começaram a levar muito a sério essa história de spoiler e agora fazem disso uma batalha campal sem necessidade. É óbvio que é chato ficar sabendo do que não se quer, mas também não tem como fugir de descobrir algo se você está na internet, navegando em sites especializados no assunto ou em alguma rede social na hora em que determinado episódio está sendo exibido na TV.
Reclamar é inútil, afinal, a maneira de consumir entretenimento não é mais a mesma faz tempo. Hoje em dia é cada vez mais normal as pessoas postarem comentários ao mesmo tempo em que estão acompanhando a televisão, a tão discutida segunda tela, e muitas vezes preferem assistir seu filme ou série favorita no próprio computador ou tablet. Dessa maneira, é certo dizer que o spoiler faz parte do cotidiano desse consumidor.
Tirando o fato de alguns espertinhos, como o meu caso da foto do Instagram, a maioria dos sites, fóruns e blogs trazem avisos de que talvez em determinado post tenha alguma informação que você não deveria saber se ainda não viu o que deveria ver – o que eu nunca respeitei e sempre li para matar a curiosidade. O que deve imperar é o bom senso do próprio espectador na escolha do que vai ler, e de quem já assistiu em não estragar a diversão dos amigos.
Caio Fochetto, também do Box de Séries, lembra que nem só de texto vivem os spoilers. “Uma história interessante de spoilers é a capa da última temporada de ‘Six Feet Under’. Tem um spoiler violento nela e qualquer fã percebe! Sacanagem da Warner não ter prestado atenção nisso. A capa mostra todos os personagens num velório, exceto um. Ou seja …”
Claro que a grande “culpada” por essa cultura do spoiler e criação de especialistas em mancadas históricas é a internet. Facebook, Twitter, fóruns, comentários, blogs e sites com conteúdo revelador conquistaram de vez o território e ficou praticamente impossível fugir de algum texto malicioso.
“Lembro que alguém me mandou um reply no Twitter perguntando o que eu tinha achado da morte de um grande personagem de ‘The Walking Dead’. Só que eu não tinha visto! Por isso, fico bem longe das redes sociais quando passa um episódio das minhas séries favoritas (‘True Blood’, ‘Game of Thrones’, etc). Por sorte elas são exibidas domingo a noite e consigo assistir no máximo em 24h. Pouco tempo sem checar meus perfis.”, diz Caio
Antes da era dos spoilers, os mais curiosos só podiam contar com os resumos publicados de antemão em jornais e revistas
Pensando nisso, fansites de “Game of Thrones”, como o Tower of the Hand, desenvolveram um sistema que tenta fugir disso e impede os spoilers. Os leitores podem selecionar no site até onde chegaram na série (ou livro) e o site vai esconder automaticamente as informações vitais até o ponto em que o espectador/leitor parou. Já o Winter Is Coming trata tudo o que não foi ao ar como um spoiler em potencial, portanto se você leu os livros que ainda não foram para a televisão não pode comentar nada. Essas são até que boas ideias, mas vale para todos os seriados? E pior, vale para os que querem deliberadamente entregar o jogo?
No caso de “Game of Thrones”, os livros já são um “spoiler” a parte para quem acompanha apenas pela TV. Mas se engana quem acha que não vai ter nenhuma surpresa quando assistir mesmo tendo lido antes. Além de ser paticamente impossível filmar cada detalhe das obas de George R. R. Martin, muito do que se vê é a interpretação do roteirista e diretor e eles podem sempre acrescentar algo que você não esperava para criar uma reviravolta.
“Às vezes é até bacana saber o que acontece nos livros, pois não há garantia que este seja o rumo da história na TV. Por exemplo, nos livros que originaram ‘True Blood’ há um personagem que é o Elvis Presley – ele não morreu, virou vampiro. Na série isso não existe e não há possibilidade de acontecer, segundo os produtores da série”, conta Caio.
Provavelmente se a novela “Vale Tudo” fosse inédita no tempos de hoje ela seria tão vítima de spoilers quanto qualquer seriado, e muitas pessoas revelariam quem matou Odete Roitman antes da hora. Ainda mais se ela fosse filmada em outro país e o meio tempo de espera para chegar até os canais brasileiros não segurasse grandes segredos.
Naquela época, os mais curiosos só podiam contar com os resumos publicados de antemão em jornais e revistas. Textos, claro, enviados pela própria emissora, e portanto sem grandes revelações. Nem jornalistas conseguiam acesso ao roteiro, e os espectadores tinham hora marcada com a televisão para saber o que aconteceria. Em se tratando de segredos do entretenimento, era um mundo democrático. Os finais de “Seinfeld” e “A Próxima Vítima”, por exemplo, foram filmados horas antes de irem ao ar. Uma tática para evitar qualquer vazamento de informação, num tempo que não existia downloads e conteúdo sob demanda.
Só sei que minha primeira experiência de spoiler desnecessário me marcou. Tudo bem que foi um contratempo, mas para quem vivia na LOSTpedia e nos fóruns internacionais para saber tudo sobre “Lost” e “Harry Potter” antes de conseguir assistir ou ler os livros, eu não posso reclamar muito de saber um segredinho. Isso vale para muitas pessoas também. Não se chateie e perca o tempo criticando alguma revelação antes da hora, simplesmente evite os comentários na internet o máximo que puder. Dessa forma, a vida dos estraga prazeres será bem mais complicada (e sem graça).
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Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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