No último feriadão nos Estados Unidos, mais de 3.6 milhões de pessoas assistiram ao documentário “Mermaids: The New Evidence”, no Animal Planet. O programa mostrava nova evidência sobre a existência de, bem, Sereias!
Quando muita gente se tocou na natureza fictícia da descoberta, um surto de ódio contra o canal começou na internet. Gente reclamando de ter sido enganada, ludibriada e que perdeu seu tempo assistindo ao mocumentário (documentário de mentira) começou a atacar o canal. Perante a situação, claro, a imprensa aproveitou o ensejo para “desmascarar” o programa, exibir inúmeros tweets e posts do Facebook, e uma declaração do NOAA (Departamento de Pesquisa Oceanógrafa) sobre a inexistência de conexão entre a entidade e o conteúdo. Pronto: criou-se uma polêmica sobre SEREIAS!
Pensando de forma analítica, se uma entidade governamental, ou turistas malucos, tivessem encontrado evidência sobre a existência de Sereias, a notícia teria explodido no YouTube e na grande imprensa muito antes de um documentário no Animal Planet, certo? Entretanto, a falta de perspectiva é a maior responsável por essa polêmica. Essa NÃO foi a primeira vez que o assunto foi apresentado dessa forma.
Em 2012, o canal exibiu o mocumentário “Mermaids: The Body Found”, que segue os mesmos moldes, feito pela mesma equipe e estrelado pelos mesmos “cientistas”. Assisti a esse programa na estreia e, por conta da ótima edição e direção, acreditei ser algo verídico até o primeiro efeito especial meio tosco aparecer. Comecei a rir. Ponto para eles. A partir daí ficou divertido e curti a ideia. Mas não parava de pensar em “The Last Broadcast”, o mocumentário que transformou “A Bruxa de Blair” em fenômeno. Foi até exibido na GNT, no Brasil, como algo sério.
Foi uma bela mistura de ficcional, mitológico e narrativa moderna
O entretenimento tem a obrigação de encontrar novos formatos e, sinceramente, essa dobradinha sobre as sereias é uma ideia interessante. Entretanto fico perplexo ao notar que a continuação de um mocumentário tenha gerado tanta algazarra online. Sem vincular o programa ao antecessor, o canal deu a impressão geral de que o “truque” é novo. Bem, não é. E, pelo aspecto das mídias sociais, o marketing do canal acertou em cheio, pois atraiu atenção de público e imprensa, tem gerado bastante conversa entre amigos e nos talk shows das rádios, e vai garantir uma sobrevida interessante às reprises.
Vale ressaltar a qualidade dos programas. Lembro de uma entrevista com um dos criadores dos efeitos especiais de “Tron”, há pelo menos uns 14 anos, quando ele disse que o futuro dos efeitos especiais era desaparecer; chegaríamos ao ápice da arte quando recriarmos qualquer coisa e enganarmos todo mundo. Bem, se ainda não estamos lá, falta muito pouco. Os dois “Mermaids” não são exímios nos efeitos na hora da revelação, mas a mistura com a câmera amadora, a tela chuviscada e os movimentos bruscos, conferem aos programas um quê de realidade. Acima de tudo, o espectador é convencido pela narrativa, pelas entrevistas, pelas projeções científicas da evolução das sereias.
Aliado a isso está o desejo da descoberta. Não é todo dia que um ser mítico ganha vida e, pasmem, pode estar nadando em nossos mares nesse exato instante. Foi uma bela mistura de ficcional, mitológico e narrativa moderna.
O entretenimento tem a obrigação de encontrar novos formatos e esse foi um truque interessante
Para variar, a “galerinha online” se sentiu ofendida. Bem, novidade, não é? O volume de e-mails, tweets e posts de cheios de ódio foi gigantesca. Até a CNN resolveu fazer uma matéria revelando a verdade sobre tudo, dizendo que os cientistas eram atores, que havia uma linha nos créditos finais dizendo “alguns fatos são baseados em ficção” e dando voz aos reclamões online.
A frase não é minha, mas tomo posse: a internet deu voz a muita gente que, infelizmente, não merece ter uma. Tudo é oito ou oitenta, todo mundo se sente no direito de ficar ofendido e quem sofre são as timelines alheias. Ficar bravo com o Animal Planet deve estar em 5446° lugar na minha escala de prioridades na vida. Isso deve ser excesso de vontade de querer que as sereias existam… e o Papai-Noel… e a Fada do Dente… e o Capitão América.
Como vivo no mundo do cinema, onde ser enganado (no bom sentido) o tempo todo faz parte do jogo, só posso tirar o chapéu. Acreditei por um tempo e eles merecem tanto o respeito quanto o sucesso.
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Fábio M. Barreto é jornalista, cineasta e autor da ficção científica “Filhos do Fim do Mundo”.
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Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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