Desculpe o transtorno na cobertura especial sobre Cannes. É por um bom motivo: estamos querendo mudar o país. 🙂 Aqui está o post prometido durante o nosso Braincast especial sobre as manifestações que tomaram o Brasil nas últimas semanas.
O termo “sofativismo” é, por si só, bastante pejorativo: fala sobre um tipo de ativista que não sai do sofá e, por isso, permanece alheio à sua própria causa. Mas este post tentará fazer alguma justiça ao ativismo pela Internet.
Estava lendo uma entrevista feita há alguns meses com o professor Pierre Lévy (sim, você leu textos dele na faculdade, mas ele continua bem vivo e bastante ativo no Twitter), justamente defendendo o sofativismo. Ele apresentou há alguns anos o conceito de ciberdemocracia, em que as ferramentas digitais possibilitarão aos cidadãos um maior conhecimento sobre o país, Estado, município e comunidade onde vivem e exigirão das esferas de governo transparência nas contas e nas relações políticas. Mas sabe que o caminho para chegar lá demanda outras revoluções.
E não é o que estamos assistindo desde o ano passado no mundo inteiro? O que foi a Primavera Árabe se não um grande levante popular contra os governos de diversos países por maior liberdade de expressão, troca de conhecimento e transparência?
E os levantes europeus contra as soluções empacotadas para a crise econômica do bloco – grandes empréstimos aos bancos e apertos nos gastos públicos, que incluem uma série de benefícios para a população? De alguma maneira não pediam um diálogo maior com os anseios da população por soluções menos prováveis, como a da Islândia – que prendeu ex-governantes e banqueiros e construiu uma nova constituição de maneira colaborativa e online?
Finalmente falando de Brasil, o que estamos vivendo nos últimos dias, ainda que com um estopim pequeno como o aumento do transporte público nas principais cidades, mas com claros sinais de que as esferas governamentais não representam seu povo?
Para Lévy, o sofativismo é uma forma alternativa para o cidadão fazer o mesmo que o ativista tradicional, mas dispondo de ferramentas digitais. Na prática, o sofativismo ajuda a manter as pessoas informadas sobre os diferentes pontos de vista e, assim, a definirem posições sobre temas importantes.
Muitos focam-se nas imagens da repressão policial durante o Quarto Ato contra o Aumento das Passagens, mas se esquecem que uma semana antes, durante o Primeiro Ato, o Movimento pelo Passe Livre levou às ruas menos de 1000 pessoas. Ou seja: antes mesmo das cenas de violência policial desnecessária, até os telespectadores do programa do Datena já eram favoráveis aos manifestantes, com ou sem baderna, e não foi a TV que formou esta opinião.
E o que vem agora que levamos centenas de milhares de pessoas para as ruas? Agora é que o sofativismo deve manter todos em alerta.
A Internet deve continuar quente, sim. Deve ser o palco do aprofundamento de discussões importantes. É ali que iremos entender melhor que “Fora Dilma, Alckmin e Haddad” ou “Chega de corrupção desses canalhas do Congresso” servem como gritos na rua, mas não como bandeira do movimento. Se fosse assim, o Movimento Cansei teria tido algum êxito. A passeata contra o Mensalão, também. Longe de defender que o fim da mobilização deve acontecer quando o governo baixar as tarifas de ônibus, mas discutir transporte público nas principais capitais do país já é um imenso desafio!
Não é depois de ter mobilizado todas as pessoas conectadas e de levar uma boa parte delas às ruas sem a ajuda dos principais veículos do país que agora devemos seguir uma cartilha de manifestação dos jornais, só porque eles mudaram de idéia (#TEAMManifestantes?).
É muito fácil para alguém que viu tudo de fora até ontem mencionar o que está faltando para o protesto enfim se tornar “legítimo”. Se bem que, num momento em que a opinião pública é favorável, todo mundo vai dizer que já apoiava as manifestações desde sempre. Ainda bem que inventaram o permalink.
Se você achar que anda lendo opiniões estranhas demais, meu caro amigo, não desanime. Use a mesma Internet para compartilhar os seus pensamentos e convencer amigos de que algo está acontecendo. Não deixe a discussão cair em velhos antipetismos ou antitucanismos, porque até vinte míseros centavos valem mais do que isso.
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Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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