Embora a atuação seja algo feito por muita gente, ainda é possível se destacar dentro e fora das telas. Gerard Butler é um sujeito peculiar numa indústria tão calcada na superexposição.
Depois do sucesso de “300”, Butler mudou-se para as belíssimas montanhas de Malibu, onde, ao mesmo tempo, “vive num ambiente muito parecido com a Escócia [terra natal], ao lado da praia e a menos de 1 hora de qualquer reunião de trabalho em Los Angeles” e começou a trabalhar pesado como produtor.
O dono do sotaque mais simpático e divertido do cinema recebeu a reportagem do B9 para uma entrevista exclusiva sobre o trabalho mais recente, “Como Treinar Seu Dragão 2”, no qual repete a voz do viking Stoic em mais um grande momento da DreamWorks.
Confira o bate-papo:
B9: “300” ainda reflete na sua vida?
Gerard Butler: Com certeza, embora eu não esteja no segundo filme.
B9: Você estava no trailer!
GB: Ah é, mas já estou morto em cena, então não vale! (risos)
B9: É possível manter a sanidade no meio dessa indústria maluca?
O telefone toca. Ele continua, enquanto responde por mensagem e silencia o aparelho.
GB: Salvo pelo gongo! (risos) É minha mãe! Sabe, descobri que gastei muito tempo tentando encontrar uma brecha na loucura para curtir a vida, mas fazia mais sentido curtir a vida perto da loucura e estar constantemente imerso nas duas coisas. Desde o começo da minha carreira, sempre passei tempo demais em Hollywood e precisei adaptar meu ritmo e decidir onde focar as energias.
Entretanto, mudar para Malibu e tirar um tempo para visitar alguns lugares absolutamente maravilhosos e fantásticos me fez entender o valor disso tudo, dessa conexão com o lugar onde se vive e onde a criatividade acontece. Coisas maravilhosas se manifestaram nesse período.
A maior delas, claro, foi encontrar uma solução que me deixasse ao mesmo tempo perto e longe da maluquice de Los Angeles. Vivo num lugar onde muita gente sonha em passar as férias e isso é legal demais! Não preciso pegar um avião para me encontrar com um diretor ou produtor, mas não sou escravo do ritmo da cidade. Crio meu próprio e todo mundo parece estar feliz com isso. (risos) Eu estou!
B9: Essa necessidade do descobrimento, das viagens a lugares bacanas e essa conexão com a natureza vem de algum lugar específico como ter filmado “Chasing Mavericks”, por exemplo? Aliás, os filmes que você faz são capazes de te transformar também?
GB: Com certeza! Essa é a razão pela qual escolho a maioria dos meus filmes. Não é sempre, claro, mas a maioria. Busco mensagens sólidas, sejam elas espirituais ou humanas. O filme precisa ter algo a dizer e isso me inspira e anima. Desde pequeno, tenho essa relação com os filmes; aprendi mitologia, contos de fadas e muitas lições de vida que podem vir tanto de um filme de gênero quanto de uma boa comédia ou drama.
Eles me inspiraram no início e me inspiram até hoje, é por isso que decidi fazer isso da vida. Filmar algo desse tipo me permite passar um tempão estudando esse aspecto da vida, entendendo as razões e circunstâncias e porque as pessoas se envolvem tanto com certos aspectos.
É um momento bacana. “Chasing Mavericks”, por exemplo, transmitiu uma mensagem clara de natureza e, estou falando sério, me lembrou o quão incrível é viver ao lado da natureza, não apenas passar um dia na praia e pronto. Só temos uma chance na vida. Felizmente, posso aproveitar de um jeito mais agradável. Sou muito grato por isso.
B9: Falando nisso, e já engatando com Como Treinar Seu Dragão 2, temos Stoic. Que não é tão estoico assim.
GB: (risos) Gostei dessa! Vou usar nas outras entrevistas!
B9: Vai fundo!
Risos
B9: Então, ele muda muito e tem momentos muito tocantes no segundo filme, especialmente quando falamos da esposa desaparecida. Você esperava por isso?
GB: Gravei as cenas sozinhos [não ouve nenhuma gravação em conjunto com Cate Blanchett], mas senti cada frase do diálogo, cada emoção. A trilha sonora já estava pronta para a maioria das cenas, então ela me carregou emocionalmente. Ficou muito lindo, as palavras eram as certas a dizer, as ações eram perfeitas… tudo bem pensado.
É engraçado pensar em Stoic, pois sempre me lembro na minha terra natal, tanto nas atitudes quanto na música [que mistura influências escocesas e irlandesas]. Quando Stoic vê a esposa, o Gerard Garoto retornou e lembrei de como me apaixonei pela primeira vez. Gostei do que você disse, dele não ser tão estoico. É isso mesmo. Percebi que não precisava ser tão duro e pude me enrolar com as palavras, perder o jeito, concentrar a emoção nos poucos momentos de expressão. Foi lindo.
B9: Praticamente um adolescente.
GB: Pode apostar! E muito disso se manifesta no restante do filme, pois o tom mudou, a vila mudou e a relação com Soluço também mudou. Toda aquela pressão e negatividade do primeiro filme desapareceram e criou-se uma relação na qual Soluço pode pensar “que diabos aconteceu aqui, agora eu tenho um pai?” Mas ele ainda não me escuta! (risos)
B9: Isso é paternidade para você? Ter um filho que não te escuta?
GB: Bom (risos), ainda não sou pai. Aparentemente! (mais risos). Mas sei o que é ser um filho e ainda estou nessa jornada.
[Outra mensagem chegou no telefone]
GB: Olha, só como é verdade! Minha mãe acabou de chegar no aeroporto com meu padrasto e tenho certeza que nas próximas 3 horas, vou ouvir um sermão sobre alguma coisa. Mães escocesas são muito peculiares… e protetoras!
B9: Que diabos é aquele esporte do início do filme? Quadribol com Ovelhas?
GB: (gargalhadas) Belo nome! Não temos um nome para ele, mas há algo mais escocês que isso? Se a Escócia tivesse dragões, pode apostar que faríamos algo envolvendo pegar uma ovelha e marcar pontos com ela! (risos) Tudo aquilo, cada grito, cada grunhido, cada barulho faz parte da minha cultura e da minha história. Está no sangue!
É por isso que adoro fazer esse tipo de personagem, eles estão escondidos em algum canto, é só bater na porta e convoca-los! Foi assim com o Attila e Beowulf, por exemplo. E, falando sério, sou capaz de meditar e sentir toda essa ancestralidade emergindo antes de uma cena. É algo inexplicável que sinto, me faz bem e, acredito, ajuda aos personagens.
B9: Agora você também está produzindo. Qual o nome da companhia? Evil Twin?
GB: Então, acredita que fomos processados? Há uma outra empresa, de outro ramo… eles nem fazem filmes!… que nos processou e disse que tínhamos que parar de usar o nome Evil Twin Productions, então mudamos para GBase, que significa Gerard Butler Alan Seagal Entertainment. Ficou legal. GBase é meio nazi! (gargalhadas).
B9: Falando em violência extrema e impérios do Mal, a primeira vez que te entrevistei foi no Rio de Janeiro, no lançamento de 300. Com todos esses anos e distanciamento, quão importante foi aquele filme para você?
GB: Estamos ficando velhos, meu amigo! (risos) Cara, mudou tudo do dia para a noite. As coisas estavam indo bem profissionalmente; estava acumulando várias vitórias importantes para meu currículo; alguns filmes funcionavam, outros não. Mas estava trabalhando e fiz “Tom Raider”, “Timeline” e o “Fantasma da Ópera”, o que me davam certo reconhecimento, mas 300 mudou o jogo.
Do nada, todo mundo “confia” na sua imagem e presença num filme. Foi um momento legal, mas um pouco assustador, pois eu sabia que daria conta. O problema era saber até quando duraria. Ou melhor, se duraria! Conforme o tempo passou, entendi que aquilo foi uma base, não o ápice, necessariamente; então fui atrás de comédias românticas, dramas, thrillers…
B9: Você teve que fugir de typecasting?
GB: Nem me fala! Precisei correr atrás dos filmes diferentes, pois a pilha de ofertas similares a “300” estava gigantesca. Eles até pagavam bem, mas tentei separar por gênero. “Bem, não estou afim de fazer aventura, pois já fiz e sei que faço bem… agora vou tentar comédia romântica e crescer nesse gênero também, e assim por diante”.
B9: Algum gênero que gostaria de fazer mais?
GB: Ficção científica e Fantasia!
B9: Algum favorito?
GB: Krull!
B9: Cara, eu adoro esse filme! Criou caráter! Legal saber que você gosta!
GB: É por causa dele que quis ser ator!
B9: Fantático! Agora conta.
GB: Então, assisti ao filme e pirei. Aí tive um sonho. Eu era o príncipe. Estava num vale com a princesa, de mãos dadas. Do outro lado do vale, havia um grupo de magos, soldados, criaturas, serpentes e cavalos alados. Todos nos observavam. Olhei para a princesa e descobri o que precisava fazer: tínhamos o Poder do Amor! “É isso que derrotará o Mal”.
B9: Você tinha um Gladio também?
GB: Não e isso que foi legal, pois a mensagem havia sido plantada, não só a arma legal. E no dia seguinte, acordei sabendo de duas coisas: estava perdidamente apaixonado pela princesa; e eu precisava ser um ator para poder viver aquelas aventuras. Corri até a minha mãe e declarei “Mãe, vou ver ator!” e ela reagiu meio “ah, tá, beleza, põe na lista”. Aí comecei a chorar e espernear dizendo “quero ser um ator! Quero ser um ator!”Eu tinha 15 anos e, naquele verão, comecei a estudar atuação e o resto é história. Logo, quando me vejo fazendo filmes como “Como Treinar Seu Dragão 2” que, embora seja animação, sinto aquela mesma emoção e fantasia, tudo aquilo que me fez sonhar.
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Fábio M. Barreto é correspondente internacional e autor de “Filhos do Fim do Mundo”.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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