[ Profissional Bombril e pai dedicado, Fábio M. Barreto é jornalista há 15 anos, dedica seus dias a entrevistas com as figuraças de Hollywood, nunca dispensa um bom filme de Guerra ou Ficção Científica e acabou de começar carreira como diretor de cinema em Los Angeles. Quando sobra tempo pratica Tiro com Arco e também edita o site SOSHollywood.com.br ]
Na noite de 23 de maio de 2010, os olhos dos espectadores norte-americanos estavam fixados na tela da ABC. “Lost” chegava ao fim e encerrava um dos maiores ciclos produtivos da TV moderna, mas a chave de ouro estava reservada para um talk show em especial: Jimmy Kimmel Live.
Tão logo o episódio terminou, Jimmy Kimmel entrou ao vivo, num cenário haviano recriado em seu estúdio – no coração de Hollywood, em frente ao Kodak Theatre – com uma pauta exclusiva, afinal, que outro programa teria acesso a todo o elenco de “Lost” de uma só vez e numa noite tão especial? Relações políticas à parte (ambos os programas são da ABC), Kimmel era o único capaz de fazer aquilo, pois, diferente de seus colegas donos de talk shows decanos, ele é o mais visual e criativo.
Quem aí nunca viu “I’m Fucking Matt Damon”, por exemplo?
O Brainstorm #9 invadiu os domínios do ex-namorado da Sarah Silverman e bateu um papo com o sujeito.
Habitualmente, os talk shows americanos – David Letterman, Jay Leno, Conan O’Brien, Craig Ferguson e etc – baseiam-se no formato “Jô Soares”, ou melhor, no que Jô viu nesses caras e usou para formar seu programa: apresentador atrás da mesa, sofá (des)confortável, duas ou três piadinhas, alguns micos, vídeos do filme em questão, uma graça com a banda ao vivo e pronto. George Lopez tem sido exceção com seu stand up inquieto e algumas tentativas de entrevistas.
Bem, Jimmy Kimmel também faz isso, mas encontrou um nicho quando iniciou sua pequena empreitada em vídeo, que lhe conferiu franca vantagem perante a geração online. Falação é esquecida rapidamente, vídeos se espalham com velocidade incrível e aí, that’s a bingo! Especialmente se esses filmes são estrelados por gente como Tom Cruise, Mel Gibson, Matt Damon, Tom Hanks, Patrick Dempsey, Sting e tantos outros.
“Os atores gostam de participar pelo simples fato de ficarem bem nos vídeos e isso ajuda a imagem deles, além da diversão envolvida e a honra de passar um dia comigo!”, brinca Jimmy Kimmel, em entrevista com o Brainstorm #9. Embora os vídeos já existissem, eles se transformaram em obrigatoriedade e ganharam maior status com o duelo Damon x Affleck.
“Um dia tive convidados tão ruins que, ao final do programa, brinquei: desculpe Matt Damon, não teremos tempo para você hoje; e encerrei o programa. Ficou engraçado e comecei a repetir diariamente para convencê-lo a aparecer”.
Funcionou, envolveu Sarah Silverman – então namorada de Kimmel – e a febre começou. O primeiro contato com Ben Affleck mostrou os princípios criativos e a moral do programa.
“Fiz o convite e ele disse que sim, mas, normalmente, quando esse pessoal diz ‘sim’ é só para se livrar de você e nunca mais ligar. Pedi a ele que viesse ao estúdio por algumas horas para fazer uma cena, mas, caso quisesse aparecer mais, precisaríamos de um dia inteiro. Ele topou para valer e realmente ficou empolgado. E tudo isso antes de Harrison Ford se envolver.” Affleck passou um dia gravando seu vídeo.
Tudo começa com a reunião dos roteiristas com Kimmel, um clássico brainstorm pensando em diversos roteiros possíveis e quem seriam os eventuais astros. “Dá um sentimento de orgulho, e responsabilidade exagerada, saber que vou escrever um roteiro para Mel Gibson, por exemplo”, comenta o apresentador.
Um não, vários, pois o processo de produção da equipe prevê a redação de, pelo menos, 5 roteiros diferentes antes de submeter as idéias para o ator em questão. “O mais gosto é quando esses medalhões pegam os roteiros e topam na hora”.
Kimmel acredita numa versão mais bem-humorada para o “efeito Woody Allen” como razão do sucesso da empreitada.
“Quando um ator aparece, faz um vídeo legal e todo mundo gosta, os outros vêem e querem ter a mesma experiência. Hoje em dia os assessores de imprensa ligam desesperados para tentar colocar seus clientes. Os caras gostam e nunca admitem que é por minha causa, mas enfim”, descontraí.
Além da base na boa idéia, Jimmy Kimmel Live tem outra arma imbatível: muita liberdade para dizer e satirizar qualquer tema. Esse mistério assusta até mesmo Kimmel. “Nunca entendi por que tanta gente sempre me deixou dizer o que eu queria, do modo como queria e nunca levei bronca; o programa acaba sendo uma extensão disso. Claro, evitando palavrões ou baixaria, mas pegamos mais pesado que os outros programas”.
Mas tudo tem limites. No início do programa, por exemplo, uma das escolhas criativas foi envolver a platéia de forma inusitada. Em vez dos presentes de Oprah, os espectadores podiam tomar cerveja durante a gravação.
“Essa ação sempre garantiu público mais animado e participativo, entretanto paramos no dia em que uma garota encheu a cara de vomitou um bocado no meio de um bloco; ficou claro para todo mundo que era melhor não continuar”, conta.
Brincadeiras à parte, Kimmel é consciente de seu papel nos night shows e demonstra idolatria a David Letterman, o convidado dos sonhos que nunca conseguiu, ao lado de Madonna.
“Somos o resultado de tudo que veio antes da gente. Tentamos ser diferentes e criativos, todo mundo tenta, não é? Mas preciso admitir ter aprendido muito com Letterman quando assistia ao programa de forma em obsessiva quando era moleque, mesmo sem saber que estava aprendendo. A TV está passando por um momento mágico e isso acontece por conta do processo de maturação do meio, ignorar isso é arrogância demais”.
Evolução é a palavra chave na equipe de Kimmel, o novo ponto de parada obrigatório para cinéfilos depois da noite do Oscar, especialmente pela falta de conexão da veterana Barbara Walters com o público jovem.
“Há dificuldades, claro, mas gostar de cinema e TV ajuda no processo criativo. Como disse, consumo TV de forma ávida desde a infância e, por exemplo, sou fã declarado de Lost. Acabo sendo aquele fã com a chance de fazer o que todos os demais gostariam, seja entrevistar o elenco, seja tirar sarro da série em rede nacional e internacional. Tio Ben é um homem sábio e gosto de pensar que sei usar meu grande poder com grande responsabilidade!”, explica. Isso implica na constante auto-análise e necessidade por melhorias no programa.
“TV diária envolve muita tentativa e erro e não há perfeição por aqui, tirando eu, claro (risos)”, brinca. “Já me arrependi de algumas decisões e esses momentos dão aquela chacoalhada para acordar o pessoal. Por exemplo, uma vez resolvemos colocar um background com várias telas de TV com cenas de locações externas e ficou patético! (risos) Não sei onde estávamos com a cabeça para usar aquela aberração, mas foi fácil tirar e voltar ao normal. Felizmente nunca fizemos nenhuma bobagem dessas em larga escala, ou em algo não relacionado a formato… talvez as coisas que eu diga, mas todo mundo me ama e ninguém liga”.
Vivica Fox que o diga. Certa vez, Kimmel convenceu a atriz a levá-lo ao casamento de uma inimiga declarada (amiga dela, inimiga dele) e ela topou sem saber da briga. “Ela quase me matou quando contaram que eu era persona non-grata”.
O saldo de Jimmy Kimmel é positivo, seus índices de audiência agradam a ABC e não há sinais de redução no ritmo – seja dos vídeos, seja das piadas arrojadas. Tudo baseado numa equipe fascinada com seu meio, disposta a realizar os sonhos mais absurdos de seu front man e um sujeito assumidamente deficitário em política interpessoal – mas igualmente inesperado – ocupando o horário nobre de um dos maiores canais dos Estados Unidos.
Caso você venha para Los Angeles, é só aparecer na sede do programa, ficar na fila e conseguir ingressos gratuitos para ver, ao vivo, Jimmy Kimmel Live!
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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