É verdade que os inúmeros eventos paralelos em Cannes dão uma sensação de sobrecarga de informação, da qual ninguém seria capaz de dar conta e acompanhar tudo. Por outro lado, também é verdade que muita coisa dos seminários poderia ser dispensada sem dor na consciência. É fácil: basta olhar a programação e ver qual palestra tem alguma celebridade atrelada. Caso positivo, aproveite para passear ou procurar algum dos workshops nas salas paralelas.
Ficou notória a participação de Ben Stiller na edição 2010, quando em uma coletiva com a imprensa dentro do festival, ele afirmou não saber o que estava fazendo ali. Normalmente, as estrelas do cinema, música ou moda são contratadas para gerar atenção para o discurso do patrocinador. Até aí faz parte do jogo, mas que pelo menos saibam para qual público estão falando.
A esperada participação de Jack Black no morno painel “The New World of Online Content”, por exemplo, foi um desses casos esquecíveis. Serviu para o Yahoo! exibir sua plataforma de streaming de vídeo, que vai investir em conteúdo exclusivo como a série “Ghost Ghirls”, da qual Black é produtor, e só. O mesmo vale para o piloto Jenson Button, um pouco mais tarde, que se propôs a falar de criatividade. De uniforme. Ao menos foi interessante a apresentação da própria McLaren, que disse ser 80% NASA (tecnologia) e 20% Disney (magia).
Ponto alto foi a sempre concorrida palestra da Coca-Cola – escolhida como Anunciante do Ano – e que dessa vez inspirou com o título “Work That Matters”. Bem ensaiada pelos VP’s criativos da marca, Jonathan Mildenhall e Ivan Pollard, a apresentação é pensada para ser pop, mas tem fundamento. Foi mostrada uma timeline de campanhas da Coca-Cola que “mudaram o mundo”, alinhando com os princípios sociais que fizeram a marca assumir o posicionamento de colaborar para uma sociedade melhor, até chegar ao atual “Open Happiness”.
A seleção de anúncios começou em 1955, com a primeira afro-americana a estrelar como garota-propaganda da marca: Mary Alexander.
No mesmo ano em que Rose Parks se recusou a ceder seu lugar no ônibus para um branco, era uma postura radical da marca. Assim como foi a peça que mostra um garoto negro e outro branco sentados em um banco, com um símbolo de separação entre eles: o braço do assento. Mais uma vez o que parece inocente nos dias de hoje, foi provocativo na época.
Em 1971, o comercial “Hilltop” reuniu um casting multi-cultural de jovens para cantar sobre pluralidade e paz, no auge da da Guerra do Vietnã. Um clássico instantâneo da era de ouro da propaganda.
E um garoto dando sua Coca-Cola para o jogador Joe Greene foi um ato contra o racismo, em 1979.
Já em 1994, a Coca-Cola diz ser a primeira marca a ter quebrado o estereótipo de gênero, com o clássico comercial de Diet Coke.
Com o comercial “Videogame”, de 2006, que mostrava um GTA politicamente correto, a marca se gaba por ser “teimosamente otimista”.
Jonathan Mildenhall e Ivan Pollard apresentaram uma criação brasileira, para mostrar como em 2009 a Coca-Cola passou a se apoiar em histórias verídicas, promovendo storytelling voltado para a realidade.
Em 2011, “Reasons To Believe” mantém o otimismo mesmo entre a inundação de notícias ruins, em época de crise financeira e tensão política.
Já aquele que é considerado o viral mais rápido da Coca-Cola veio em 2012, e não de maneira oficial. Mildenhall e Pollard contaram que o vídeo vazou antes da hora, onde cameras de segurança são lembradas pelo aspecto positivo, mostrando situações de bondade e alegria.
Por fim, a atual campanha “Small World Machine” – com potencial de levar vários Leões em Cannes – mostra como aquilo que nos une é maior do que aquilo que nos divide, usando tecnologia para aproximar Índia e Paquistão.
Todo esse papo de publicidade por um mundo melhor não é novidade e nem exclusividade da Coca-Cola. Quanto mais as marcas precisam disputar a atenção das pessoas, mais elas fazem a auto-crítica – por necessidade, é claro – de que devem investir na criatividade que faz a diferença. Jonathan Mildenhall afirmou que é obrigação dos comunicadores usar a influência que tem para colaborar e transformar a vida das pessoas.
Um tom, aliás, que se repetiu no seminário da Cheil realizado durante a tarde, e que falarei em um próximo post. Cases que provam como o contexto e a utilidade podem se tornar marcantes com pouca verba e, cada vez mais, tecnologia.
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Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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