A última vez que o Digg foi algo que valia a pena comentar, o Iraque ainda estava no meio de uma guerra civil e CPM 22 ainda tocava no rádio. O site caiu em ruínas. Ele foi vendido por trocados. E agora, do nada, ele está de volta – e voltou bem bonito. Agora, a equipe que o tirou da lama não está muito certo do que fazer.
Não há dúvidas de que o Digg já foi importante – ele mudou bastante toda a internet, lembra? É praticamente impossível visitar hoje um site – o nosso, inclusive – sem se deparar com diversas formas de compartilhar, comentar e contribuir para a história. O Digg criou isso.
Mas essa é uma velha e desbotada lição de história. E o declínio do Digg, em vez de sua ascensão, é preciso ser lembrado – foi um caminho para o inferno. E não para um inferno violento e barulhento, como o MySpace. O Digg foi se apagando, como um mercado abandonado, com placas caídas, janelas sujas e um estacionamento cheio de imbecis e bêbados. Então não foi uma grande surpresa quando o site foi vendido a preço de liquidação: US$500 mil por um site que já atraiu (dizem rumores) propostas de centenas de milhões de dólares de empresas do tipo do Google. Ele foi vendido pelo equivalente a troco de bala nos dias de hoje (lembre-se do Instagram sendo vendido por US$1 bilhão), e por algumas horas no dia do anúncio da aquisição, o Digg virou a piada da internet.
Então, tudo ficou escuro. Nós paramos de chacotear com o Digg, assumindo que nunca voltaríamos a falar nele. Nós estávamos errados.
Em curtas seis semanas depois de o site ser trocado por amendoins, ele renasceu. Mas não foi apenas um tapa no visual – o Digg está irreconhecível. O novo Digg é exótico. O Digg é… muito, muito bonito? E útil? Onde está todo o spam, os comentários lobotomizados, e a forragem do Reddit? Sumiram. Em vez disso você vai ver grandes e belos gráficos – imagine o Pinterest – e uma seleção das notícias mais interessantes do dia, com ênfase em tecnologia – pense no que o Digg deveria ser antes de ser arruinado. Tudo em seis semanas. A verdade é, não há tanta determinação como tanto desespero.
“O liquidante está vindo pelos servidores”, explica John Borthwick, CEO da Betaworks, a empresa que abocanhou o nome Digg. Nós conversamos na nova sede do Digg, o que atualmente é uma sala apenas, já que suas janelas estão sendo substituídas e o local está cheio de ar frio e serragens. O Digg precisava ser salvo antes que suas máquinas fossem desligadas, e ele tinha cerca de seis semanas para fazer isso. Antes do negócio estar fechado, Borthwick teve que mover o Digg antes que ele fosse apagado pelos servidores – o site inteiro estava em uma fossa financeira, sem esperanças de escapar. Por mês, o Digg custa cerca de US$250 mil para manter as luzes acesas, e o site arrecadava aproximadamente US$200 mil através de “propagandas desagradáveis”. Faça os cálculos. O site foi à ruína porque os leitores foram embora e, acima de tudo, por causa do excesso de spam. Borthwick não mede palavras para falar do antigo estado podre do Digg.
“Ele era o estrume, o buraco sem fundo de merda da internet que você caia às vezes. Tipo ‘esse site só tem propagandas, que que eu tô fazendo aqui’. Ele era esse tipo de coisa. Existiam alguns milhões de pessoas que eram simples usuários honestos que apenas queriam encontrar boas histórias e que tinham o hábito de visitar o Digg todos os dias. Eles estavam sendo cobertos por chorume.”
O Digg se transformou em algo constrangedor. E ainda, um pequeno time de 10 pessoas foi capaz de torná-lo no que você vê agora, em menos de dois meses.
Várias pessoas podem achar isso desanimador. Ninguém realmente queria que o Digg voltasse. Ninguém sentia sua falta. E, além disso, todos foram para o Reddit – e boa sorte se você acha que será fácil vencê-lo. Mas para a equipe que pegou o trabalho, esse desafio era empolgante pelo seu fator absurdo. Dá para fazer o Digg ser algo bacana novamente? “Eu fique pensando, tipo, que merda, a chance de fazer isso para milhões de pessoas era realmente fascinante”, diz o novo CTO do Digg, Michael Young. David Weiner, outro membro do núcleo de relançamento, sentiu a mesma coisa: “minha primeira reação foi como, ‘quê, em que ano estou?’ Mas pensei de parar nisso rapidamente, e foi como pensar que isso ainda não foi feito por ninguém, essa é a parte realmente animal. O jeito que eu descrevi o trabalho para meus pais foi assim: imagine que nós compramos o Arapuã e iremos trazer a marca de volta. Esse ficaram como – ah sim, Arapuã! Eu gostava dessa loja”. A natureza hercúlea em transformar águas passadas da internet em algo que vale ser clicado foi motivação suficiente, estimulando a equipe para jornadas de trabalho de 20 horas diárias, na base de “muito café [e] muita cerveja”.
E então a equipe, sem mesmo realmente saber o que iria fazer com a palavra Digg, fez algumas perguntas aos alguns milhões de perdidos que ainda se agarravam ao site, por lealdade ou hábito. Eles conversaram. Pediram conselhos. Perguntaram o que deu errado. Fizeram pesquisas online. Eles até chamaram Kevin Rose – mais conhecido por ficar rico com o Digg e depois meio que abandonar seu filho – para ser o “consultor externo” da marca. Exatamente a pessoa que você quer para ajudar a sonhar com o renascimento, certo? E após todas essas tentativas de brincar de Verdade ou Desafio com o Digg, a equipe transformou o Digg em algo que não tinha quase nenhuma relação com o que costumava ser. Bom para eles.
Mas a o tamanho da diferença do Novo Digg em relação ao Digg Podre é chocante, quase enigmática até. Uma das poucas coisas que sobrou para o Digg indiscutivelmente foram os alguns milhões de leitores atraídos pela palavra “Digg” e suas conotações, existentes ou não. Então, quando você vê o Digg renascer como algo que deliberadamente rejeitou quase tudo que nós esperamos do Digg, você se pergunta: por que eles fizeram questão de comprar o nome da marca? O site abandonou a página inicial hierárquica e a escalada que costumava ser um desafio amado pelos fãs. Em vez disso, a página inicial é uma grade gigante, sem uma ordem estrita. Números existem, mas estão afastados dos links, e o clássico botão Digg é algo do passado – é pequeno, e seu propósito não é claro. O que estamos “escavando”, então, como o nome sugere, e por quê? Não há comentários. Nem comunidades. Se o velho Digg está inundado de grupos de heavy users, a nova onda é banhada em anonimato.
Se você tirasse a palavra Digg, você provavelmente nem saberia que se trata do Digg.
E agradeça aos céus por isso. Após todo o feedback dos leitores e uma reflexão sobre o que eles queriam, a equipe do novo Digg decidiu rejeitar a alma do velho Digg: eles rejeitaram as pessoas. Pelo menos por enquanto. Borthwick admite que isso deixa “a experiência e as interações do site bem leves.” Leitores estão “sendo minimizados, por enquanto,” explica Borthwick. “Com o prazo de seis semanas, algumas coisas tiveram que ser sacrificadas.” Antes, existiam links voando por todos os lados, batalhando pela supremacia. Já o novo Digg é tranquilo, mesmo com menos possibilidades para o leitor interagir com cada história. Agora, obter um link na página requer um longo e bagunçado processo, explica o diretor editorial do Digg, David Weiner:
“Nós recebemos cerca de 25 mil links ao dia. E o que basicamente acontece é, um link não cresce ou bomba se ele não estiver sendo falado em outras redes [Twitter, Facebook]. A não ser que possamos dizer exatamente o que as pessoas estão falando, e tenhamos provas disso, nós não conseguimos aumentar os acessos [de uma página].”
É por causa disso que o novo Digg tem um diretor editorial. Ele tem de administrar essa mistura de escolha de algoritmos, envio de links de forma democrática, e tem habilidades linguísticas. Algumas coisas merecem estar na página porque são populares, mas às vezes ótimas coisas são impopulares. Então é Weiner que sobe o “o que bomba” da internet, ignorando votos e envios de links, e manualmente coloca histórias importantes no topo, até mudando as manchetes. O Digg tem moderadores que cortam envios ruins (onde 99% dos casos trata-se de spam, de acordo com uma conta do próprio site).
Isso significa envolver os leitores menos do que antes. Borthwick afirma que isso é temporário – “O Digg é um verbo, não uma maldita revista, certo?” Mas é difícil ter algum senso de quão temporário, e como um Digg mais colaborativo ficaria no esquema atual. Minha sensação é de que a equipe também não sabe:: “nós só vamos descobrir através de tentativas”, explica Weiner:
“Em nossos corações, nós queremos construir algo que abra canais para a colaboração e que permita que nossos usuários informem o que aparece nas páginas. No fim do dia, isso facilita a interação humana. É assim que você cria aquele momento mágico com links de notícias e boas e histórias – quando você conecta isso com amigos, ou alguém que você não conhece.”
Eu questiono se conversar e votar nas notícias será algo tão importante quanto a notícia em si, como foi no auge do Digg. “É possível”, diz Weiner. O icônico botão do Digg irá algum dia voltar em sua forma original? “Espero que sim.” Questões sobre como o site irá parecer no futuro, ou como eles gostariam que o site parecesse no futuro, são respondidas primeiro com uma pausa coletiva para refletir, e depois uma variação de “nós ainda estamos experimentando coisas”. Vocês têm medo do Reddit? Outra pausa, e uma mistura de negativas. A equipe toda fala abertamente que o Digg não gera dinheiro no momento, e não existem planos concretos de como ele vai gerar receita no futuro. Isso está bem longe dos US$250 mil ao mês que o Digg precisa.
Todo o futuro do Digg parece ser um híbrido equilíbrio de incerteza e misteriosa felicidade. A equipe quer colocar divisores visuais do que as pessoas estão lendo e postando, como os relatórios úteis e fascinantes que o Google cria quando faz o Google Zeitgeist. Talvez eles expandam seu lado editorial para criação de conteúdo original, se distanciando de ser estritamente uma ferramenta de agregação. Talvez eles adicionem uma sessão de comentários. Por enquanto, o Digg é “apenas um tipo de experimento e aprendizado,” diz Jake Levine, o gerente geral do site. “Precisamos pensar no tipo de ferramentas que usaremos para fazer o site mais inteligente e eficiente.” Ele senta ao lado de um copo com palavras impressas, “Fuck It, Ship It” (“foda-se, entregue”, em tradução livre), o slogan criado pela equipe. O método de operação, no momento, é basicamente jogar o site nessa teia chamada internet e ver o que cola. Felizmente para eles (e para nós como pessoas que gostamos de boas coisas na internet), grande parte é “colável” – apesar do rótulo Digg, e não por causa dele.
Eles não admitem isso, mas a equipe que existia antes da nova equipe não se deu bem. Eles correram para criar algo, e muitas vezes tiveram que acelerar demais, mas a pressa os obrigou a pensar rapidamente. Precipitadamente, até. Mas a escolha de abandonar quase tudo relacionado ao antigo Digg é uma das coisas mais inteligentes a se fazer, mesmo que fosse a mais rápida. O Digg estava fadado ao colapso, mesmo que o Reddit nunca tivesse aparecido: “o Digg era um produto incrível quando eram apenas algumas centenas de pessoas”, nota Levine. Então tudo isso foi para o lixo:
“Quando ele ficou maior, o que emergiu foi essa estranha dicotomia entre um grupo de heavy users que viam, tratavam e participavam do como uma comunidade, e havia o resto da audiência. Conforme a audiência crescia, os incentivos para spam e abusos levavam mais e mais tráfego do que sites como o Gizmodo – isso se tornou maior do que os incentivos para o engajamento positivo e significativo com outros participantes da comunidade.”
Aquela versão do Digg não irá voltar. E essa nova versão do Digg pode cair na escuridão como seu predecessor. Mas agora, mesmo competindo com o Reddit, Facebook e outras super forças, o Digg tem o mesmo apelo – não é simplesmente votar em histórias ou remover alguém com um polegar negativo. É o fato de que isso foi e pode ser um destino, um lugar onde você possa encontrar as coisas interessantes que você enviou para outras pessoas. Se o Digg pode ter novamente o controle da internet, isso é uma incógnita – mas se ele conseguir, será por meio de uma mistura de abraçar e rejeitar sua própria alma.