Startups de web são feitas de duas coisas: pessoas e códigos. As pessoas fazem o código e o código deixa as pessoas ricas. O código é como um poema; ele tem que seguir certos requerimentos estruturais, e ainda assim essa estrutura pode virar arte. Mas código é arte que faz alguma coisa. É a construção de algo novo a partir de nada além de uma ideia.
Esta é a história de uma ideia maravilhosa. Algo que nunca foi feito antes, um momento de mudança que mudou a internet como conhecemos hoje. Esta é a história do Flickr. E como o Yahoo o comprou, acabou com sua relevância e o matou.
Você se lembra do slogan do Flickr? “Certamente o melhor aplicativo online de compartilhamento e gerenciamento de fotos do mundo”. Isso era na verdade um momento de humildade desnecessária.
Porque até três anos atrás, é claro que o Flickr era o melhor serviço de compartilhamento de fotos no mundo. Nada mais chegava aos pés dele. Se você se importasse com fotografia digital, ou quisesse compartilhar fotos com os amigos, você estava no Flickr.
Mas hoje, este slogan simplesmente não corresponde à realidade. O serviço que estava se preparando para dominar o mundo ficou para trás. Quer compartilhar fotos na web? É pra isso que serve o Facebook. Quer olhar imagens que os seus amigos estão tirando por aí? Abra o Instagram.
Mesmo a noção do Flickr como um arquivo – um lugar para guardar todas as suas fotos como um backup — está se tornando cada vez mais incomum conforme Dropbox, Microsoft, Google, Box.net, Amazon, Apple e inúmeros outros lutam para oferecer gigas de espaço para os nossos desktops famintos.
O site que já teve as melhores ferramentas sociais, a base de usuários mais ativa, e o melhor espaço de armazenamento está rapidamente entrando na irrelevância do abandono, um produto de um nicho minúsculo. Sua enorme comunidade agora parece um bairro rico que foi abalado por uma crise imobiliária em alguma cidade americana. Gramados mal cuidados. Bicicletas enferrujando na calçada. Bandeiras rasgadas. E em cada uma das casas, não há uma só pessoa morando.
É um estudo de caso sobre o que pode dar errado quando uma startup inovadora é engolida por um monstro que não compartilha seus valores. O que aconteceu com o Flickr? A mesma coisa que aconteceu com tantas outras startups inovadoras que se venderam por dólares e mais estrutura: Yahoo.
Eis aqui como tudo começou a desmoronar.
No começo
O Flickr começou como um recurso de outro produto. A equipe de desenvolvimento formada por um casal, Stewart Butterfield e Caterina Fake, criou um recurso de compartilhamento de fotos para um produto que eles estavam trabalhando, o jogo Neverending. Butterfield e Fake eram da velha guarda da web. O tipo de web que tinha nomes de usuário com poucos números no Metafilter e contas no WELL.
E como eles conheciam a web tão bem, eles logo perceberam que o produto de verdade não era o jogo: era sua função secundária, a habilidade de compartilhar fotos online. Isto foi em 2003 e um serviço de compartilhamento de fotos ainda era um problema para as pessoas. O Flickr então nasceu.
Ele foi um sucesso. Blogueiros adoraram, já que ele resolvia um problema antigo de hospedagem de fotos. (Isso foi durante os antigos tempos da web quando o armazenamento ainda custava dinheiro.)
Dois anos depois, em 2005, Butterfield e Fake venderam a empresa para o Yahoo, que prometia ótimas coisas para os usuários do Flickr. Ele aumentou o limite de armazenamento mensal para 100MB para usuários gratuitos, e removeu o limite para contas pagas, por exemplo. O Yahoo tinha a banda e engenharia para usar. Tudo seria ótimo; tudo é sempre maravilhoso da primeira vez que você abraça uma nova corporação.
Quando startups se tornam um sucesso
Poucas pessoas conseguem fazer startups de sucesso. Mas quando uma chega lá, ela pode mudar o estado atual das coisas em um segundo. De repente, aqueles dois ingredientes fundamentais – pessoas e código – se tornam muito valiosos para as empresas estabelecidas que parecem morar em um intocável Monte Olimpo corporativo. Seria um elogio enorme e um senso de validação incrível. Como você lidaria com isso? E se você fizesse algo bonito e útil que mudasse o estado atual das coisas? Você venderia? Você se venderia?
Essa é a escolha que fundadores de startups de sucesso precisam enfrentar. Faça algo bom, e as ofertas de compra começam a chegar. Mas enquanto em muitos outros campos criativos vender sua empresa é desencorajado, quando estamos falando de internet isso é como uma benção.
Talvez não devesse ser. Para cada YouTube, existem várias histórias de terror de pessoas com excelentes produtos que foram desperdiçados nas mãos de uma empresa que não soube cuidar direito. Serviços de bookmarking bem quistos, como o Delicious, se tornam um campo de informação deixado ao relento.
Algumas startups decidem seguir o caminho independente. Pense no Twitter, no Foursquare, ou até mesmo no Facebook. Cada um deles recusou diversas ofertas de compra, e nenhum deles jamais foi tão forte. Todos conseguiram encontrar um modelo de negócios com o tempo. Até mesmo o StumbleUpon, que conseguiu se encontrar de novo depois que o fundador comprou a empresa de volta depois de tê-la vendido para o eBay, e está novamente independente.
Não é segredo para muitos investidores que a saída da venda é sempre o objetivo. Tudo gira em torno da venda antes mesmo de a primeira linha de código ser escrita. Mas para um grupo seleto, os produtos deveriam ser arte. Eles são feitos para literalmente mudar o mundo. E para estes, vender pode ser especialmente problemático.
O Flickr está entre eles.
A integração é inimiga da inovação
“O Yahoo era inicialmente uma boa escolha”, disse a cofundadora do Flickr, Caterina Fake, que deixou a empresa em 2008. “Tivemos ofertas de várias empresas, incluindo o Google, e eu acredito honestamente que o Yahoo foi um grande administrador. Ele foi um ótimo administrador da marca. Ele permitiu que ela florescesse. Nos dois anos depois da aquisição, o Flickr Floresceu.”
Porém, pouco depois, houve sinais de que o transplante – que parecia ter sido tão bem sucedido no começo – iria falhar. Que o DNA não era compatível. Isto se deve em grande parte à forma como este novo apêndice foi enxertado pelo departamento de desenvolvimento corporativo do Yahoo.
Quando uma startup chega a uma empresa estabelecida, o primeiro desafio que ela enfrenta é o desenvolvimento corporativo: o grupo dentro da empresa que gerencia mudanças. O desenvolvimento corporativo normalmente fica encarregado do planejamento estratégico da empresa – onde a empresa deve crescer ou diminuir, os mercados em que ela irá entrar ou sair, e que tipo de contratos e negócios ela deve fazer com outras empresas. Ele muitas vezes supervisiona as aquisições. Ele as planeja, aprova e então estabelece os termos.
Quando uma grande empresa engole uma menor, apenas uma fração do dinheiro é entregue rapidamente. O resto vem depois, baseado na capacidade da aquisição em atingir uma série de resultados pelo caminho. É similar a como os incentivos são incluídos aos contratos de jogadores de futebol, exceto que aqui temos benchmarks ao invés de gols.
O desenvolvimento corporativo define estas metas. Elas refletem o motivo da aquisição e como a empresa – no caso do Flickr, o Yahoo – pode influenciar nisso. Elas estão inclusas no negócio, e um time de integração de aquisição começa a trabalhar imediatamente para garantir que eles sejam atingidos. Normalmente, elas são muito baseadas em engenharia, projetadas para integrar os produtos da empresa menor na enorme máquina corporativa.
E como os cronogramas de pagamento baseiam-se em atingir os termos do desenvolvimento corporativo, isso significa que ambas as empresas têm interesse em colocar estas metas à frente de novos recursos. Eles são como uma marretada muito forte nos pés do desenvolvimento ágil. Pior ainda, eles muitas vezes ignoram completamente o que tornou a empresa menor atraente em primeiro lugar.
Veja o Upcoming, o site de calendário que o Yahoo comprou não muito depois do Flickr. Foi uma jogada para ter listagens locais. Dados locais – especialmente em cidades pequenas ou eventos menores – podem ser bem difíceis de obter. Todo mundo acaba tendo as mesmas coisas. Mas os dados do Upcoming eram gerados por usuários. Ele era diferente. Único. Valioso.
As metas para essa aquisição foram todas baseadas em torno dos dados dos eventos locais ao Yahoo. O Yahoo não se preocupava com os usuários do Upcoming – a comunidade que criava os dados. A abordagem do Yahoo acabou sendo completamente invertida. O valor da empresa foi determinado pelo índice em si, ao invés de como o índice era construído – ou seja, pela comunidade.
Foi uma terrível falha de visão e mais ou menos a mesma coisa que aconteceu ao Flickr. A única coisa que o Yahoo se importava era com a base de dados que os usuários haviam construído e tageado. A empresa não se importava com a comunidade que a construiu ou (mais importante) continuar ajudando no crescimento daquela comunidade, introduzindo novas funções.
“Nós passamos muito tempo em reuniões com o desenvolvimento corporativo apenas defendendo o produto e justificando nossas decisões”, disse um ex-membro da equipe do Flickr.
E então quando o Flickr chegou ao Yahoo ele foi esmagado com requisitos de engenharia e serviços que ele precisava atingir como exigência da equipe de integração de aquisição. Isto era uma perda de recursos, humanos e financeiros. Mesmo que muitos recursos tenham vindo do Yahoo, eles foram subtraídos do Flickr. Criou-se assim um ciclo insustentável que realmente dificultou a inovação.
“O dinheiro vai para quem o administra, não para quem gera o lucro”, explica um ex-membro da equipe do Flickr. Se o Flickr não podia fazer dinheiro, ele não receberia dinheiro (ou talento, ou recursos).
Como o Flickr não era tão rentável como algumas coisas maiores, como o Yahoo Mail ou Yahoo Sports, não recebia os recursos que eram dedicados a outros produtos. Isso significava que ele precisava gastar seus recursos em integração ao invés de inovação. Isso tornou mais difícil atrair novos usuários, o que significava que o serviço não podia gerar tanto dinheiro, o que significava (fechando o ciclo) que ele não receberia mais recursos. E por aí vai.
Como resultado de estar carente de recursos, o Flickr parou de colocar as bases que precisava para subir cada vez mais alto. Ele perdeu o bonde das coisas locais, do tempo real, do mobile e por último do social – o campo em que ele foi pioneiro. E também, ele nunca se tornou o Flickr do vídeo; o YouTube chegou primeiro. Ele nunca se tornou o Flickr das pessoas, que claramente foi o Facebook. Ele continou sendo o Flickr das fotos. Ou pelo menos, até o Instagram aparecer.
A equipe do Flickr foi forçada a focar em integração, não em inovação. Isso esgotou duas áreas importantíssimas.
Socialmente inapto
A melhor função do Flickr não é o que você imagina. Não é o compartilhamento de fotos. Assim como o compartilhamento de fotos era uma função escondida dentro de um jogo, havia outra função escondida dentro do compartilhamento de arquivos que era ainda mais poderosa: a rede social. O Flickr estava, quase uma década atrás, construindo o que iria se tornar a web social.
A primeira das duas missões do Flickr era ajudar as pessoas a disponibilizar as fotos para pessoas que importavam para elas. O Flickr tinha – e ainda tem – excelentes ferramentas para isso. O Flickr foi um dos primeiros sites que permitia que você identificasse relacionamentos com controles bem ajustados – uma pessoa poderia ser marcada como família, mas não como amigo, por exemplo – ao invés de uma relação binária “é ou não é amigo”. Você podia marcar suas fotos como “privadas” e não permitir que ninguém mais as veja, ou identificar apenas um ou dois amigos confiáveis que possam vê-las. Ou você podia compartilhá-las com amigos, ou família. Estes controles precisos encorajavam compartilhamento, comentários e interação. O que nós estamos descrevendo aqui, claro, é uma rede social.
É difícil de lembrar, mas em 2005 o Yahoo parecia estar no caminho certo. Depois de perder o controle das buscas para o Google, ela comprou um monte de empresas pequenas, porém bacanas e com orientação social, como o Flickr (fotos sociais), Delicious (favoritos sociais) e Upcoming (calendários sociais). Existia uma sensação verdadeira de que o Yahoo estava fazendo a coisa certa. Até certo ponto, ele estava à frente do que viria a ser conhecido como Web 2.0: a internet participativa.
Mas o sucesso social do Yahoo nesses anos foi quase acidental. Ela não era (e ainda não é) uma empresa com visão. A grande contribuição de seus fundadores, Jerry Yang e David Filo, para a internet? Eles construíram um diretório de links e então venderam anúncios nessas páginas.
Foi uma porta de entrada, nada mais. Isso dificilmente foi uma ideia inovadora ou tecnicamente complicada de fazer. Você não tem que escrever algoritmos para construir um portal. O Yahoo era mais como uma edição eletrônica das páginas amarelas.
A influência dos fundadores na cultura de uma empresa é enorme, e Yang e Filo se importavam com os negócios, não com produtos ou inovações. Eles não promovem uma cultura de cientistas da computação, como fizeram os fundadores do Google, nem cultivam hackers como o Facebook. Eles cresceram em uma cultura de negócios. Por muitos anos isso funcionou relativamente bem – até que o Google apareceu. De repente ninguém mais precisava de listas telefônicas. Porque ficar navegando em uma estrutura hierárquica quando você pode pular direto para o que está procurando com uma simples busca?
Terry Semel, CEO do Yahoo, falhou em comprar o Google em 2001, quando teve a chance. Então o Yahoo estava tão focado em ganhar as buscas que ele basicamente desistiu do social. Em 2005, o Flickr tinha sem dúvidas a melhor conexão social e ferramentas de descoberta da internet. Lembre-se, naquela época o Facebook ainda era um serviço inexperiente, um que nem mesmo permitia que você enviasse fotos além daquela do seu avatar. O Yahoo, por outro lado, tinha produtos sociais internos, como o Address Book e o Messenger. O social era claramente o futuro. Entretanto, o que o Yahoo queria não era o futuro. Ele queria uma revanche de uma velha luta do passado. Ele queria vencer o Google.
“Na época que estávamos de olho no Flickr, o Yahoo estava levando uma surra do Google. A corrida foi para encontrar outras áreas relacionadas a busca onde pudéssemos construir uma liderança”, disse um executivo de alto escalão do Yahoo que estava familiarizado com o negócio.
O Flickr ofereceu uma maneira de fazer isso. Porque as fotos do Flickr estavam marcadas, descritas e categorizadas de forma tão eficiente pelos usuários que era muito fácil pesquisar e encontrar o que queria.
“Este foi o motivo pelo qual compramos o Flickr – não a comunidade. Nós não dávamos a mínima para isso. A teoria por trás da compra do Flickr não era para aumentar conexões sociais, era para monetizar o índice de imagens. Não tinha nada a ver com comunidades sociais ou redes sociais. E certamente não tinha nada a ver com os usuários.”
E este foi o problema. Na época, a web estava se tornando rapidamente mais social, e o Flickr estava na vanguarda deste movimento. Tudo estava ligado a grupos, comentários e identificar as pessoas como contatos, amigos ou família. Para o Yahoo, era apenas uma maldita base de dados.
Os primeiros problemas com a comunidade se tornaram evidentes quando o Yahoo decidiu que todos os usuários existentes do Flickr precisariam de uma conta do Yahoo para logar. Esta transição ocorreu em 2007, e foi parte do processo de integração determinado pelo desenvolvimento corporativo para estabelecer um único meio de acesso. O Flickr programou para isso ir ao ar mais ou menos na metade de março.
Pelo ponto de vista do Yahoo, não havia nenhuma escolha além de renovar o login. Por um lado, o Flickr tinha crescido internacionalmente, e ele tinha que localizar para cumprir as leis locais. O Yahoo já tinha ferramentas para resolver isso, porque ele já tinha se expandido para outros países. Ele ofereceu uma solução que já estava pronta.
Mas, além disso, o Yahoo precisava alavancar essa coisa que tinha acabado de comprar. Ele queria ter certeza que cada um dos seus usuários cadastrados poderiam instantaneamente usar o Flickr sem ter que registrar-se separadamente no serviço. Ele queria que o Flickr funcionasse perfeitamente em conjunto com o Yahoo Mail. Ele queria que os seus serviços cantassem juntos em harmonia, ao invés de ficarem isolados. O primeiro passo para isso foi criar um login unificado. Isso foi ótimo para o Yahoo, mas não ajudou muito o Flickr, e certamente não ajudou os usuários do Flickr (que fizeram questão de expressar o descontentamento).
A solução de RegID do Yahoo acabou sendo um pesadelo para a comunidade existente. Você não podia mais usar seu login antigo do Flickr para pegar suas fotos, você tinha que usar um do Yahoo. Se você não tinha uma conta no Yahoo, precisava criar uma. E você nem mesmo podia logar na página inicial do Flickr — ao chegar lá você era chutado para uma tela de login do Yahoo.
Apesar do Flickr ter crescido tremendamente com o enorme influxo de usuários do Yahoo, a comunidade existente de early adopters altamente influentes ficou furiosa. Foi uma transição deselegante, que parecia ignorar o que a comunidade queria (ou seja, uma maneira de logar sem ter que fazer uma conta do Yahoo). Isso era o oposto do que as pessoas esperavam do Flickr, era antissocial.
E deixou bem clara uma mensagem, tanto para os usuários, quanto para a equipe do Flickr: Vocês agora fazem parte do Yahoo.
A mensagem também chegou para a equipe do Flickr. O Flickr se orgulhava do atendimento ao cliente, algo que eles consideravam uma parte chave da construção da comunidade. Mas o Yahoo queria gerenciar tudo sozinho dentro de seus departamentos existentes. Um dos objetivos do Yahoo era mudar o sistema de notificação e remoção para verificar antecipadamente todo o conteúdo que os membros postassem antes de ele ser disponibilizado online. O Flickr viu isso como uma tarefa que iria demandar muito tempo e também que violaria a privacidade de seus membros, especialmente quando se tratava de fotos privadas. A equipe do Flickr agendou uma reunião e foram para a sede da empresa em Sunnyvale para uma apresentação de uma hora para esclarecer o ponto. No meio da reunião, o vice-presidente que supervisiona o atendimento ao cliente para o Yahoo olhou para o relógio, anunciou que tinha outra reunião e saiu. Foi como dizer um “foda-se” abertamente.
Para Heather Champ, que era a chefe da comunidade do Flickr na época, a reunião foi o começo do fim. “Eu saí da reunião sabendo que eu não poderia continuar cumprindo minha função. Eu não queria ficar e assisti-los acabar com tudo que nós trabalhamos tão duro para construir.”
Em meados de 2008, um ano após do fiasco do RegID, estava claro para quase todo mundo que o Facebook era a nova grande rede social, principalmente nos EUA. O que tinha sido um brinquedo para estudantes de Universidades e do ensino médio, de repente havia se tornado a rede da sua mãe, do seu pai, do seu treinador, e todo mundo que você conheceu um dia estava lhe mandando pedidos de amizade. A Microsoft estava investindo dinheiro nisso, e a rede estava rapidamente chegando a 100 milhões de usuários.
Dentro do Yahoo, que já tinha uma enorme base de usuários e vários produtos sociais, algumas pessoas já avisavam que estavam prestes a ser ultrapassados no social assim como foram nas buscas.
“Eu passei anos no Yahoo tentando alertar que o Facebook iria tomar conta do mercado a menos que fizéssemos alguma coisa e usássemos nossas redes sociais existentes para lutar contra isso”, lamenta um ex-engenheiro do Yahoo que trabalhou em produtos tanto no Yahoo quando no Flickr. “Obviamente isso nunca deu em nada por uma infinidade de motivos.”
O Yahoo havia tentado comprar o Facebook em 2006 – por um bilhão de dólares. E falhou. Dois anos depois o Facebook já estava grande demais para ser comprado. A única maneira de vencê-lo seria escolher um novo caminho com um produto melhor. A maior esperança para isso era o Flickr. Mas já era tarde demais.
“O Flickr não era mais uma startup”, explica o engenheiro. “As pessoas não queria mais trabalhar tanto para mudar completamente o produto. E mesmo que eles fizessem isso, o Flickr [era] composto de hipsters tecnológicos, muitos que não usavam ou não gostavam do Facebook e o consideravam insosso, chato, maligno, mal projetado, etc, e certamente não estavam prontos para ir pelo mesmo caminho. A ênfase foi mais colocada na aparência das coisas do que em boas medidas ou mudanças de funcionamento. A experiência como um todo foi muito frustrante para mim, e eu lentamente assisti o Flickr e o Yahoo caírem na irrelevância.”
A força inabalável e o seu medo de mudanças
Existe uma diferença entre uma oportunidade perdida e uma cagada completa. Quando o Yahoo falhou em capitalizar o potencial social do Flickr, isso foi uma oportunidade perdida. Mas se você quer ver onde ele fez a merda de verdade, onde ele simplesmente esquartejou o Flickr com faquinhas de cozinha, pegue seu smartphone e abra o app do Flickr. Ah, o que foi? Você não tem esse app? Exato.
O Flickr tinha um site mobile muito bom lá atrás em 2006 – antes do iPhone sequer ser lançado. Naquela época, você podia usar seu celular jurássico com Symbian, ou a tela minúscula do seu Sony Ericsson T68i. Mas ele era basicamente apenas para navegação. Se você quisesse enviar uma foto do seu aparelho para a sua conta, você tinha que enviar por e-mail.
E então em 2008, algo aconteceu e transformou completamente a web móvel: apps. A App Store do iPhone inaugurou uma nova era que mudou a maneira que interagimos. As pessoas não queriam experiências web mobile que exigiam que elas saíssem de um app de câmera para um app de edição, de volta para web e possivelmente até por e-mail para fazer upload e compartilhar uma imagem. Eles queriam um app que fizesse tudo isso. A equipe do Flickr entendia isso. Infelizmente, eles não podiam fazer nada a respeito.
“O Flickr não tinha autorização para fazer seu próprio app de iOS – ou qualquer app que seja”, lamenta um ex-executivo do Flickr. “Existia uma equipe externa com opiniões bem fortes sobre o que o app deveria fazer.”
Foi ali que as missões das duas empresas realmente colidiram, de acordo com informações de pessoas das empresas. O app do Flickr foi uma decisão que veio de cima, conduzido pelo Yahoo Mobile e seu lider, Marco Boerries. A equipe do Flickr não pode intervir.
Boerries tinha uma visão grandiosa para algo chamado de “Connected Life”. Era para ser uma experiência móvel que traria todos os serviços do Yahoo juntos para a palma da sua mão, e conecta-los ao desktop. Não é algo distante daquilo que Apple, Google e Microsoft estão tentando fazer hoje com suas estratégias de nuvem.
Boerries era um louco. Ele fez um programa de processamento de texto chamado StarWriter aos 16 anos de idade, o transformou na suíte StarOffice a e vendeu para a Sun por US$74 milhões em 1999. Em 2004, ele estava correndo pelo Vale do Silício distribuindo uma demo que estava deixando as pessoas literalmente boquiabertas.
Ele entrava em uma sala repleta de investidores, pegava seu telefone flip tosco e tirava uma foto da sala. Então ele colocava no bolso, abria o laptop e atualizava o app rodando no seu desktop. De repente, as pessoas na sala eram confrontadas com seus próprios rostos céticos. Era automático. Então ele explicava que ele podia fazer a mesma coisa com qualquer outro tipo de dado – e-mails, números de telefone, mp3s, o que quer que fosse. Qualquer coisa que você fizesse no telefone seria refletido sem problemas para o desktop e vice versa. Basicamente, era um iCloud.
O Yahoo comprou a empresa em 2005 por algo em torno de US$16 milhões, principalmente para comprar Boerries. Um mês depois, eles iriam comprar o Flickr.
Boerries era um gênio e, pelo que dizem, um pesadelo para quem trabalhava junto a ele. Uma das descrições mais sinceras vem de Kellan Elliot-McCrea, diretor técnico do Etsy que, em um passado distante, foi designer-chefe do Flickr. Ele escreveu no Quora:
“Marco Boerries foi sem dúvidas um dos executivos mais imoralmente político e odiável do Yahoo e ele comandou por 4 anos a equipe de “Connected Life” do Yahoo que tinha controle universal sobre todas as experiências mobile nativas dentro do Yahoo. Várias tentativas internas dentro do Flickr de fazer experiências mobile nativas (desde 2006) foram esmagadas sem piedade.”
A equipe de mobile do Yahoo foi absurdamente lenta para terminar o app. Apesar de a iTunes App Store ter sido lançada em julho de 2008, o Yahoo Mobile deixou passar um ano antes de lançar um app oficial do Flickr. Quando o app foi finalmente lançado em setembro de 2009, ele foi algo pior que desastroso. Os primeiros reviews na iTunes App Store pareciam como notas de testes pré-alfa do pior software do mundo.
“O app não tem funcionalidades suficiente para ser útil.”
“Ele é LENTO e parece ficar ainda mais lento com o uso.”
“Eu estava muito empolgado com este app e me deixaram na mão. Difícil.”
“Lento, bugado e a navegação é terrível.”
“Tudo é ridiculamente lento.”
Entre outros problemas, ele não permitia que você fizesse upload de várias fotos de uma vez — você tinha que enviar fotos uma por uma. Ele reduzia as fotos para 450×600, acabando com a qualidade da imagem. Os usuários precisavam fazer login via Safari ao invés do app em si. Ele tirava os dados EXIF das fotos que eram enviadas – exatamente o tipo de coisa que os nerds de fotografia do Flickr queriam ver.
As pessoas realmente detestaram o app.
O app foi visto como uma pilha de lama em um vestido de noiva. Como um alguém descreveu na resenha da App Store, “Para fazer upload no Flickr, este é realmente o pior app que eu testei; é melhor simplesmente enviar as fotos do celular por e-mail.”
Ele conseguiu, de alguma forma, entender os dois pontos fortes do Flickr – compartilhamento e armazenamento de fotos – de uma maneira completamente errada.
E provavelmente o pior de tudo – pelo menos do ponto de vista de negócios: você não podia criar uma conta do Flickr a partir do app. (Na verdade, ainda não pode. Ele manda você para a web para se cadastrar no Yahoo se você quiser se registrar como novo usuário.) Enquanto outros apps atraem usuários para seus serviços web (como o Foursquare, Twitter, Facebook e especialmente o Instagram) o app do Flickr que o Yahoo Mobile lançou não tinha mecanismos para isso. Não era uma ferramenta de recrutamento. Era apenas para usuários existentes.
“Isso foi um enorme descuido”, diz Fake. Isso é um eufemismo. Isso foi na verdade a mãe de todas as merdas.
Enquanto isso, foram surgindo inúmeros novos tipos de apps que conseguiam não apenas tirar fotos por você, mas processar as imagens também. Coisas como o Best Camera e o Camera Bag estavam apresentando aos consumidores a ideia de aplicar filtros automáticos às suas fotos de celular. Pouco mais de um ano depois do Flickr chegar ao iTunes, outro app de fotografia apareceu e funcionava como um Flickr mais rápido. O nome dele era Instagram.
Hoje, a sensação é de que é tarde demais. O iPhone é a câmera mais popular no Flickr, mas a recíproca não é verdadeira. O Flickr não está nem mesmo entre os top 50 apps de fotografia grátis no iTunes. Está abaixo de um clone do Instagram, em 64º lugar. Para efeito de comparação, um app que adiciona gatos com lasers nos olhos está em 23º.
Se você não pode nem mesmo derrotar um gato com lasers, você provavelmente merece perder.
E agora?
As falhas sociais e mobile do Flickr são sintomas do mesmo problema: uma grande empresa tentando se reinventar engolindo as menores, e depois desperdiçando o que tem de melhor. A história do Flickr não é diferente da história do Google comprando o Dodgeball, ou a compra do Brizzly pela AOL. Amados serviços de internet com comunidades dedicadas, esmagados por pedras de empresas destrambelhadas que têm vice-presidentes demais.
Como resultado, o Flickr hoje é um site bem diferente do que era há cinco anos. É um cafundó da internet. Não é socialmente atraente.
Recentemente, o Flickr lançou uma visualização “justificada”, uma maneira de ver as fotos recentes dos seus amigos onde elas estão todas juntas, como peças de um quebra-cabeças. É similar a maneira que o Pinterest expõe imagens. É uma maneira dramática e linda de visualizar as fotos – que destaca ainda mais como as pessoas raramente o atualizam atualmente.
Conforme eu vou descendo a barra de rolagem, eu percebo que cada um dos meus amigos parou de postar. No fim da página eu já estou na metade de 2010. Muitos dos meus amigos sumiram. Parece o MySpace por volta de 2009.
Isso foi só uma observação de um caso, claro, mas eu sigo muitas dessas mesmas pessoas em outras redes sociais (Path, Facebook, Instagram) onde eles tendem a ser bastante ativos. Eu vejo fotos das mesmas pessoas, com os mesmos filhos e os mesmos cachorros – todos parecendo um ou dois anos mais velhos do que no Flickr.
A visualização justificada também serve para destacar quantas das fotos dos meus amigos estão em um formato de quadrado perfeito – um sinal de que uma foto do Instagram foi exportada. Muitos dos photostreams dos meus contatos são feitos apenas por fotos do Instagram. Em outras palavras, são apenas streams duplicados – com menos comentários e atividade – de um conteúdo que existe em sua forma primária em outros lugares. O único motivo pelo qual eles estão ativos no Flickr, é porque eles exportam automaticamente para lá.
Existem outros sinais também. No Stellar.io, um agregador de favoritos que rastreia o que as pessoas estão linkando no Twitter, Youtube, Vimeo e Flickr, os links do último falham em aparecer no meu stream. E claro, tem também aquele gráfico de tráfico da Quantcast que não me deixa mentir.
Apesar dos anos de negligência, a equipe minúscula porém talentosa do Flickr está desesperadamente tentando salvar o navio.
O Flickr começou o ano matando uma série de funções que realmente não faziam sentido – como as Photo Sessions, uma função confusa que permitia que você mostrasse slideshows das suas fotos em tempo real para outras pessoas e que era a cara das coisas do Yahoo. O serviço também está lutando para lançar funções novas, como a visualização justificada e um uploader que roda em HTML 5. Ele substituiu o editor de fotos (Picnik, que antes era do Google e agora já não existe mais) com uma ferramenta em HTML 5 chamada Aviary, que permite que as pessoas façam alterações nas fotos sem sair da página e se dá bem com tablets. E também está exibindo fotos com 1600 x 2048 pixels para membros Pro, para que eles possam aproveitar a tela retina do novo iPad.
O gerente de produto do Flickr, Markus Spiering, diz que sua equipe recebe o que precisa do Yahoo agora. (Claro, você também sabe que ele precisa dizer isso, mas ainda assim é um bom sinal.)
“Nós temos um monte de recursos que também estão dentro da empresa principal. As pessoas que você vê na página ‘Sobre o Flickr’ são a mesma equipe que você vê em San Francisco, mas muito do esforço horizontal é compartilhado.”
E aquele detestável sistema de login que exigia conta no Yahoo? Vai sumir.
“Nós não nos importamos com que tipo de login você vai usar – um ID do Google, Facebook,” ele diz. “Ao mesmo tempo, nós permitimos que você compartilhe suas imagens em vários lugares. Existem vários controles de privacidade consistentes e fáceis de usar, e nós nos vemos como a peça central.”
“É neste sentido que estamos forçando ainda mais o Flickr para uma experiência voltada para fotos, em direção da beleza. Não importa o que você esteja usando, ele leva suas fotos para lá.”
Eles ainda são um desastre no mobile. O app de iOS do Flickr, apesar de ter melhorado em relação ao que foi lançado em 2009, ainda é uma droga. Ele ainda exige que você faça login no Yahoo via Safari, por exemplo. E ele não oferece nem mesmo o mais básico de edição de imagem ou filtros que praticamente todos os outros aplicativos de câmera oferecem.
“Eu posso dizer honestamente que, especialmente no iOS, nós precisamos fornecer uma melhor experiência do Flickr em relação ao nosso próprio app, mas isso é algo que nós estamos trabalhando duro para alcançar”, diz Spiering.
Então digamos que o Flickr finalmente acerte as coisas. Vamos dizer que ele arrume o app, fortaleça a comunidade e finalmente volte para os eixos. A pergunta é: Já é tarde demais?
Ele está sob ataque não apenas do Facebook e Instagram e até do Twitpic e Imgur (até o Imgur, caramba!), mas também do Dropbox, Google Drive, Skydrive, Box.net e similares. Sem mencionar o iCloud e o PhotoSteam da Apple, o Picasa, e sim, até mesmo o Google+, que faz upload de fotos automaticamente a partir de dispositivos com Android na gloriosa resolução completa e com tags geográficas e dados EXIF.
Não parece provável que ele consiga voltar.
O Flickr ainda é bem valioso. Ele tem um enorme banco de dados de fotos com geotags, marcadas por conteúdo, licenciadas com Creative Commons. Mas infelizmente a marcha da incompetência do Yahoo não é um bom presságio para o uso dessas propriedades valiosas. Se a internet fosse realmente uma série de tubos, o Yahoo seria um cano de esgoto vazando, cobrindo tudo que toca com chorume.
A única esperança do Flickr é que o Yahoo perceba o seu valor e decida investir alguns trocados antes que ambos morram. Mas mesmo que isso aconteça, o Flickr tem uma longa estrada pela frente em busca da relevância. As pessoas não tendem a voltar para casas que já abandonaram.
O Flickr ainda é muito bom, e ainda tem uma pequena, mas ativa comunidade. Mas o serviço é adorável da mesma maneira que seria uma caixa de fotos antiga que você guardou embaixo da cama. É um arquivo de nostalgia que você ama profundamente, nas raras ocasiões que tropeça nele. Você pega, coloca na luz e lembra da época em que você era mais novo e a web era um lugar mais otimista, e ele era certamente o melhor aplicativo online de compartilhamento e gerenciamento de fotos do mundo.
E ai você guarda a caixa.
E clica no Facebook para saber o que há de novo.
Imagem do topo: Shutterstock/Vince Clements