Por que a morte de Steve Jobs, em 2011, causou tamanha comoção? Ainda que ele tenha sido um dos maiores visionários tecnólogos da história, diferentemente de líderes pacifistas ou celebridades como Martin Luther King, Gandhi e Jonh Lennon, Jobs era um homem de negócios, um empresário. Com essa reflexão, o cineasta Alex Gibney – vencedor do Oscar de melhor documentário com Um Táxi para a Escuridão – começa seu mais recente filme, Steve Jobs, The Man in the Machine.
O documentário produzido pela CNN Films, com duração de 127 minutos, teve sua premiere mundial durante o South by Southwest, o festival SXSW que acabou neste domingo, realizado na capital do Texas, Austin. Gibney é o narrador e também se coloca no filme, convidando os espectadores a refletir junto com ele sobre a paixão em torno dos produtos da Apple e também sobre o que está por trás da construção desses produtos. O filme aborda a complexidade psicológica do homem que revolucionou o mercado da computação, da música e da telefonia e foi também protagonista de episódios obscuros e nem um pouco dignos de admiração. Muito pelo contrário.
Entre eles, a forma como Jobs enganou seu amigo e co-fundador da Apple Steve Wozniak, quando os dois criaram e venderam um produto para o Atari. Foi Wozniak que, em 1971, criou a blue box, dispositivo que driblava empresas de telefonia e conseguia fazer chamadas gratuitas de longa distância. Essa foi a gênese do desenvolvimento de um tipo de computador mais pessoal, menor, mais leve e acessível.
Em outro episódio, apesar de já ser milionário, Jobs escreveu um documento dizendo que era estéril e, por isso, não podia ser pai da filha que teve com Chrisann Brennan, uma namorada de faculdade. Embora ele soubesse que a criança era dele, só assumiu a paternidade depois de um teste de DNA. E, mesmo assim, só topou pagar cerca de 500 dólares por mês de pensão alimentícia, quando a Apple já valia por volta de 200 milhões de dólares.
Ainda sobre o episódio, o filme conta que Jobs queria que a filha se chamasse Claire, mas como o nome era parecido com o da mãe de Jobs, Chrisann preferiu escolher outro. Os dois resolveram então chamar o bebê de Lisa, nome que também batizou o primeiro computador da Apple. “Jobs não conseguia criar conexões verdadeiras com as pessoas. Por isso, inventou outro tipo de conexão. A que as pessoas têm com seus gadgets”, diz Chrisann em seu depoimento.
O filme destaca ainda o episódio sobre o vazamento do protótipo do iPhone 4, que foi parar nas mãos da equipe do Gizmodo americano. Uma pessoa que testava a versão beta do produto esqueceu o aparelho em um bar. Logo depois, o protótipo foi vendido para o editor-chefe do site na época, Jason Chen, com autorização de Nick Denton, dono da Gawker, empresa que publica o Gizmodo, entre outros sites. Os dois são entrevistados no filme, assim como o repórter Jesus Diaz. Jobs travou verdadeira batalha contra o site e Chen teve a casa invadida por policiais que, segundo o filme, eram de uma organização californiana vinculada às principais empresas do Vale do Silício para fazer investigações corporativas.
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O uso de mão de obra barata na China para aumentar a margem de lucro da Apple sobre o valor de cada gadget, a alta taxa de poluentes gerada pela empresa e ações econômicas duvidáveis para aumentar o faturamento também estão no documentário. Quem leu a biografia de Jobs, assinada pelo autor Walter Isaacson, pode não se surpreender com o lado mais obscuro de Jobs, presente em The Man in to the Machine. Mas a proposta do documentário é exatamente estudar e refletir sobre como a Apple se tornou uma marca amada e desejada, apoiada em campanhas como a da frase “Think different”, ilustrada por figuras como Gandhi, Martin Luther King e Jonh Lennon, tendo práticas nada admiráveis.
O documentário ainda procura mostrar pessoas brilhantes das quais Jobs se cercava e que foram tão importantes quanto ofuscadas por ele na construção de aparelhos que revolucionaram a forma como nos relacionamos hoje com a tecnologia. Um dos depoimentos mais emocionantes é o de Bob Belleville, diretor de engenharia da Apple entre 1982 e 1985. Ele fala da relação de admiração, que era também conturbada, com Jobs e conta como trabalhar ao lado do fundador da Apple era uma experiência intensa e fascinante. Belleville conta que trabalhar na Apple custou seu casamento. Já a viúva de Jobs, assim como a Apple, não quiseram participar do documentário.
The Man in to the Machine mostra a trajetória de Jobs: a fundação da Apple em uma garagem no Vale do Silício e o que ele fez no tempo em que esteve fora da empresa, que quase faliu nos anos 90. Quando esteve afastado, Jobs adquiriu o braço de computação gráfica da LucasFilm, que se tornaria a Pixar, comprada pela Disney, e ajudou a criar a NeXT, que contribuiu para o surgimento do www e a popularização da internet. Mostra ainda a volta triunfal de Jobs, um workaholic perfeccionista e controlador, à Apple, e o crescimento da marca até se tornar a empresa mais valiosa do mundo (avaliada em quase 700 bilhões de dólares em 2015).
Com cenas de um monastério frequentado por Jobs no Japão, o documentário revela o lado zen-budista do empresário, que chegou a pensar em ser monge e tinha como mentor um líder espiritual budista. Há ainda outras curiosidades sobre Jobs, como o fato de ele andar em sua Mercedes sem placa e frequentemente estacionar o carro na vaga para deficientes físicos. Diferentemente de seu rival Bill Gates, Jobs nunca fez qualquer doação ou se envolveu em um programa assistencial, apesar da Apple ser uma empresa bilionária.
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Tudo para revelar a complexidade do homem que aproximou a tecnologia das pessoas comuns e refletir sobre o fascínio em torno dele e de suas criações. Por enquanto, a previsão é que The Man in the Machine vá ao ar pela CNN até início do ano que vem. Mas com a premiere no SXSW, algum distribuidor pode se interessar em exibir o documentário antes disso. De qualquer forma, outro filme sobre o fundador da Apple estreia ainda este ano nos cinemas, com direção de Danny Boyle, e o ator Michael Fassbender como protagonista. Antes dele, Ashton Kutcher interpretou Jobs no filme de mesmo nome. Diferentemente do personagem do qual trata, Jobs não causou a menor comoção.
Mariana Castro e Leandro Beguoci estão cobrindo o SXSW como enviados especiais do Gizmodo Brasil
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