Imagine a seguinte situação: você é uma pessoa que adora determinado produto. Com o passar do tempo, a admiração torna-se quase uma reverência. Você passa a compartilhar com os amigos suas opiniões sobre o produto, fala de seus benefícios e de suas vantagens. Mais do que o próprio produto, você passa a defender a marca, achando que o produto pode melhorar ainda mais, procura formas na internet de falar com a empresa para contribuir com suas ideias. Você interage com o site da empresa e acompanha as poucas ações que ela faz nas mídias sociais. Descobre que ela tem outros produtos legais que você não conhecia e passa a consumi-las.
Mostrando intimidade e confiança na marca, você passa a escrever de vez em quando em fóruns diversos na internet sobre os produtos que tanto admira. As pessoas gostam de suas opiniões e do jeito como você se expressa. Com entusiasmo e motivação, você cria uma conta no Twitter e fala sobre o produto e a marca. O número de seguidores de seu Twitter aumenta e, de repente, você tem uma ideia: já que escreve sobre determinada empresa, por que não colocar o logo dela como seu avatar?
Você gosta da ideia. Pesquisa na internet, copia a imagem, tira a sua fotografia do Twitter e a substituiu pelo logo da empresa. Você continua escrevendo sobre os produtos e a companhia. O número de seguidores vem crescendo regularmente. Você sempre escreve posts positivos, dando dicas e referências.
Várias semanas depois, você recebe um contato da empresa. Fica entusiasmado achando que finalmente irão reconhecê-lo como um parceiro e um cliente especial. O contato telefônico acontece e, do outro lado da linha, se apresenta um advogado informando que você agiu de forma inadequada ao usar o logo da empresa numa conta pessoal no Twitter. Você se justifica, mas o advogado representante da empresa alega que suas mensagens no Twitter têm alcance público e que você não pode se posicionar como representante da marca no mercado. Ele cita que isso é um “uso indevido da marca”, com evidente impacto na reputação da marca e desalinhado com os interesses da companhia. Ele pede que você retire imediatamente o logo de sua conta do Twitter.
Consternado, sem entender muito bem a forma como a empresa resolveu fazer essa abordagem, você retira o logo e resolve deixar em branco. Passa um dia sem escrever. Desmotivado com a situação, você não alimenta o Twitter durante alguns dias. No supermercado, você pensa duas vezes antes de ir à prateleira para comprar o produto. Olha a prateleira, reflete e resolve comprar um produto concorrente. A conta do Twitter fica parada. Trinta dias depois você passa a usar produtos de outras marcas, ainda magoado com aquela experiência com sua marca favorita, aliás, ex-marca favorita. Então, você decide cancelar a conta no Twitter, pois está inativa. Resolve se livrar do incômodo.
A história acima não é real. Mas poderia ser. Ela foi inspirada num fato real publicado recentemente: uma empresa obrigou um suposto admirador da marca a retirar o logo da empresa em sua conta do Twitter. Veja aqui essa história real. Vale muito a pena.
As empresas estão enfrentando situações imprevisíveis e surpreendentes. Da mesma forma que uma empresa pode ter um fã alucinado escrevendo maravilhas a respeito dela, também pode ter um cliente insatisfeito azucrinando sua imagem e relacionamento com o mercado. As mídias sociais perturbam a “paz” das empresas, colocando-as sistematicamente sobre telhado de vidro e desafiando as formas tradicionais de relacionamento com o mercado e com os consumidores.
Clientes fãs da marca fazem coisas inesperadas e as empresas precisam saber lidar com isso. Externar o amor e a admiração por uma marca extrapola as questões tradicionais de proteção à marca que nós, profissionais de marketing e comunicação, estabelecemos para nós mesmos. Que mal faz se um fã desenha um coração, cola em cima da sua marca e resolve criar um blog tendo isso como símbolo? Certamente ele estará diametralmente em desacordo com as regras corporativas de uso do logo, bem como escreverá coisas que farão o executivo de comunicação não dormir e exigirão umas boas horas de reuniões internas para ver o que fazer com aquilo. As empresas terão que ser mais flexíveis e tolerantes, passando a curtir e preservar tais demonstrações de paixão e carinho. E, sabe de uma coisa? Isso tudo está só começando.
Por Mauro Segura, autor do blog A Quinta Onda, onde escreve sobre comunicação e comportamento na era da sociedade digital.
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