Foi-se o tempo dos atores fantasiados, do zíper aparecendo na TV ou dos monstros amarrados por cabos transparentes. Agora é hora do novo “Godzilla”, um espetáculo de proporções gigantescas, muita correria e aqueles confrontos tamanhos família capazes de fazer o cinema tremer e plateia delirar. Afinal, o que se esperar de um filme dedicado a monstros destruindo cidades? De cara, um aviso: deixe o 3D de lado e economize, não faz a menor diferença.
A paixão pelos monstros japoneses formou diversas gerações e, felizmente, não deve acabar tão cedo. Entretanto, essa paixão não se traduz em boas bilheterias nos Estados Unidos. O exemplo mais recente é o divertido “Pacific Rim”, de Guillermo Del Toro, que teve péssimo resultado a despeito do bom ambiente e da história simples, mas efetiva.
Bom, o que esperar de um filme com cenário principal em Hong Kong, cheio de estrangeiros, dirigido por um mexicano maluco e que não tem os norte-americanos como heróis? É aí que “Godzilla” tenta acertar, ao se apropriar do conceito do monstrão e colocar toda a carga arquetípica dos Estados Unidos tanto na ambientação quanto na resolução do problema.
É um festival de apropriações. O recente desastre na usina de Fukushima é um dos paralelos, assim como a mensagem original anti-nuclear e alguns elementos históricos, como os diversos testes nucleares no Pacífico depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Tudo para justificar a existência de uma criatura gigantesca e ancestral, que precisa ser destruída pelo simples fato de existir e, bem, ser “gigantesca e ancestral”. É aí que entra a outra mensagem, de cunho ambiental. De qualquer forma, tudo isso é pano de fundo para um confronto colossal.
O diretor Gareth Edwards e Bryan Cranston no set
E ele demora. Demora muito. Quem reclamou do tempo que o “King Kong” de Peter Jackson demorou para aparecer em cena, pode levar os tomates para demonstrar indignação. Fosse a primeira aventura da franquia, talvez o roteiro de Max Borestein e argumento de Dave Callahan (cujas credenciais são o abominável “Doom” e os explosivos “Os Mercenários” 1 e 2) funcionasse melhor, mas todo mundo sabe que o Godzilla vai aparecer e os trailers fizeram o favor de mostrar o bicho sem o menor pudor.
Aliás, essa é uma discussão válida na produção atual: vale a pena trabalhar pesado numa reviravolta ou numa revelação de personagem/elemento-chave se o marketing, ou os spoilers, vai jogar tudo no ventilador?
Roteiros são avaliados e comercializados partindo do pressuposto que vão gerar bons filmes, que fazem sentido e serão capazes de cumprir a promessa inicial. Logo, o roteirista precisa construir a melhor história possível, tentando surpreender o leitor (seja a secretária do produtor, que é a primeira a ler, até o executivo do estúdio) e provocar reações nesses sujeitos. Claro que, em filmes menores e comandados pelo produtor, tudo vai ser remodelado, cenas invertidas e mudadas de lugar, personagens mesclados e etc, mas o objetivo do roteirista sempre é contar uma história.
“Godzilla” tenta acertar ao se apropriar do conceito do monstrão e colocar toda a carga arquétipica dos EUA tanto na ambientação quanto na resolução
Por outro lado, quem controla o produto final quer maximizar o resultado do produto e apela, sem o menor peso na consciência, de todas as formas para “criar awareness”. Fazer com que o público espere pelo seu produto é uma coisa, sobrecarrega-lo sem necessidade é outro totalmente diferente. Quem perde, no longo prazo, é o próprio estúdio, que vai prejudicando a relação com o espectador e, eventualmente, vai perder a atratividade, afinal, para que ir ao cinema ver um filme se já foi exposto a tantos clipes, cenas iniciais, fotos, mais clipes e etc?
Gareth Edwards e Ken Watanabe no set
Por outro lado, há os spoilers. Há algumas semanas, quando assisti “O Espetacular Homem-Aranha 2”, a Sony enviou um e-mail bem simpático pedindo para que não revelássemos o final. Já somos revistados, proibidos de levar o telefone celular para dentro da sala, vigiados com câmeras de visão noturna, precisamos assinar embargos e sabe se lá mais o que para ter acesso a filmes e entrevistas, agora não confiam nem mesmo o fim dos filmes à imprensa.
Aí, na primeira sessão para fãs, todos os spoilers vazam; na primeira exibição na Indonésia, alguém entra com uma RED para filmar (ok, exagero, mas você entendeu!) e, antes disso, alguém da empresa que está fazendo a autoração já copiou e passou para os amigos (existe um mercado negro gigantesco de troca de favores aqui) inevitavelmente, tudo vai inundar os torrents, o Twitter, o Facebook e os sites de memes. Não há mais controle.
Além disso, parece que os estúdios supervalorizam o poder de fogo da grande mídia, que já perde feio para as redes sociais. Basta ver o tamanho da repercussão da foto do novo Batman, que não foi anunciada à Vanity Fair ou Hollywood Reporter, mas sim divulgada diretamente pelo Twitter de Zac Snyder.
É um cenário tão catastrófico quanto um monstro gigante derrubando prédios como se fossem castelos de areia. Logo, “Godzilla” já perde o elemento de surpresa e precisa apostar na ansiedade e na construção de ambiente para que o espectador torça por duas coisas: o surgimento do monstro e pancadaria!
O artifício favorito do diretor Gareth Edwards foi o ponto de vista humano, o que significa câmera no chão – ou voando – observando as criaturas desesperadas ao redor
O roteiro optou pelo estilo Rocky Balboa de construção, ou seja, a Humanidade vai apanhar um bocado até encontrar um modo de lutar. E aí as gargalhadas começam, pois ver a toda-poderosa Marinha dos Estados Unidos incapaz de fazer qualquer coisa e ainda navegando em formação com o Godzilla é hilário! Tudo vira galhofa, o que não é de todo ruim, afinal, a diversão é o objetivo.
Mas ouvir a trilha sonora ficar tensa e profunda toda vez que o honorável e fantástico Ken Watanabe – o cientista pé no chão e preocupado com a moral e o futuro da Humanidade – aparece e solta diálogos saídos de um livro de “Momentos de Sabedoria Ambiental e Histórica” gera aquelas risadas involuntárias de tão batido. Ele é tão desperdiçado quanto Bryan Craston, que vai levar fãs de “Breaking Bad” ao cinema e ao ódio supremo. O outro nome conhecido do elenco é do versátil David Strathairn, que também aparece pouco e não convence.
“Godzilla” é um filme focado em nossas reações perante o surgimento de monstros que consomem energia nuclear e querem, como todo bicho de filme do gênero, se procriar e fazer mais monstrinhos. O artifício favorito do diretor Gareth Edwards foi o ponto de vista humano, o que significa a câmera lá no chão – ou voando – observando as criaturas conforme o cenário ao redor se modifica e portas se fecham.
Falta uma estética coerente e, por falar em coerência, as reações das pessoas também geram risadas. O que fazer quando um monstro gigante está vindo para a cidade? Fique no meio da rua esperando ele pisar em você! Um monstro vai escapar de uma instalação de pesquisa, quem você manda para pará-lo? Os bombeiros, claro!
Toda a galhofa e clichês pelo menos servem para valorizar o pouco tempo de tela do monstrão
Quando Godzilla aparece e a briga começa, o filme ganha um ritmo interessante e vira uma partida de futebol. Escolha um lado e torça. Muita gente bateu palmas ao meu lado e tudo se transformou numa experiência coletiva.
Nesse aspecto, toda a galhofa e clichês elevados à enésima potência serviram para valorizar o pouco tempo de tela do monstrão. Ele virou coadjuvante de seu próprio filme? Sim, mas funcionou quando apareceu e tirou aquele gosto amargo da pataquada de Roland Emmerich.
Assista com os amigos, leve muita pipoca e entre no espírito, afinal, tudo começa com fotos de um monstro gigantesco que parece uma ilha navegando pelo pacífico.
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Fábio M. Barreto gosta de “Godzilla vs Mothra”, delirou com as lutas, mas sabe que o roteiro é ruim de doer. É jornalista, autor de “Filhos do Fim do Mundo” e produz o canal de YouTube “Barreto Unlimited”
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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