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Laura Andrade é publicitária e trabalha no planejamento da Escala, em Porto Alegre.
Se tem uma coisa que tenho pensado muito ultimamente é sobre o mercado da comunicação e a pesquisa acadêmica trocando informações e bebendo da mesma fonte para responder suas maiores dúvidas. Principalmente em relação ao futuro. Esse é um movimento que me interessa muito. Inclusive pela experiência na pesquisa acadêmica que tive na universidade e, claro, por hoje trabalhar em uma agência.
Quando comecei o curso de Publicidade & Propaganda (na UFRGS) já ouvia muita gente dizendo que a faculdade não serviria para (quase) nada se a minha intenção fosse “ser publicitária”. Diziam que a metodologia era atrasada e que no mercado “as coisas eram completamente diferentes”. E de fato, foi o que eu comecei a ver: fora as cadeiras práticas, parecia que, trabalhando com propaganda, eu nunca colocaria em prática o que ensinavam na universidade. Além disso, conheci muita gente competente que sequer possuia formação em comunicação. Nesse momento entendi porque não precisávamos do “canudo” para sermos publicitários. Era uma profissão que exigia muita prática e dedicação: muito mais “perna” do que “cabeça” (por favor, não quero dizer que para ser publicitário não é preciso pensar, mas sim que, aparentemente, o contato com o lado acadêmico era em grande parte desnecessário).
Depois de uns 4 anos atuando no mercado (e mais um ano de mergulho na pesquisa acadêmica em Cibercultura), voltei a trabalhar em uma agência. E só então comecei a perceber o que (na época da faculdade) não havia visto: o mercado e a academia estavam finalmente conversando e bebendo da mesma fonte.
Claro, não sou nenhuma especialista nisso… mas ainda assim especulo: essa (melhor) fluidez entre o mercado e a academia foi fruto dessa revolução digital? A internet contribui para essa ligação entre os dois universos? Me parece que sim. Pois são tantas mudanças acontecendo em todos os campos (comunicação, business, comportamento, relacionamentos interpessoais, dinâmica das cidades, política, etc) que tenho a impressão que toda a incerteza e insegurança sobre como agir, se comunicar, resolver os novos desafios e encontrar o caminho ideal para o futuro faz com que esses dois mundos (mercadológico e acadêmico) busquem novos meios de entendimento e a percepção de que é necessário aprender um com o outro.
Minha impressão era que a pesquisa acadêmica, cheia de regras, paradigmas e muita seriedade, parecia desprezar o mercado da comunicação (como ele realmente é) e até mesmo considerá-lo sem o valor necessário. Talvez porque, vendo de dentro de uma universidade, o estudo científico dá a impressão de que o que acontece no dia a dia da propaganda seja raso e superficial. Mas isso não é verdade. O mercado nos ensina tudo mais no estilo “à queima-roupa”: coisa que nenhuma academia chega perto. Porém a academia, minuciosa, parece ter pescado um pouco antes o que o mercado vem colocando em prática há pouco: a internet não é uma tecnologia, ela é um modo de viver. Uma forma de fazer o mundo andar. Sabemos que o mercado por muito tempo viu a internet apenas como se ela fosse “mais uma mídia”. E no meio acadêmico ela sempre foi um fenômeno social (e não só tecnológico), estudado há bastante tempo.
A Cibercultura – que resumidamente pode ser entendida pela parte social da tecnologia, como se dá o impacto e as relações da sociedade com as novas tecnologias – tem se mostrado um campo extremamente fértil. Seu diferencial parece ser o fato de estudar os fenômenos sociais da tecnologia quase em tempo real. Diferente de outras áreas de pesquisa, a Cibercultura está up-to-date com os acontecimentos do mercado. Por exemplo: já temos livros e pesquisas científicas sobre o Twitter há tempos. Memes, rede, colaboração, nicho, crowdsourcing: a internet está sendo dissecada por todos os lados na academia e isso também está acontecendo no mercado.
“A revolução não acontece quando a sociedade adota novas ferramentas. Acontece quando a sociedade adota novos comportamentos.” Clay Shirky
A surpresa desse encontro da academia com o mercado? Teóricos, sociólogos, filósofos que há muito embasam a pesquisa acadêmica em comunicação são os mesmos que estão aparecendo nas palestras, discussões e trabalhos inovadores que vemos no mercado. Pode ser só uma realidade próxima a mim, mas tem muito publicitário hoje estudando a pós-modernidade, a cultura de nicho, a colaboração, o conhecimento coletivo, o conflito geracional pós-era digital, a sociedade em rede. Exatamente o que a pesquisa em Cibercultura vem estudando há mais de uma década. Chris Anderson, autor da “Cauda Longa“, é um bom exemplo: aparece com a maior naturalidade em trabalhos acadêmicos e também por trás de movimentos mercadológicos. O guru do transmedia storytelling, Hery Jenkins, também (quem nunca viu uma palestra ou um post em blog de comunicação sobre storytelling?). Bauman, sociólogo da modernidade líquida, é pop. E o conceito de inteligência coletiva, de Pierre Lèvy, também aparece muito na defesa de trabalhos que usam plataformas colaborativas. Clay Shirky, citado em trabalhos de pesquisa em cibercultura apareceu na apresentação do IBOPE Mídia no Maximidia 2010. Até a tendência atual de buscar o equílibrio depois de tanta overdose de tecnologia aparece nas tendências em comunicação, como no trabalho apresentado pela JWT “10 trends that will shape the world in 2011” e no livro da pesquisadora do MIT, Sherry Turkle, “Alone Together“.
Esse caminho trilhado junto pela academia e pelo mercado na tentativa de explicar o que está acontecendo (e o que vai acontecer) com as pessoas e com o mundo e em meio a esse turbilhão representado pela chegada (estabelecimento e evolução) da internet tende a ser cada vez mais rico e cheio de surpresas boas. Parece que não tem como retroceder. O mundo mercadológico e o mundo acadêmico estão conversando quando o assunto é comunicação. E isso tem que ser comemorado.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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