Se você andou viajando por Jupiter nos últimos 3 anos, talvez não tenha ouvido falar de uma nova vertente de produção que já causou muita controvérsia e já se firmou como algo viável: a impressão 3D doméstica. Impressão 3D, ou produção por adição de material (ao contrário da atual produção por remoção), é algo que já existe há 30 anos. Mas somente as grandes como 3D Systems e Stratasys detinham o mercado e somente para impressoras industriais de mais de 100 mil dólares. Elas eram como a IBM dos anos 70.
E assim como a revolução dos desktops que empresas como Microsoft, Compaq, Apple, Dell ajudaram a fundar, agora é a vez de startups como a MakerBot e Form Labs (um dos projetos do Kickstarter de maior sucesso em sua categoria) entraram em cena para trazer as impressoras 3D domésticas, da categoria de abaixo de USD 2 mil, o que as tornariam acessíveis não só a hobistas como ao consumidor comum no futuro.
“Mas impressão 3D é apenas para nerds.” E assim também era a idéia de um “computador pessoal em cada casa” no fim dos anos 70. Esta é a premissa do documentário “Print the Legend” que foi produzido e lançado pela Netflix agora no dia 26 de setembro de 2014.
Devo dizer que me deixa um pouco nervoso o fato de a “revolução 3D” parecer não ter atingido os patamares de uma Apple II do meio da década de 80, e mesmo assim já existir um documentário a respeito. Por outro lado este documentário não é sobre explorar e definir o que é o processo de manufatura de produtos, as diversas técnicas de impressão 3D, laser, etc. Mas sim é explorar o que acontece quando o idealismo da startup de garagem se torna realidade e ele atinge níveis de uma Apple no começo dos anos 80?
A confusão é óbvia durante as entrevistas com ex-empregados da MakerBot, sobre como eles agora odeiam seu CEO e co-fundador, Bre Pettis. Como sua visão original de garagem, de uma empresa voltada ao código-aberto e ao hardware aberto de repente recebe investimento e alavanca dos típicos Brad Felds e agora ela começa a subir de uma pequena garagem de 12 pessoas para uma corporação de 200, 600 e mais pessoas.
Amigos se tornam inimigos (aliás, amigos sempre se tornam os piores inimigos), pessoas saem desiludidas, traumatizadas, decepcionadas, crueldade e autoritarismo acontecem como rotina. Pelo menos é o que os que saíram sempre vão dizer.
Quanto disso é verdade? Nunca vamos saber. A verdade sempre tem 3 versões: a que eu conto, a que você conta, e a que realmente aconteceu. Pessoas começam startups, normalmente, para serem os anti-sistema, para serem os rebeldes, os que que não se encaixam, os que querem fazer diferente e mudar o jogo. Chega a ser “fofo” esse nível de idealismo ingênuo, e isso é necessário pois se você não acreditar que isso pode acontecer, não vai mesmo, é um requerimento pensar assim até certo ponto.
Porém, eu chamo de “ingênuo” porque nos raríssimos casos como a da MakerBot (e talvez no futuro a Form Labs, já que ela está trilhando o caminho da MakerBot ao receber seu gordo Series A recentemente), se você realmente for extremamente bem sucedido em mudar o sistema, virar o jogo, então a partir desse momento você se torna o novo sistema, o novo jogo, o novo alvo. Você será agora o sistema a ser combatido, a ser vencido.
A Apple era a contra-movimento à IBM nos anos 80. Hoje ela se tornou extremamente bem sucedida e acabou por se tornar o novo sistema. Enquanto no anos 90 achávamos que a Microsoft seria a sucessora da IBM, no século XXI descobrimos que a Apple é que tomou esse papel.
Cabe a uma nova startup de garagem reiniciar um novo jogo. A parte mais interessante do documentário “Print the Legend” é como ela demonstra exatamente esse drama, do começo até agora, de uma startup que está trilhando essa maldição. De como Bre Petties passou de líder de uma comunidade aberta de makers ao “traidor” do movimento e como a pequena startup de garagem MakerBot atingiu seu sucesso: foi adquirida pela 2a maior desse mercado, Stratasys, e com isso foi bem sucedida em crescer o negócio.
Sem dar muitos spoilers, alguém mais para o fim menciona que fundadores, empreendedores, CEOs de sucesso sempre falam sobre o “sacrifício” que foi chegar onde estão. A maioria das pessoas pensa que sacrifício é trabalhar longas horas, ou deixar de ver a família por longos períodos, ou passar mesmo por complicações de processo. Mas na verdade o sacrifício ao que eles podem estar se referindo é sobre quebrar sua própria identidade, trair seus próprios princípios, e cruzar as linhas que jurou que nunca cruzaria. E a verdade é que os raros grandes casos de sucesso, as Microsofts, as Apples, as IBMs, agora talvez as Stratasys, demandam que isso aconteça.
O ciclo vai se reiniciar, e em breve uma nova startup rebelde de garagem vai se despontar e jogar esse mesmo jogo e, em breve, se tornará o novo sistema a ser batido. Esse é o ciclo das startups de sucesso. Estas são exatamente as regras do jogo do grande “sucesso”.
Foto de abertura: fb.com/printthelegend
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