Após um ataque terrorista é comum ouvirmos de políticos e governantes discursos para intensificar a vigilância. O medo e o luto podem nos levar a “soluções” rápidas que têm consequências significativas; como dissemos semana passada, alguns dos poderes mais amplos de segurança e da aplicação da lei ao redor do mundo foram idealizados à luz de tragédias então recentes.
É por isso que o que temos ouvido essa semana (à luz do ataque à Charlie Hebdo) nos preocupa. Na sexta, o Primeiro Ministro francês Manuel Valls sugeriu que “será necessário tomar medidas mais amplas” para conter a ameaça terrorista, apesar do fato de a inteligência francesa ter coletado “documentos de inteligência” sobre os terroristas suspeitos e de uma lei antiterror draconiana ter sido aprovada em novembro. Como nossos colegas alemães apontam em uma declaração conjunta, a França já tem algumas das medidas de segurança mais rigorosas da Europa.
Embora Valls também tenha dito que nenhuma lei deva ser “feita com pressa”, nossos amigos do grupo de apoio La Quadrature do Net repararam que nos dias seguintes ao ataque, o governo notificou Bruxelas (como exigido por lei) de seu intuito de bloquear administrativamente sites que incitem, glorifiquem ou justifiquem o terrorismo, sem revisão judicial sob a LOPPSI. O decreto foi submetido com status de emergência para permitir que o governo francês desapareça com qualquer site que julgue ser inadequado.
Na vizinha Grã-Bretanha, o chefe de inteligência doméstica Andrew Parker demandou maior autoridade para espiões a fim de conter o extremismo. Na quinta, Parker “alertou contra uma atmosfera na qual ‘a privacidade era tão absoluta e sagrada que os terroristas e outros com o intuito de nos machucar puderam operar com confiança, na surdina, sem medo de serem pegos.’” O Primeiro Ministro David Cameron prosseguiu na segunda ao dizer que, se ele vencer as eleições, “aumentará o poder das autoridades de acessar os detalhes das comunicações e seu conteúdo,” de acordo com a BBC.
Em seus comentários, Parker também aludiu à cooperação com empresas da Internet. No Reino Unido, os provedores já cooperam imediatamente com a justiça; recentemente, eles concordaram em acrescentar botões de alertas para conteúdo terrorista, mas o governo do Reino Unido continua a pressionar por mais colaboração dos intermediários.
As autoridades italianas planejam uma nova legislação que permitirá ao governo apreender passaportes de suspeitos de viajarem à Síria para se juntar ao ISIS. O Ministro do Interior, Angelino Alfano, declarou na sexta que a Itália também precisa de “maior acesso às conversas online entre os extremistas”, demandando ajuda das empresas de Internet para oferecer ao governo italiano formas melhores de obter esse acesso para criar uma “lista negra” daqueles que representem uma ameaça à segurança.
Políticos dos Estados Unidos também evocaram o ataque à Charlie Hebdo em uma tentativa de justificar os programas de vigilância que já existem. Um relatório do National Journal resumiu as declarações públicas dos senadores republicanos em um deles, da Senadora Lindsey Graham (R-SC), lê-se:
“Temo que as habilidades da nossa inteligência, aquelas projetadas para prevenirem que um ataque do tipo aconteça embaixo ao nosso redor, estejam se deteriorando rapidamente. Acredito que a nossa infraestrutura nacional projetada para evitar esses tipos de ataques de acontecer esteja sitiada.”
Vigilância em massa não infringe apenas a nossa privacidade, mas também o nosso poder de falar livremente. Como um estudo recente da PEN American descobriu, para escritores do mundo inteiro a vigilância tem o efeito de calar. O conhecimento, ou mesmo a percepção da vigilância, pode levar escritores a pensarem duas vezes antes de tocar em um assunto muito grave.
Vamos resistir às tentativas de usar esse momento trágico como uma oportunidade para avançar leis que aumenta os poderes de vigilância. A liberdade de expressão só prospera quando também temos o direito à privacidade.
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