por Flávio Cardozo Jr.
O “Aprendendo a Crescer”, desenvolvido na Alemanha e adaptado ao Brasil pela UFSC, também ensina às empresas a mobilizar o conhecimento dos colaboradores
São duras as condições em que pequenas e médias empresas (PMEs) atuam. Imersas em um ambiente econômico marcado pela competição exacerbada e pelo ritmo vertiginoso da inovação tecnológica, e não raro sendo obrigadas a verdadeiros malabarismos para superar as alterações da legislação, a carência infraestrutural e os humores do mercado, essas organizações precisam ainda manter-se atentas para não se perderem pela falta de planejamento e foco. Em outras palavras: as PMEs costumam dedicar a maior parte de sua energia à simples tarefa de sobrevivência, lidando com questões do dia a dia, sem que possam ceder tempo, recursos financeiros e pessoal para o planejamento a médio e longo prazos. Se a administração é eficaz, a empresa tem boas possibilidades de seguir saudável por vários anos. Mas só isto não basta para lhe garantir a permanência no mercado. Muitos empreendimentos dele são alijados não porque são mal administrados, mas porque seguem um padrão de comportamento que, embora satisfatório no presente momento, lhes impedirá, mais tarde, de identificar mudanças de mercado, adaptar-se a elas e encontrarem formas próprias de se manterem competitivas. Mas é possível a uma PME potencializar seu patrimônio material e humano, ganhando com o tempo força e escala para crescer e se consolidar, em meio às turbulências do mercado. O cerne da questão é a gestão do conhecimento e, de forma mais específica, o conhecimento compartilhado, algo que os empreendedores, no afã de solucionarem questões emergenciais, costumam relegar a segundo plano.
Exatamente para proporcionar às empresas essa possibilidade de autoconhecimento, condição básica para que se possa saber o que se quer do futuro, é que o Departamento de Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está trazendo da Alemanha o método “Aprendendo a Crescer”, que tem proporcionado ótimos resultados aos pequenos e médios empreendimentos sediados do outro lado do Atlântico. O método insere-se no âmbito do Projeto Dynamic Small and Medium Enterprises (Dynamic SME), parceria iniciada em abril de 2011 entre a Wiesbaden Business School, da Alemanha, e a UFSC, e também entre aquela e a Universidade Autônoma de Madri (Espanha) e a Universidade Nacional de Rosario (Argentina), com duração estimada em cinco anos.
A origem do método já é por si um excelente indicador. A Alemanha é o carro-chefe da Europa, ancorada numa economia em que 98% das empresas possuem menos de 500 empregados e em que 41% das mercadorias e serviços produzidos pelo país são direcionados ao exterior, segundo o governo germânico. As empresas alemãs, sejam grandes, médias ou pequenas, nascem vocacionadas para a elevada competitividade globalizada, tendo na gestão do conhecimento e na inovação tecnológica poderosos trunfos – não por acaso maravilhas como o sistema de freios ABS e o air bag foram projetadas e desenvolvidas por empreendimentos de pequeno porte, e só mais tarde suas patentes foram adquiridas por gigantes do setor automobilístico. Com o auxílio da RKW (o equivalente alemão do Sebrae brasileiro), a Universidade de Wiesbaden coordenou o início do “Aprendendo a Crescer” na Alemanha, com foco na racionalização e inovação, atuando junto a 24 organizações, depois de analisar 124 candidatas. A implantação do método foi concluída com êxito em abril de 2010.
Pode-se argumentar que as realidades brasileira e alemã são diferentes e que, a princípio, um método bem-sucedido lá pode fracassar por aqui. Justamente por isso é que a atuação da UFSC é decisiva, pois cabe a ela adaptá-lo às peculiaridades do ambiente econômico nacional e formar consultores capazes de orientar os empreendedores interessados em se engajar no projeto. A supervisão do programa é realizada pelo professor doutor alemão Klaus North, da Wiesbaden Business School, mentor do método, e pelo chefe do Departamento de Engenharia e Gestão, professor Gregório Varvakis, especializado em Gestão de Processos e Gestão de Organização de Serviços e coordenador no Brasil do Dynamic SME. A execução do programa é realizada por dois alunos doutorandos da UFSC e pesquisadores seniores do Dynamic SME, Emílio da Silva Neto e do peruano Guillermo Dávila, que estiveram por três vezes na Alemanha, observando as aplicações práticas do “Aprendendo a Crescer”. O engenheiro mecânico Neri dos Santos, pós-doutor em Engenharia Cognitiva e professor honorário da UFSC, como é também orientador de Emílio, participa subsidiariamente do projeto.
A incorporação do método pelas empresas brasileiras é facilitada pela forma como ele próprio nasceu. Como o projeto foi criado a partir da crise europeia, há ênfase na superação de problemas, por parte da empresa, em meio a um ambiente econômico turbulento. Não por acaso, 25 empresas sediadas na região da Catalunha (País Basco espanhol) estão interessadas no programa.
De acordo com o “Aprendendo a Crescer”, a empresa precisa, antes de mais nada, conhecer-se, o que implica conhecer cada um de seus colaboradores, para que assim possa gerir o conhecimento de cada um deles, compartilhando-o com os demais. Sabendo de suas potencialidades, em que situação está em relação ao mercado e o que pretende do futuro, essa empresa buscará, pela integração de todos, os meios necessários para se transformar e se adaptar a novas exigências. Do ponto de vista prático, isto pode significar a aquisição de equipamentos para um novo método de produção, uso de materiais alternativos mais baratos e eficientes, a expansão da clientela, parcerias com novos fornecedores, investimentos em um novo nicho de mercado, redução de custos em decorrência de maior racionalidade operacional, ou maior qualidade por meio da especialização dos colaboradores. É preciso ousar, sem aventureirismo. Ou, como diz Guillermo Dávila, “é importante que a empresa aprenda a aprender, que perca o controle de forma controlada, que abandone o comodismo e passe a tomar iniciativas planejadas que possam, mais do que mantê-la financeiramente saudável, torná-la capaz de competir em alto nível.
Como na história que ensina que um mesmo ideograma chinês pode significar tanto crise como oportunidade, a crítica situação da economia europeia também serviu para que diversos empreendedores compreendessem que estavam diante de uma boa chance de reinventarem seus negócios. “Com os negócios em baixa e, consequentemente, com mais tempo livre, os alemães perceberam que essa situação poderia facilitar outras iniciativas, como investir na maior qualificação dos funcionários por meio de cursos de especialização ou promover uma integração e engajamento de toda a equipe, já que a sobrevivência da empresa e o anseio por melhorias eram objetivos de todos”, explica o professor Klaus, da Alemanha, por telefone. Neste contexto, o conhecimento tácito, aquele que cada colaborador possui, torna-se mais importante do que o que já está consolidado nos manuais da empresa. A tarefa é compartilhar esse conhecimento entre todos, para que se torne explícito, e a empresa possa utilizá-lo rotineiramente como um conhecimento organizacional. “O empresário não precisa ser o goleador que decide cada jogo, mas o treinador (coach) de uma equipe em que cada atleta tem muito a oferecer para que se alcance a vitória”, compara Klaus. O gerenciamento de competências, de várias delas, é o que vai tornar a empresa dinâmica.
É imperativo que conhecimento e tempo sejam considerados recursos tão ou mais importantes quanto dinheiro ou instalações físicas de uma fábrica, por exemplo. Por paradoxal que pareça, dinheiro de sobra às vezes pode ser um problema. Sem o devido conhecimento, o dinheiro pode ser mal aplicado, vindo a acarretar dívidas impagáveis no futuro. Instalações muito grandes podem demandar gastos desnecessários, sem que haja uma contrapartida satisfatória na produção. Mas, como lembra Gregório Varvakis, “o conhecimento é o único recurso que cresce à medida que é utilizado mais intensamente, ao contrário da água, da energia, dos minerais ou de qualquer outro insumo requerido pela economia”. Sua produção compensa largamente os investimentos. “O que acontece é que o empresário, quase sempre, está preso às questões rotineiras, ele vai tocando o negócio, sem tempo para estudar a fundo o ambiente em que está inserido e sem as condições adequadas para aumentar sua competitividade”, analisa Varvakis. É como se o empresário ficasse ao rés do chão, vendo apenas a árvore, sem condições de obter a real dimensão da floresta. “As PMEs não podem ser meras copiadoras de produtos feitos em outros lugares. Para sobreviver e crescer, elas precisam inovar, e isso é muito difícil quando grande parte das decisões está concentrada nas mãos de uma só pessoa, ou de poucas. Para piorar, não é raro que o empresário também concentre parcela expressiva de decisões operacionais”, explica o professor Varvakis.
Este tempo adicional para o pensar, segundo o professor Emílio, permite ao empreendedor avaliar sua situação. “Acompanhamos o caso de um empresário alemão que reclamava de não poder jamais deixar os negócios de sua empresa. Nessa situação, ele mal podia acompanhar as tendências do mercado, produzia sem inovar. A partir do momento em que os colaboradores passaram a intercambiar seus conhecimentos e o poder de decisão tornou-se mais pulverizado, a empresa passou a funcionar quase que por ela mesma. Este empresário conseguiu então o tempo necessário para viajar e aprender sobre o que estavam fazendo concorrentes de outras regiões da Europa”, exemplifica Emílio.
O fundamental, nas palavras de Gregório Varvakis, é que o método se baseia num conceito substancial, capaz de fazer enorme diferença mesmo sob condições econômicas adversas: a quebra de paradigmas. “O empresário precisa ter em conta que é preciso ter metas definidas, e atingi-las a partir de um conhecimento compartilhado, organizacional.” Condição indispensável para tanto é a satisfação de seus colaboradores. “O colaborador precisa ver reconhecido o seu conhecimento como profissional e também sua capacidade de produzir mais conhecimento. Ninguém quer ficar fazendo a mesma coisa a vida inteira”, diz Varvakis.
Um dos grandes trunfos do “Aprendendo a Crescer” é o de viabilizar o progresso da empresa por meio da satisfação de seus funcionários. O método guarda relação com o coaching. Este consiste numa metodologia que auxilia as pessoas e empresas a se desenvolverem com celeridade, produzindo resultados mensuráveis periodicamente avaliados e que servem de norte para o planejamento. O consultor (coach) participa do dia a dia da empresa, acompanha a rotina dos funcionários, mas não interfere dando respostas prontas aos questionamentos suscitados. Ele deixa que os próprios colaboradores respondam às questões por eles mesmos levantadas. Dessa forma, a tendência é a de que as transformações exigidas na empresa se deem num ambiente colaborativo.
Uma quebra de paradigma, de uma forma de ver o mundo, não se dá do dia para a noite. Mudanças culturais são por vezes lentas, precisam romper preconceitos arraigados. “Até há algum tempo era comum ver pessoas pensando que, se compartilhassem seu conhecimento, todos acabariam por saber o que elas sabiam e que, em consequência, acabariam se tornando dispensáveis, já com um pé no olho da rua. Hoje pensamos o contrário: aquele que é incapaz de promover o crescimento próprio e o dos colegas é quem na verdade é dispensável. Os que compartilham o conhecimento são os que possuem o perfil adequado para ascender na hierarquia de uma empresa”, explica Emílio. Guillermo Dávila ilustra a observação com um caso alemão concreto. “Visitamos uma empresa que tinha sérios e crônicos problemas no final de sua cadeia produtiva, relacionados à fase de empacotamento e transporte ao porto de embarque. As dificuldades foram contornadas quando a questão passou a ser discutida também por aqueles colaboradores que participavam das fases anteriores da cadeia, isto é, por aqueles que, de certa forma, criavam os problemas para quem estava na etapa final do processo.” Emílio e Guillermo visitaram também uma pequena empresa alemã, com apenas 12 funcionários, que fornece máquinas para a produção de biscoitos. Essas máquinas permitem a substituição de cilindros para modificar os moldes dos biscoitos. O problema neste caso era a concorrência com produtos chineses mais baratos. A solução encontrada foi o desenvolvimento de uma liga de metal mais resistente e barata para a confecção de novos cilindros. Hoje, a empresa vende produtos melhores e mais baratos que os chineses – no Brasil, seu preço é a metade do praticado por empresas brasileiras.
Não erra quem tem a impressão de que o método “Aprendendo a Crescer” identifica uma empresa como se esta fosse um organismo vivo, dinâmico a ponto de identificar ameaças e de adaptar-se a elas para, depois, superá-las, quase que de um modo darwiniano. Esta concepção, segundo Varvakis, está bastante ligada à noção de quebra de paradigma. “Uma empresa é um organismo vivo e complexo. E, assim como nós, apresenta uma tendência à acomodação, o que a impede de reagir com rapidez e eficiência às ameaças. Geralmente, são os momentos de necessidade que fazem alguém se mexer em busca de soluções para seus problemas.”
Dividido em sete etapas, o método “Aprendendo a Crescer” prioriza a motivação contínua dos colaboradores. Só assim, pela disposição em aprender, pode funcionar. “Exatamente por isso é que é fundamental que os primeiros objetivos sejam mais simples e que o tempo para atingi-los fique entre seis e dez meses. Ao atingirem um objetivo concreto, todos os envolvidos sentem-se naturalmente motivados para estabelecer novos desafios”, comenta Guillermo. Com os pés no chão, e os “cérebros de obra” – conceito mais valioso que o “mão de obra” – dispostos a se engajarem, pode-se dar início ao processo dividido em sete etapas:
1 – Analisar a capacidade de crescimento: A empresa precisa desenvolver seus próprios processos de diagnóstico e análise da situação em que está. Deve definir os objetivos iniciais, definir aonde quer estar e como deve estar no futuro. Precisa identificar que alavancas de crescimento possui, o que pode fazer para se tornar mais flexível ao ambiente e ao mercado, e desenvolver competências da organização, definir a aprendizagem necessária para atingir seus fins.
2 – Iniciar o projeto: Definir o plano geral do projeto, incluindo planos específicos para as diferentes áreas de gestão de projetos, como comunicação, recursos humanos, riscos, tempo, fornecedores, etc. Deve definir a equipe (a alta diretoria deve ficar livre do dia a dia, para apenas supervisionar e tomar decisões) e o consultor de crescimento, assim como alocar os recursos necessários.
3 – Assumir responsabilidades pelo projeto: Após definido o plano geral, as responsabilidades de cada equipe são comunicadas, a fim de serem interiorizadas por cada integrante. Deve-se buscar a definição interna de tarefas e responsabilidades; harmonizar os desafios propostos com as necessidades de aprendizagem de cada membro participante; decidir quais são as soluções mais adequadas, o que inclui a confecção de um relatório de status dos objetivos.
4 – Desenhar processos de aprendizagem e mudança: Nesta fase pretende-se estabelecer indicadores mensuráveis para gerenciar a implementação e concretização das soluções. Deve-se estabelecer indicadores que monitorem o desenvolvimento e habilidades de cada membro. É fundamental reportar o estado de implementação e emitir relatório de status sobre a realização dos objetivos do projeto e de aprendizagem.
5 – Aprendizagem e mudança: Implementação das correções e oportunidades de melhoria identificadas e priorizadas previamente. Espera-se alcançar a implementação dos mecanismos de controle e gestão do status das mudanças priorizadas; a implementação do processo de aprendizagem e mudança, refletido de forma sistemática considerando os objetivos do projeto e de aprendizagem especificados; e implantar o procedimento de identificação e gestão de riscos. É importante, também, que haja gerenciamento dos riscos e problemas derivados da implementação do processo de aprendizagem e mudança, por meio de planos de ação particulares.
6 – Avaliação dos resultados: Aqui são valorados os resultados do projeto, considerando os objetivos e fatores críticos de sucesso como marco de referência. Imprescindível que seja formalizado, em um documento a ser apresentado às partes participantes, os resultados e a realização dos objetivos do projeto, assim como as “lições aprendidas” na sua implementação.
7 – Transferir e usar os resultados: Aqui são transferidos os resultados do projeto para a operação corrente da organização, assim como a identificação das novas necessidades e oportunidades que possam iniciar um novo processo de aprendizagem.
Embora possam parecer, à primeira vista, recomendações que as empresas em geral já observam, a verdade é que a imensa maioria, afogada nas obrigações do dia a dia, as ignora, justamente por não as submeter a um processo metódico que possa oferecer condições de mensurar os avanços obtidos e as dificuldades remanescentes, assim como identificar em seu próprio meio soluções para cada caso específico. A simplicidade do programa não constitui uma fraqueza, mas uma das chaves para seu sucesso na Alemanha e na Espanha. “O método é ideal para pequenas e médias empresas conhecerem-se. As grandes empresas possuem departamentos especializados para isso, um luxo que os negócios menores simplesmente não podem ter”, diz Emílio.
O processo em Santa Catarina ainda está em fase de implantação pela UFSC. A tarefa da universidade é a de formar consultores que vão trabalhar diretamente com as empresas, os quais cumprirão o papel de duplos facilitadores, tanto para a implementação do método em si como também fazendo as vezes de interlocutores entre a alta direção e os que vêm abaixo na hierarquia organizacional. “Não queremos e nem podemos atuar como uma consultoria propriamente dita. Estas levam para as empresas soluções prontas, acabadas. A proposta é que a solução não seja dada pelos de fora, mas criada pelos integrantes de cada empresa”, enfatiza Guillermo. Para resguardar a independência de decisões por parte da empresa, o método prevê que os orientadores devam afastar-se tão logo possam os colaboradores atuarem por si sós, o que em geral ocorre em menos de seis meses.
Até aqui, a UFSC realizou junto a 15 empresas catarinenses um levantamento baseado em questionário para que cada uma detectasse quais são os seus desafios mais relevantes e quais suas maiores potencialidades. A partir daí, seguirão com os interessados os próximos passos destinados a efetivar o método. O projeto também foi apresentado à Associação Empresarial de Jaraguá do Sul e estão em andamento negociações com o Sebrae/SC e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) para que, numa região do estado ainda a ser definida, seja desenvolvido um piloto.
Aos pequenos e médios empreendedores que desejam prosperar de forma segura, o “Aprendendo a Crescer” oferece um caminho eficaz para o uso consciente do acervo de conhecimento que as empresas em geral dispõem sem o saber.