Com a formalização facilitada pela figura jurídica do empreendedor individual, milhares de negócios ganharam mercado e puderam crescer sem medo
Para quem vive na informalidade e ao mesmo tempo precisa vender, a decisão entre aparecer e ficar no anonimato é um dilema constante. Desde julho de 2009, quando entrou em vigor a lei que cria a figura jurídica do empreendedor individual (EI), mais de 1,8 milhão de trabalhadores por conta própria decidiram mostrar de vez sua cara. Não só para os órgãos fiscalizadores, mas também para todos os seus clientes em potencial. Dados da Receita Federal apontam que 12,1 mil destes empreendedores formalizados já se tornaram microempresas, uma meta perseguida por 87% dos EIs, segundo recente pesquisa do Sebrae Nacional.
Fabricante de doces artesanais, Sílvia Francisca Teixeira Melo, 32 anos, está na lista de EIs que, após deixar a informalidade, cresceram tanto que tiveram que migrar para a categoria microempresa. E olha que há pouco mais de um ano a hipótese de vender suas compotas de doce de leite nos mercadinhos de Campo Grande nem passava pela cabeça de Sílvia. Pelo contrário: sem alvará sanitário, ela morria de medo de ter a mercadoria apreendida e se limitava a comercializar seus doces diretamente ao consumidor ou nas bancas montadas à beira da BR-163, no distrito de Anhanduí, a 60 quilômetros da capital sul-mato-grossense.
Mesmo nessa situação, há três anos ela decidiu apostar o que não tinha numa fábrica anexa à casa onde mora com o marido André Luiz e as duas filhas. Tomou um empréstimo de R$ 6 mil no banco (“o máximo que eu podia pegar”) e montou a cozinha da sua empresa, a Anhanduí Doces. Como muitos empreendedores Brasil afora, a iniciativa foi uma questão de necessidade. “Emprego por aqui é um pouco difícil, o jeito é trabalhar por conta própria”, explica a empreendedora, que abandonou os estudos antes de completar o que hoje seria o 6º ano do ensino fundamental. Casada aos 15 anos e mãe aos 16, aprendeu a fazer doces com a sogra para ajudar o marido a pagar as contas.
Hoje é o companheiro quem a ajuda na empresa. Por mês, eles produzem cerca de 2,5 mil vidros de doce. Antes da formalização, o volume não chegava a 600 unidades. As coisas começaram a mudar quando, em novembro de 2010, incentivada pelo Sebrae/MS, ela decidiu se tornar uma EI. Com o número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) na mão, desenvolveu um rótulo para seus produtos, incluindo até mesmo o código de barras. Era a senha que Sílvia precisava para comercializar seus doces para qualquer empresa que queira comprá-los. “Ainda não consigo vender para grandes redes porque não tenho condições de dar as bonificações que eles pedem, mas acho que estou no caminho certo.”
Sílvia faz parte dos 95% dos EIs que recomendam a formalização para quem está na ilegalidade. “Não é fácil, você tem que trabalhar para pagar imposto, mas não corre mais risco de ter a mercadoria tomada. E nós queremos crescer, não queremos ficar parados”, argumenta. Pesquisa do Sebrae mostra que para 60% dos EIs o principal motivo para a formalização foi a legalização, com acesso a CNPJ, nota fiscal, crédito, etc. “Esse dado nos surpreendeu porque imaginávamos que a maioria estava em busca dos benefícios proporcionados pela Previdência, como aposentadoria, auxílio doença, licença maternidade”, afirma Luiz Barretto, presidente do Sebrae. Esse percentual foi de 37%.
Menos burocracia
A formalização como empreendedor individual pode ser feita pela internet, sem cobrança de taxas e envio de documentos. O interessado só precisa acessar o site www.portaldoempreendedor.com.br e preencher um cadastro com dados pessoais e de sua atividade. Mas antes de fazer a inscrição, é necessário consultar a prefeitura para saber se a atividade em questão pode ser exercida na cidade. O CNPJ e o número de inscrição na Junta Comercial são obtidos logo após o preenchimento do cadastro. Quem preferir, pode procurar os escritórios de contabilidade para fazer a formalização, também de forma gratuita. No Portal do Empreendedor há uma lista de contatos dessas empresas.
Após a formalização, o empreendedor individual terá que pagar todos os meses R$ 28,25 (no caso de comércio ou indústria) ou R$ 33,25 (se a atividade for prestação de serviços). Esses valores serão destinados à Previdência Social e ao ICMS ou ao ISS, dando direito ao EI a benefícios como auxílio maternidade, auxílio doença e aposentadoria. Essas quantias são atualizadas anualmente, de acordo com o salário mínimo. Para pagar essa contribuição, o empreendedor deve emitir, via internet, o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) e pagá-lo nos bancos ou casas lotéricas até o dia 20 de cada mês. O carnê também está disponível no Portal do Empreendedor.
Até 1º de maio deste ano, a carga tributária do EI era de R$ 60. O valor caiu pela metade quando a presidenta Dilma Rousseff editou uma medida provisória reduzindo a contribuição previdenciária mensal de 11% para 5% do salário mínimo. Segundo dados do Comitê Gestor do Simples Nacional, essa redução de INSS deve gerar uma renúncia fiscal de R$ 1 bilhão até 2013. Mas, para Barretto, a medida foi um dos grandes estímulos que aceleraram as formalizações por todo o Brasil, fazendo com que a meta de 1,5 milhão de EIs para o ano de 2011 fosse batida quatro meses antes do prazo. Hoje a média de formalizações é de 100 mil por mês. São Paulo detém o maior número, com mais de 400 mil EIs.
Outra razão apontada por Barretto para o aumento das formalizações é a ampliação do teto de enquadramento, de R$ 36 mil para R$ 60 mil por ano, o que equivale a uma receita bruta de R$ 5 mil mensais. Encaminhado ao Congresso Nacional pela Presidência da República, a proposta foi aprovada pelo Senado Federal no dia 5 de outubro e passa a vigorar em janeiro de 2012. “Será uma oportunidade para aumentar ainda mais o número de formalizações. Nossa expectativa é chegar a 4 milhões de EIs até 2014”, afirma Barretto. Com base na Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – PNAD 2009), estima-se que o público a ser beneficiado pelo programa é de cerca de 13 milhões.
Para a gerente da unidade de atendimento do Sebrae/MS, Leandra Costa, o teto baixo era mesmo um estímulo à informalidade. “Muita gente tinha medo de se formalizar porque logo superaria os R$ 36 mil e teria que passar a recolher tributos como microempresa”, atesta. Entre os já formalizados, Leandra diz que muitos tinham medo de crescer e ter que migrar para a nova categoria. Estatísticas mostram que mesmo com contribuição irrisória, a inadimplência é alta entre os EIs. O índice chega a 56%, segundo Bruno Quick, gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional. Para ele, a explicação é o alto nível de desinformação. “É preciso rever as estratégias para esclarecer melhor as obrigações do empreendedor individual.”