Vivemos em uma era na qual a tecnologia pode ajudar cegos a enxergarem, um feito que por si só já é impressionante, mas que fica ainda mais inacreditável quando consideramos o que vem a seguir. Visão ultravioleta? Olhos capazes de dar zoom, como as lentes de câmeras? Tudo isso está a caminho!
Cientistas do mundo todo trabalham no aperfeiçoamento do sistema de próteses retinais, ou o que muita gente chama apenas de olho biônico. O dispositivo mais avançado nos Estados Unidos é conhecido como Argus II e foi criado por uma empresa da Califórnia chamada Second Sight. Ele custa US$ 145 mil e já foi usado por cerca de 80 pessoas com dificuldades na visão nos últimos anos.
Ele trabalha combinando uma câmera montada no olho externamente e um sofisticado implante na retina. A câmera usa o pequeno microchip para processar o que vê e, então, envia os dados sem o auxílio de fios ao implante na retina, esse composto por 60 eletrodos que fornece informações ao nervo óptico – que é o que distingue luz, movimento e formatos.
Mas a visão que as pessoas têm com um olho biônico não é como a normal. Elas veem o contraste e os contornos dos objetos, mas apenas em preto e branco. A capacidade de ver naturalmente luz e cor foi eliminada por danos a várias células nos olhos, mas com bastante uso, o cérebro aprende a dar sentido a essas imagens que aparecem dos sinais dos eletrodos. Os usuários do Argus II relatam que conseguem ler com sucesso livros impressos, atravessar ruas sozinhos, andar em uma casa desconhecida ou ver imagens dos seus cônjuges pela primeira vez em décadas.
Infelizmente, o Argus II não é capaz de livrar as pessoas da cegueira técnica, que nos EUA é de 20/200 (entenda esse sistema). Porém, atualizações estão a caminho. E é aqui que as coisas ficam realmente interessantes.
A próxima versão do Argus II incluirá a percepção de cores usando algoritmos que medem os estímulos dos eletrodos, de acordo com a Second Sight. O dispositivo oferecerá imagens mais definidas e conseguirá focar a visão como fazemos com telas de computador, aumentando a resolução e o brilho.
Na Alemanha, um produto líder de olho biônico chamado Alpha IMS é um olho biônico autônomo – o que significa que em vez de uma (esquisita) câmera externa, ele tem um sensor embutido enviando sinais à retina. A outra grande vantagem é que ele usa 25 vezes mais eletrodos que o Argus II, o que aumenta bastante a resolução. Pesquisadores de olhos biônicos da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, preveem que um olho artificial totalmente funcional estará disponível em 2020.
O próximo grande salto será pular o olho e ir direto ao cérebro. Hoje, muitas pessoas com deficiência visual não conseguem se beneficiar do implante, já que ele exige uma retina funcional para dar resultado. Isso deixa pessoas com retinas danificadas ou que perderam suas visões por infecções ou doenças como glaucoma ou diabetes, sem ajuda. A Second Sight está “trabalhando em um novo implante que pula até mesmo a camada da retina e implanta os eletrodos diretamente na região visual do cérebro,” disse o CEO da empresa, Dr. Robert Greenberg, à BBC. Um teste para cinco pacientes cegos com degeneração macular relacionada à idade está agendado. Desse teste pode vir a boa notícia que milhões de pessoas cegas esperam.
É inevitável conjecturar cenas da ficção científica. Pegue os aperfeiçoamentos oculares de Geordie La Forge de Star Trek, tem que visão infravermelha, noturna e telescópica. O desenvolvimento na tecnologia de implante de retina levanta a questão: essas melhorias aparentemente restritas ao cinema serão possíveis a todos no futuro?
É uma pergunta ainda sem resposta, mas há motivos para sermos otimistas. Alguns cientistas trabalhando em dispositivos biônicos sabem que ele não é só capaz de ajudar quem tem alguma deficiência visual, mas, como todos os dispositivos biônicos, dar a seres humanos capacidades sobre-humanas.
“Para mim, pessoalmente, uma das inspirações foi Steve Austin, o homem biônico,” disse recentemente Greenberg à Bloomberg TV quando perguntado se sua tecnologia poderia ser aplicada a outras indústrias, como a dos jogos eletrônicos. “Acho que a interface direta provavelmente está no futuro. Não sei o quão distante, mas provavelmente está lá.”
O que significa que se os pesquisadores conseguem mandar sinais diretamente ao cérebro, o cérebro pode aprender a interpretar esses sinais e basicamente recriá-los como imagem ou função visual. Pegue a visão telescópica, por exemplo, que já existe. Podemos ensinar nossos cérebros a interpretar as poderosas funções de zoom das câmeras – poderíamos aprender a ver muito mais longe e muito mais perto do que o olho humano natural.
Na realidade, Brian Mech, VP de Desenvolvimento de Negócios da Second Sight, disse-me que “nós poderíamos, em breve, permitir a nossos pacientes verem fora do espectro usando um dispositivo de entrada diferente que o espectro visível de uma câmera (uma câmera infravermelha, por exemplo). Também já conseguimos oferecer visão telescópica.”
As coisas ficam ainda mais bizarras. Se olhos biônicos podem ver todo o espectro eletromagnético, isso incluiria visão infravermelha, visão de calor, a habilidade de detectar certos gases e provavelmente até mesmo a de ver através de objetos. Poderíamos acabar com aqueles poderes de percepção também. Já temos dispositivos para mensurar todas essas coisas – a chave é encolhê-los o bastante para coloca-los em implantes (ou outro dispositivo corporal) que se comunica diretamente com o cérebro de uma forma que renderize a entrada sensível.
Tudo isso ainda é especulação, claro. No futuro distante, porém, poderemos nos transformar em laboratórios de ciência ambulantes, capazes de utilizar uma ampla gama de dispositivos e aplicações embutidas em nossos olhos biônicos. As aplicações seriam infinitas. Soldados poderiam ter visão de raio-x para detectar minas terrestres no campo de batalha. Pais poderiam detectar gases perigosos nos quartos de seus filhos da mesma forma que a função de detecção de monóxido de carbono de alguns alarmes. As pessoas, em um primeiro encontro, poderiam usar a tecnologia dos scanners de aeroportos para se analisarem e até mesmo ver o que o outro guarda por baixo da roupa. Se pudermos ver coisas diretamente nas áreas visuais do cérebro, conseguiríamos enxergar até mesmo as inimagináveis, como os milhões de micróbios que vivem em cada um de nós – imagine como essa visão deve ser medonha!
Mas calma: as coisas ficam ainda mais bizarras que isso. Um olho robótico pode ser configurado para jamais dormir, estar sempre alerta e pronto para acordá-lo em caso de perigo iminente ou quando as luzes se acenderem do lado de fora. Ele também seria compatível com Wi-Fi e pronto para gravar toda a sua vida e transmiti-la no YouTube, ou para si mesmo, como no capítulo “The Entire History of You”, da série britânica Black Mirror. Daria para jogar vídeo game dentro da sua cabeça, como o Dr. Greenberg sugeriu. Sua sitcom favorita poderia passar direto no seu cérebro, dispensando totalmente uma TV.
Atualmente, o olho humano vê apenas cerca de 1% do espectro de luz no universo. Não é muita coisa quando você para para pensar. Futuristas como eu acreditam que nas próximas décadas o olho biônico melhorará tanto que seremos capazes de ver bem mais do que esse 1%. E por termos dois olhos, parece plausível que algumas pessoas – especialmente biohackers e entusiastas ciborgues – substituirão um olho biológico por um biônico quando a tecnologia estiver pronta. A experiência do nosso universo jamais será a mesma.
Zoltam Istvan é autor do livro The Transformation Wager e fundador do Partido Transhumanista.
Imagem do topo: Antonio Gravante/Shutterstock
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