Hollywood tem forçado tanto a barra nas continuações e reboots que chegamos ao ponto de agradecer por uma simples adaptação. Esse é o caso de “No Limite do Amanhã” (Edge of Tomorrow), inspirado pelo romance “All You Need Is Kill”, do japonês Hiroshi Sakurazaka e estrelado por Tom Cruise. O argumento em si é uma mistura alucinada de vários temas clássicos da literatura e do cinema de ficção científica, mas o resultado é novo o suficiente para justificar a sensação de alívio. E rir.
O elemento cômico é um dos mais interessantes na trama toda e também a pior mancada da Warner. O estúdio poderia, facilmente, ter brincado com imagem pública de Tom Cruise e “vendido o filme” a todos os detratores do astro.
Por conta do mecanismo temporal de “No Limite do Amanhã”, ele se estrepa de tantas maneiras hilárias e absurdas que isso, por si, é uma razão para ver o filme. A cena do caminhão é divertidíssima. Curioso foi ver Cruise entrando na galhofa e se divertindo no processo. Ao mesmo tempo, por repetir tantas vezes as mesmas cenas, ele pode mostrar uma versatilidade incomum em seus filmes. Outro ponto positivo.
Tom Cruise e o diretor Doug Liman no set
Tirando os elefantes brancos da frente, “No Limite do Amanhã” mistura “O Feitiço do Tempo” (The Groundhog Day, aquele com Bill Murray e a marmota), “Tropas Estelares” (muito mais o livro de Robert Heinlein, do que o filme de Paul Verhoeven) e, visualmente, emprestou as armaduras do fracassado “Elysium” e conceitos de todos os videogames de tiro em primeira pessoa dos últimos 10 anos. É a festa da referência como nunca se viu. Mas não incomoda. Por duas razões: o humor, mencionado anteriormente, e a edição.
James Herbert é a maior estrela desse filme e pode bancar a efetividade: “Sherlock Holmes”, “Rock n’ Rolla” e “Gangster Squad” estão no currículo. O ritmo cravado do primeiro ato e as indas e vindas de Tom Cruise foram fundamentais para transformar o maior dos riscos – a similaridade com “Feitiço do Tempo” – em força.
E conseguiu, gerando uma velocidade própria, funcional e interessante. O material filmado foi imenso e saber qual fragmento reprisar, ou não, fez toda a diferença. A partir do segundo ato, esse ritmo é reduzido uma vez que o roteiro passa a solucionar os reinícios por meio de diálogo, mas só faz sentido graças à base estabelecida no início.
Em meio a tudo isso, existe uma relação crescente entre Tom Cruise – o recruta medroso – e Emily Blunt – a veterana destemida. Por conta da dinâmica temporal, vemos um caso clássico de amor unilateral, afinal, só ele lembra, só ele sofre, só ele se apaixona. Talvez essa seja uma das surpresas mais delicadas do filme. Ele também conseguiu construir isso sem, de fato, repetir a atuação no subestimado “Oblivion”, com quem compartilha vários elementos.
Games
Uma das grandes discussões criadas por conta de “No Limite do Amanhã” é a recriação de um videogame de tiro em primeira pessoa (FPS para os envolvidos) no cinema. Pelo simples aspecto da linguagem, o resultado é positivo e carrega diversos conceitos dos jogos para os personagens. O aprendizado com a repetição, a possibilidade de “salvar o jogo” e etc.
Por conta do mecanismo temporal, Tom Cruise se estrepa de tantas maneiras hilárias e absurdas que, isso, por si só, é uma razão para ver o filme
Entretanto, enquanto todo mundo faz de tudo para se identificar com Cage, personagem de Cruise, uma análise mais calculista do cenário colocaria os “jogadores” do outro lado do tabuleiro. Os inimigos, chamados de Mimics, tem uma habilidade fantástica: controlar o tempo ao bel prazer (quando uma certa unidade morre, a habilidade é ativada). Quem faz isso, na verdade? Somos nós! Perdeu a Final da Champions no FIFA? Esqueceu de alguma quest interna? É só reiniciar e voltar do último ponto de salvamento.
No início da animação 3D, um desenho chamado “Reboot” chamou a atenção por mostrar os componentes e habitantes de um mainframe tendo que interagir com o “usuário”, que aparecia para jogar, por exemplo. Ele tinha esse “superpoder”, enquanto os personagens digitais faziam de tudo para não ser destruídos ou prejudicados pelas incursões do usuário. Em “No Limite do Amanhã”, estamos diante do pior inimigo contra quem poderíamos lutar: alguém igualzinho a nós e com o poder do save game.
Os combates são desesperadores no início, mas depois passam a se tornar apenas rotina. Mortes dos companheiros são detalhes da missão, inimigos apenas obstáculos a serem memorizados para a próxima tentativa e aquele Sargento chato que não para de gritar um minuto se transforma no sujeito a ser sacaneado. Aliás, ótimo trabalho de Bill Paxton.
“No Limite do Amanhã” escolheu a linguagem certa para falar com a geração atual e cumprir sua função. Embora tenha um final polêmico por ser contrário ao paradoxo temporal definido inicialmente.
É a banalização da violência em toda a sua glória! Ruim? Não necessariamente, pois faz parte daquele mundo e funciona muito mais a uma crítica social do que apologia ao lado negativo, afinal de contas, Cage faz bom uso disso para se concentrar no que importa. Infelizmente boa parte da discussão sobre a inexistência do livre arbítrio do original ficou fora do filme, uma vez que os soldados lutam como uma “força da democracia” reencenando o avanço norte-americano na Segunda Guerra Mundial com direito a desembarque na França e tudo mais!
“No Limite do Amanhã” escolheu a linguagem certa para falar com a geração atual e cumprir sua função. Embora tenha um final polêmico por ser contrário ao paradoxo temporal definido inicialmente – e não ter sido trabalhado da maneira que a obra original sugeriu; é impossível chegar à conclusão do autor sem ter contato prévio –, se mostra um bom filme de ação, entra para a lista de filmes de Tom Cruise para ver de novo, assim como também lança um alerta para a carreira do ator aqui nos Estados Unidos por conta de uma bilheteria bem tímida.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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