Vinte anos após os eventos que os levaram de Rhode Island ao Colorado, Harry (Jeff Daniels) e Lloyd (Jim Carrey) retornam para mais um road movie, desta vez tendo El Paso, no Texas, como destino final. Apresentando-se como um filme gêmeo de seu antecessor em termos de estrutura, “Debi & Lóide 2” repete a maior parte dos acertos do original, do teor das piadas à construção de seus personagens centrais, e resulta numa volta às origens mais que satisfatória.
Desta vez, o que os leva a viajar é a condição de saúde de Harry: com uma doença nos rins, ele precisa buscar um doador compatível, e acaba encontrando uma carta que revela que teve uma filha, Penny (Rachel Melvin), na época dos acontecimentos do primeiro longa. Lloyd, por sua vez, embarca na jornada motivado principalmente por sua paixão instantânea ao ver uma foto da garota – assim como no anterior, quando atravessou o país em busca de seu interesse amoroso.
Em uma comédia marcada pela variedade nas formas de se fazer rir, os irmãos Peter e Bobby Farrelly novamente apostam na estrada como forma de colocar seus personagens em movimento e apresentar palcos diferentes para suas ações. Investe-se, assim, em largas doses de comédia slapstick, centrada no aspecto físico, uma das especialidades dos diretores e de seu par principal de atores, e de humor situacional, intimamente associado aos locais em que eles se inserem (o próprio carro, uma conferência científica, restaurantes na beira da rodovia etc).
Apresentando-se como um filme gêmeo de seu antecessor em termos de estrutura, “Debi & Lóide 2” repete a maior parte dos acertos do original
Carrey e Daniels reprisam as características adotadas no filme de 1994 de maneira confortável, sabendo equilibrar determinados traços – como as caretas de Lloyd e o movimento quase incessante dos braços de Harry – sem entrar em modo automático. O segundo ainda utiliza o olhar com habilidade, denunciando suas intenções e reações rapidamente (vale notar a forma como encara o amigo ao se despedir dele no manicômio ou o movimento aparentemente descoordenado de seus olhos quando conta histórias).
Reencontro 20 anos depois
Para além do aspecto essencialmente físico, a sequência se vale da repetição de pequenas marcas e piadas do original, como Lloyd espirrar seu spray para o lado contrário à boca ou indagar o colega sobre “o som mais irritante do mundo”. Ao contrário do que pode sugerir, a recorrência de tais aspectos não é símbolo de esgotamento criativo dos Farrelly ou de seus atores, mas indicativo de um apreço (um tanto nostálgico) pela composição de seus personagens.
O mesmo pode ser dito do cuidado com a criação da atmosfera em que eles se encontram: diversos elementos de seu universo retornam à cena, mesmo que apenas brevemente, como é o caso de Mutts Cuts, o carro-cachorro de Harry, ou do vizinho de prédio da dupla, o garoto cego que no longa original compra de Lloyd um pássaro morto e que agora é criador de aves raras, cujos destinos acabam se mostrando não muito diferentes.
Além disso, pequenos detalhes que não recebem tanto alarde contribuem para o tom geral da narrativa: placas como “Compre fogos de artifícios e ganhe um gato preto” compõem o cenário, enquanto personagens como um pássaro chamado Siskel, que fala usando apenas frases de filmes (em referência ao crítico de cinema Gene Siskel), ganham pequenas participações.
É interessante, também, que Carrey e Daniels se valham de um timing cômico um pouco diferente daquele do projeto anterior. Os atores parecem “deixar respirar” demais nas reações às falas e gestos um do outro, fazendo com que a câmera os encare por segundos a mais antes da piada seguinte. O efeito é ainda mais idiotizante, e satisfaz justamente por abraçar a ideia de que os personagens de fato demoram a raciocinar e articular mesmo os pensamentos, falas e ações mais simples.
Ao contrário do que pode sugerir, a recorrência não é símbolo de esgotamento criativo dos Farrelly ou de seus atores
Não significa dizer, porém, que o texto siga a todo momento a mesma abordagem simples, até mesmo tosca. Ao contrário: os Farrelly se mostram afiados ao construir jogos de palavras, como quando brincam com os termos “kid” e “kidnee” – e é uma pena que boa parte deles se perca na legendagem, ainda que haja um esforço (não muito bem-sucedido) para construir novas piadas no lugar daquelas intraduzíveis.
Traço característico da filmografia dos irmãos, o recurso a flashbacks e sequências de imaginação torna a aparecer nesse mais recente trabalho como plataforma de inserção de novas piadas, não diretamente relacionadas ao curso da história, e como modo de diferenciação dos personagens quanto a seus objetivos. Em momentos distintos, Harry pensa em como teria sido a paternidade, ao passo que Lloyd, assim como no filme inicial, mergulha nos clichês de romance e ação sonhando com Penny.
A frequência com que cenas menos inspiradas surgem, porém, é baixa, e estas acabam ofuscadas pelo ritmo certeiro com que a narrativa se desenrola
A interação com as novas figuras rende boas cenas isoladas, com destaque para a piada envolvendo Índia e Irlanda, paralela à confusão de Lloyd entre Áustria e Austrália no início do primeiro longa, mas os coadjuvantes são, em sua maioria, desinteressantes. Aqui, a estratégia de repetir traços da aventura anterior não parece tão adequada, fazendo com que as participações do capanga Travis (Rob Riggle) e da vilã Adele (Laurie Holden), numa análise geral, pareçam menos convincentes e significativas.
Há ainda segmentos pontuais que não funcionam bem, como a interação entre a dupla na casa da família adotiva de Penny, quando conversam pelo telefone estando no mesmo cômodo. A frequência com que cenas menos inspiradas surgem, porém, é baixa, e estas acabam ofuscadas pelo ritmo certeiro com que a narrativa se desenrola.
No limite, os irmãos Farrelly, aliados à qualidade de Carrey e Daniels, são capazes de emplacar cenas memoráveis com a mesma habilidade com que apresentam gags de segundos de duração e, assim, de produzir uma sequência divertida de maneira uniforme e nada irregular.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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