Pouco depois de começar a estudar música em 1996, percebi que os grandes mestres bebiam de uma fonte comum e resolvi ir atrás do tal do Jazz. Pesquisei no Cadê? (o Google da época) e pela primeira vez ouvi falar em John Coltrane. Corri para o centro da cidade, comprei o CD do cara, voltei pra casa, rasguei o plástico e play. “- Que coisa estranha!” Uma música incompreensível, feita por um baderneiro no saxofone, tomou conta do meu quarto. E assim voltei para meu bom e velho rock ‘n roll. E a vida seguiu.
Anos depois, enquanto quebrava a cabeça estudando design, um amigo me deu um conselho interessante:
“O Jazz vai te ajudar a relaxar e entender melhor as coisas. Mas dessa vez não tente entrar nesse universo pelo terraço. Comece pelo térreo.”
Achei curioso e resolvi seguir a dica, buscando os principais nomes do estilo, colocando-os em ordem cronológica (assim como seus principais discos), e dessa vez as coisas começaram a fazer sentido. Pra melhorar ainda mais, nossas conversas continuaram e me ajudaram a entender a estrutura e complexidade desse mundo. E não demorou muito para perceber que o Jazz seguia o mesmo princípio do Design.
Depois de passar por Scott Joplin, Bessie Smith, Armstrong, Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Art Blakey, Miles, Archie Shepp e novamente chegar ao John Coltrane, essa conexão do Jazz + Design estava bem clara na minha cabeça. Seja na música ou no design, temos diversas linhas de estudo, com princípios fundamentais que criam estruturas, ditam o ritmo e despertam sensações. E embora tudo isso passe (para alguns) a impressão de que é apenas “cagação de regra”, na verdade são plataformas para nos elevar, com segurança, ao local mais importante em ambos os temas: a improvisação.
Entender de tipologia, composição e outros assuntos técnicos do design é fundamental, e não significa que você ficará preso nessas regras. Pelo contrário. Elas só proporcionam base e intimidade para desenvolvermos projetos diferenciados e autorais. Trocando em miúdos, é mais ou menos como dirigir todos os dias em um penhasco: você acaba conhecendo tão bem as curvas, desfiladeiros e perigos do trajeto, que arrisca com novas manobras e surpreende cada dia mais. E quem vê de fora fica impressionado, mas para um piloto é tão natural como buscar pão na padaria.
E acreditem: John Coltrane foi um dos maiores pilotos da história do jazz. E tentar compreender 1% do que ele expressou em sua obra impactou diretamente o que eu entendia como design e criação.
Diferente da maior parte dos estilos musicais, o Jazz possui esse formato, onde o músico conhece todas as escalas e combinações possíveis; começa com um tema conhecido, dentro de uma estrutura padrão; depois de alguns compassos se liberta na improvisação, onde não existem notas erradas e tudo faz parte de um contexto autoral. E mesmo que uma segunda nota pareça não combinar com a primeira, na terceira, quarta ou na décima, tudo se completa e faz sentido. Demonstrando um novo contexto e expandindo ainda mais o universo musical.
Por isso, no Design ou no Jazz, o que interessa são os novos contextos, desenvolvidos por profissionais com base (pra fazer funcionar), conhecimento (pra conseguir improvisar) e segurança (pra se desafiar cada vez mais). E arrisco dizer (pela minha experiência particular), que se você é estudante de design ou apaixonado sobre o assunto, ouvir discos como “My Favorite Things” ou “The Stardust Sessions” são aulas práticas do que a improvisação (pós conhecimento) é capaz de fazer. Experimente, e depois me conte.
E se você quiser pirar um pouco mais com esse assunto, conheça o projeto desenvolvido pelo designer Michael Levy, que também foi contaminado pelo vírus do João Coltrane e desenvolveu uma animação impressionante, onde ele cria estruturas baseadas na forma do tema “Giant Steps”: um dos grandes temas da história do Jazz. Sketches (imperdíveis) do projeto aqui e o resultado final logo abaixo.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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