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O nascimento dos trolls da internet


Os trolls estão dominando a internet. Até pesquisas sobre um assunto tão inocente quanto cachorros liberam uma chuva de ataques inflamados a toda e qualquer opinião sobre cachorros já emitida na história. Por mais terríveis que eles sejam, todos os seres tem que engatinhar antes de andar e/ou destruir a alma de outros. Até mesmo os trolls.

Apesar do termo “troll” ter perdido suas conotações originais, ele tem, sim, uma origem. Nós decidimos narrar a gênese dessa história cruel e ácida.

No Início

No início, havia os BBSs. E a Usenet. E os grupos de notícias. E as pessoas começando a compreender o potencial daquilo que estava sob seus dedos. Tudo era possível! O que, muitas vezes, não é lá uma coisa muito boa.

Guerras e Chamas

De acordo com o livro Big Dummy’s Guide to the Internet, lançado em 1993, os trolls ainda não faziam parte do imaginário popular no início dos anos 90. As flame wars (guerras de chamas, em tradução literal), por sua vez, já eram um dos bastiões da internet.

Mesmo que você não esteja familiarizado com o termo, você com certeza sabe o que é o flaming. Você já o viu acontecendo embaixo de opiniões políticas terríveis no Facebook. Você já o presenciou dominando sua timeline no Twitter. E você já o viu em muitos dos comentários que habitam a terra devastada que é o Youtube. Em poucas palavras, um flame é um ataque pessoal e maldoso direcionado a alguém de quem você discorda.

É claro que os humanos sempre tiveram potencial para a mesquinhez irracional, mas o advento da internet permitiu que esse potencial finalmente florescesse. Isso porque, no momento em que nos sentamos atrás da tela de um computador, somos cercados por um escudo perigosamente hermético de anonimidade; e, para aqueles com certos desvios, essa é uma proteção muito apreciada. Quanto às táticas de negociação que precedem uma flame war, Norman Johnson, um Professor Associado da Faculdade Bauer da Universidade de Houston explica:

As fontes sugerem que, em comparação com confrontos presenciais, a maior incidência de flaming em comunicações à distância ocorre por causa da reduzida interceptação de sinais sociais, o que diminui o medo individual de reprovação e de sanções. Quando a identidade social e o status dentro de um determinado grupo são importantes, a mediação pode diminuir a ocorrência de flaming, visto que a atenção individual se volta para o contexto social (e às normas associadas a este), e não para os indivíduos em si.

A introdução da anonimidade não apenas libertou os usuários da possível repercussão que poderia controlá-los, mas também desumanizou seus alvos. Em outras palavras, a internet alimentou nossos piores impulsos com aquilo que eles mais precisavam para crescer.

Quando alguém discorda de você no universo social, real e corpóreo, você se sente frustrado, obviamente, mas você tende a ver essa pessoa como um semelhante com emoções humanas — não como um amontoado de palavras incendiárias que precisam ser destruídas. No mundo real, você se força a refletir, pois sabe que existem consequências para suas ações. Já na internet, uma ficha limpa está a apenas uma troca de nickname de distância.

As primeiras flame wars ocorreram na Usenet, que estava, sem o conhecimento desses primeiros guerreiros, construindo um modelo a ser seguido por todos os futuros trolls. Nas palavras de Gaffin:

De tempos em tempos, uma troca de insultos se transforma em uma flame war que começa a mobilizar todo um grupo (ou vários, às vezes; flamers gostam de postar seus ataques em várias plataformas para todos sentirem o gosto de sua revolta). Estas podem durar semanas (ou até mesmo anos, se tornando “guerras sagradas” que costumam envolver batalhas sobre os méritos comparativos de Macintoshes e IBMs). Muitas vezes, justo quando essas guerras estão chegando ao fim, algum novato relê todas as mensagens, fica ofendido, e emite um pedido urgente clamando que a flame war seja levada para o email dos brigões, de forma que todos os outros membros possam voltar ao tema do grupo em questão.

Em teoria, essas guerras eram iniciadas de forma sincera. Mas assistir a dois grupos de pessoas se digladiando com argumentos cada vez mais épicos é — como todos sabemos e odiamos admitir — extremamente divertido. E quando a guerra de palavras acabava, não é de se surpreender que alguém tivesse a ideia de cutucar os egos mais fragilizados pelo combate. Tudo com a esperança de reviver aquela empolgação horrível que sentimos quando assistimos um humano ultrapassando os limites da sanidade e surtando completamente.

Net.Weenies

Os primeiros trolls da internet eram conhecidos como net.weenies; eles faziam o que eles/elas faziam “pelo simples prazer daquilo“. Nos primeiros fóruns da usenet, eles eram as pessoas que faziam babaquices pelo simples prazer de incomodar. De acordo com o Guia:

Essas são as pessoas que gostam de insultar os outros; o tipo de pessoa que posta mensagens agressivas em fóruns de costura.

Até a Electronic Frontier Foundation — criada em 1990 — já estava ciente (e demonstrava isso) da crescente presença dos net.weenies nos grupos mais abertos da internet. Segundo os primeiros tutoriais de mailing lists da internet, uma das principais vantagens do sistema era que “uma mailing list oferece um maior grau de liberdade de expressão (e diminui a preocupação com net.weenies) do que a maior parte da Usenet”.

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Os net.weenies parecem muito irritantes, é claro, mas o termo ainda não carregava a malevolência que nós associamos aos trolls modernos. Na verdade, podemos observar exatamente o contrário — algumas de suas brincadeiras eram absolutamente incríveis, legais e engraçadas.

Warlording

O warlording era um tipo belíssimo de trollagem praticado pelos net.weenies, principalmente no fórum alt.fan.warlord (algo como um subreddit do início da internet). Levando em consideração as limitações da transmissão de dados do início dos anos 90 e a usabilidade geral desses fóruns, a etiqueta da Usenet — ou a etiquetanet — recomendava que seus usuários mantivessem um limite de quatro linhas em suas assinaturas. Isso era conhecido como o limite McQuary, uma indicação que não era bem uma lei dos fóruns. Ou seja, na prática, não havia um limite de caracteres para essas assinaturas.

Essa regra era necessária em parte por causa da predileção dos novos usuários por coisas conhecidas como BUAGs (Gráficos ASCII Horríveis, na sigla original) e BUAFs (Fontes ASCII Horríveis). Com o objetivo de ridicularizar esse hábito e de serem tão insuportáveis quanto fosse possível, os net.weenies destruíram essa regra com um jogo chamado warlording.

O termo veio do usuário Death Star, War Lord of the West, (Estrela da Morte, Senhor de Guerra do Oeste) “que apresentava em sua assinatura um gráfico ASCII especialmente grande e incômodo, representando a espada do filme Conan, o Bárbaro, dirigido por John Milius em 1981″. Que, presumidamente, era mais ou menos assim:

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