Existe esse livro que ostenta o maravilhoso título de O Grande Livro das Coisas Horríveis, de Matthew White, com prefácio de Steven Pinker. Esse livro, como o título já mostra, lista toda a desgraceira documentada que já aconteceu no nosso planeta e traz estatísticas de morte, fome e outros horrores pelos quais nossos antepassados passaram para que chegássemos até aqui (e o que será que eles pensariam de nós sentadinhos aqui diante dos nossos computadores e reclamando chorosamente de coisas como a temperatura do ar-condicionado?).
Usando alguns dos números mostrados n’O Grande Livro das Coisas Horríveis, vejamos algumas desgraças que aconteceram lá atrás, numa época que só conhecemos dos livros de História:
A Queda do Império Romano do Ocidente
Número de mortes: 7 milhões
Tipo: colapso do Estado
Linha divisória ampla: Roma versus bárbaros
Época: 395-455 d.C.Gêngis Khan
Número de mortes: 40 milhões
Tipo: Conquistador do mundo
Linha divisória ampla: mongóis versus civilização
Época: acredita-se que Gêngis viveu entre 1162 e 1227, mas não avançou contra o mundo senão em 1206Guerras Napoleônicas
Número de mortos: 4 milhões (3 milhões de soldados e 1 milhão de civis morreram, incluindo as Guerras Revolucionárias Francesas)
Tipo: conquista mundial
Linha divisória ampla: partidários de Napoleão diziam que era a oposição das virtudes do Iluminismo contra o decadente Antigo Regime. O restante da Europa dizia que era Napoleão contra o mundo.
Época: 1792-1815
E agora alguns conflitos mais recentes:
A Guerra Soviético-Afegã
Número de mortos: 1,5 milhão
Tipo: guerra civil ideológica
Linha divisória ampla: comunistas versus mudjahidins
Época: 1979-92Guerra Irã-Iraque
Número de mortos: 700 mil
Tipo: guerra hegemônica
Linha divisória ampla e principais Estados participantes: Irã versus Iraque
Época: 1980-88Genocídio em Ruanda
Número de mortos: 937 mil
Tipo: limpeza étnica
Linha divisória ampla: hutus versus tutsis
Época: durou cem dias, em 1994
É óbvio que fazer uma comparação entre os conflitos antigos e os conflitos relativamente recentes implica em descontextualizar um monte de coisas: condições de vida da época, higiene, pensamento vigente e o contexto histórico dos lugares e das épocas em que os conflitos ocorreram – vamos lembrar que em tempos ruins não são só espadas, baionetas e balas que matam as pessoas: água contaminada, fome e pestes sempre estão aí pra fazer um festim de horrores extra. Em outras palavras, é impossível fazer uma comparação justa entre os conflitos antigos e os conflitos atuais sem necessitar de páginas e mais páginas de ressalvas. No entanto, algo fica bem claro nos números à medida que vamos avançando: o número de vítimas vai decrescendo (com exceção da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, que mataram 15 milhões e 66 milhões de pessoas, respectivamente – só que aqui estamos falando de conflitos de proporção mundial – ou quase isso).
Mas voltando lá em cima, sabe por que o prefácio do livro é de Steven Pinker? Porque o prolífico escritor, ex-diretor do Centro de Neurociência Cognitiva do MIT e hoje professor do Departamento de Psicologia de Harvard é um estudioso da questão da violência. E para provar o decréscimo da violência no mundo inteiro ele escreveu Os Anjos Bons da Nossa Natureza – Por que a violência diminuiu, um tijolão de 1088 páginas que consegue um feito que poucos catataus alcançam: ser interessante do começo ao fim.
“Este livro trata de um acontecimento que pode ser o mais importante de toda a história humana. Acredite se quiser – e sei que a maioria não acredita –, a violência vem diminuindo desde o passado distante, e hoje podemos estar vivendo na era mais pacífica que a nossa espécie já atravessou. É verdade que esse declínio não tem sido uniforme, que ele não zerou a violência e que não há garantias de que continue. Mas o avanço é inconfundível, visível em escalas que vão de milênios a meros anos, das guerras até o castigo físico de crianças.
Nenhum aspecto da vida ficou intocado pelo recuo da violência. O cotidiano é bem diferente quando as pessoas precisam se preocupar o tempo todo em ser raptadas, estupradas ou assassinadas, e o desenvolvimento de artes refinadas, do que aprendizado e do comércio é dificultado porque as instituições que os alicerçam são incendiadas logo ao nascer.
A trajetória histórica da violência afeta não só o modo como a vida é vivida, mas também como ela é entendida. O que poderia ser mais fundamental para a nossa concepção de sentido e propósito do que saber se os esforços da raça humana ao longo das eras nos deixaram melhor ou pior? Como, em especial, devemos compreender a modernidade – a erosão da família, tribo, tradição e religião pelas forças do individualismo, cosmopolitismo, razão e ciência? Muito depende de nosso modo de ver o legado dessa transição: se enxergamos nosso mundo como um pesadelo de crime, terrorismo e genocídio e guerra ou como um período que, pelos padrões da história, é abençoado com níveis sem precedentes de coexistência pacífica.”
Você pode ler uma amostra do livro em PDF aqui.
Depois desse prefácio que explica a ideia de que a violência está diminuindo – o que é bem difícil de acreditar – Pinker traça toda a história da violência, começando com o homem pré-histórico, passando pela Grécia, pelos horrores narrados na Bíblia, os cavaleiros medievais, o conceito europeu de honra que foi levado em navios para os EUA, e caminhando até a época atual. Mas o livro não é só um recorte histórico do fenômeno da violência: Pinker analisa as formações sociais, o modo como os seres humanos se organizam e como o fenômeno da violência – que é comum, está dentro de todos nós e não é demonizado pelo autor em momento algum – acontece. Mas principalmente, Pinker se concentra nos motivos desse fenômeno existir. Nada é totalmente bom nem totalmente ruim, e o autor nunca se esquece de que a violência pode ser necessária e até salutar em determinadas situações.
Depois de todas as contextualizações necessárias, Pinker começa a explicar a história da violência e apresenta a teoria de que ela está diminuindo. E ele te convence. Não seria errado afirmar que anos de mudanças históricas e de hegemonia do humanismo nos trouxeram até uma sociedade que hoje, em boa parte do mundo, é tão civilizada quanto é possível. Claro que a violência não acabou – e nem vai acabar tão cedo – mas Pinker explica que os atos violentos vêm, cada vez mais, se tornando fenômenos isolados. E precisamos lembrar que com o crescimento dos meios de comunicação (primeiro a imprensa escrita, depois o rádio, a TV e, finalmente, a internet), nós passamos a ter uma consciência mais aguda da violência porque ficamos melhor informados acerca dela – em qualquer jornal, site noticioso ou portal não tem erro: as notícias de violência são as que dão mais audiência. Como estarmos melhor informados e mais conectados, a violência – que já tem o pendor natural de chocar – nos deixa ainda mais assustados e sensíveis.
Em Os Anjos Bons da Nossa Natureza, Pinker consegue limpar da nossa mente muitas ideias estridentes e exageradas que temos acerca da violência e nos obriga a encarar de forma mais equilibrada um mundo que é, sim, violento e cruel, mas que talvez seja menos ruim do que parece. Já é alguma coisa, não?
Se interessou pelo livro? Conte nos comentários como você lida com a questão da violência: como você gerencia sua própria raiva? Quão assustado com a violência você fica e o que faz para se preservar? Você tem alguma ideia para lidar com a questão da violência, da reabilitação de prisioneiros? Responda uma dessas perguntas para a gente e um exemplar de Os Anjos Bons da nossa Natureza poderá ser seu. Numa parceria com a Companhia das Letras, recebemos cinco exemplares do livro e os donos das cinco melhores respostas vão levar esse tratado para casa.
(A parceria com a editora continua e semana que vem tem mais!)
[Imagem de destaque via Al_HikesAZ]
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