O hábito de frequentar fliperamas é praticamente inexistente no Brasil. Para quem nasceu na década de 90, nem os descendentes distantes da linhagem sobreviveram: é difícil encontrar alguma lan house frequentada com o mesmo afinco equivalente as épocas de ouro, em que o icônico “Counter-Strike” ocupava a vida da maioria dos estudantes. Jogar, na maioria dos casos, tornou-se uma experiência multiplayer, ao mesmo tempo em que é solitária – cada jogador em sua respectiva casa, comunicando-se online.
Na data de 1982, porém, o Brasil era lar de diversos arcades – cerca de 100, no total, cada qual equipado de títulos famosos, nos moldes de “Space Invaders”, “Kong”, “Munch Man” (Come-Come, como era conhecido na época, e “Pac-Man”, rótulo mais atual), “Commander”, entre outros. Colocando os jogadores na pele de “astro-heróis”, maneira com que os protagonistas eram intitulados na época, e consagrando figuras como Paulinho do Fliperama, com sua pontuação de 30 milhões pontos na máquina “Cavaleiro Negro” no Rio Barra Shopping, as máquinas eram um substituto para os clubes e afins.
As aventuras com clima de nostalgia e um toque de surrealismo, dada a dimensão do sucesso, são narradas em uma edição histórica da Veja, do mesmo ano, em que a revista retrata parte do cenário arcade do País (acesse o acervo digital e leia a matéria, na íntegra, na edição 716, página 66). Nesta época, que ocorreu logo após o período de censura federal, o termo jogo de vídeo e “brinquedo” eram alguns dos mais atrelados a mídia – hoje em dia, a associação com brinquedos pode ser considerada pejorativa e caiu em desuso.
Com exceção do Japão, a diminuição de fliperamas pelo globo foi via de regra
O declínio dos astro-heróis ocidentais
Uma série de motivos, que envolvem custos altos de importação e manutenção de máquinas, além de uma economia não tão estável, fizeram com que o Brasil deixasse de ser casa de um cenário lucrativo para esse tipo de mercado. A Taito, que na década de 80 possuía grande presença por aqui, já não teria uma influência tão forte no mercado, assim como a Diverama, marca brasileira pioneira no ramo. Logo as manias foram substituídas.
A tendência não foi exclusividade do Brasil: assim como possuímos alguns ou outros fliperamas (Pit Stop e Lords podem ser citadas como exemplos), seja com raras máquinas oficiais e licenciadas ou apenas cabines equipadas de sistemas arcades e monitores tubos, outros países do mundo foram fechando as portas de seus arcades, mantendo lojas específicas para o público, agora classificado como nicho.
A indústria de Pachinko, aparelho de apostas único do Japão, movimenta cerca de US$ 300 bilhões por ano
Nos EUA, a situação tende a ser parecida com o cenário brasileiro. Os locais que possuem máquinas de fliperama hoje em dia tendem a contar com outros negócios atrelados a locação, como boliches ou parques de diversão. A prática faz parte do modelo da clássica PlayLand e da Hot Zone, duas das marcas mais presentes por aqui.
Depender somente de fliperamas se mostrou um negócio não tão rentável – em parte, graças ao preços das máquinas licenciadas. O site BMIGaming, um dos maiores do segmento, financia máquinas de “DJ Max Technika 3″, um dos sucessos no Japão, ao preço de U$ 8975. O mesmo preço se aplica as mais atuais máquinas de dança “Pump It Up!”, acessório indispensável na maioria dos arcades orientais.
Diversão japonesa
Com exceção do Japão, a diminuição de fliperamas pelo globo foi via de regra. Arcades de três, quatro ou cinco andares, são comuns por lá, devidamente equipados com máquinas de ponta, títulos famosos e outras quinquilharias para os não tão fanáticos, como UFO Catchers (aparelhos de pegar bichinhos ou doces com um gancho) e cabines para tirar fotos – ambos funcionando como forma de expandir os negócios e não perder consumidores.
O costume de receber pessoas em casa não é frequente no país, graças ao tamanho pequeno das moradias, e os grupos tendem a se juntar em locais como karaokês, bares, restaurantes e arcades
Vale também citar a indústria de Pachinko, aparelho de apostas único do Japão, que movimenta cerca de US$ 300 bilhões por ano e funciona como um equivalente ao bingo, com a diferença que, por lá, mesmo com a proibição dos jogos de aposta, o Pachinko é exceção e pode funcionar livremente. Os últimos andares de algumas casas são frequentados pelo público mais hardcore, o que denota uma estrutura de tiers aos locais, dividindo os jogadores em camadas.
Patenteados pela Sega ou servindo como uma coleção de diversas máquinas, os fliperamas regozijam locações ótimas nas ruas do Japão, na porta de metrôs movimentados e em grandes centros. Novidades constantes são utilizadas como maneira de aumentar a frequência dos clientes e não é raro topar com um tipo inédito de equipamento.
O documentário 100 Yen, lançado recentemente pelo diretor Brad Crawford, retrata este universo particular dos japoneses, em que os fliperamas alcançaram um status maior dentro da rotina da população. Em suma, a argumentação de Crawford inicia com uma breve história sobre o próprio objeto de estudo do filme: a era dos shoot ‘em ups, que teve início com o mega hit “Space Invaders”.
Existiam casas especiais apenas com máquinas do jogo e o nome do documentário não só faz alusão ao preço das fichas de fliperamas, como também serve para referenciar um dos problemas que a casa da moeda enfrentou com o lançamento do jogo – na época, moedas de 100 ienes era raras, graças ao sucesso do título. A era dos jogos de luta, que bombou com o lançamento de “Street Fighter II”, vem logo após os shmups, e, por final, os jogos de ritmo, que ainda são relativamente comuns de se encontrar em shoppings e afins, entram em cena.
Um dos pontos altos do filme é a possibilidade de dar uma olhada no interior dos arcades mais populares do Japão, como o Club Sega, já que realizar filmagens nesses locais não costuma ser permitido. Ao analisar os ambientes, não é difícil perceber que grande parte de quem frequenta os locais marca encontro com amigos – da mesma maneira que um boliche, demonstrando uma estratégia bem semelhante ao que é visto no ocidente.
É como se fosse um ponto de encontro moderninho que, de quebra, vem equipado de várias atividades para passar o tempo ou observar. Os destaques ficam para os jogadores de “Dance Dance Revolution” e suas coreografias impressionantes e os grupos extremamente competitivos que apostam suas fichas em “Street Fighter”.
Para Crawford, em entrevista a Wired, o sucesso do sistema por lá vem de dois fatores combinados: densidade da população e a falta de espaço enfrentada por essa mesma massa. O costume de receber pessoas em casa não é frequente no País, graças ao tamanho pequeno das moradias (tradicionalmente, um cômodo no japão tem 2,59 x 3,51 metros) – o que, em uma discussão paralela, também explica os motivos do Kinect não ter emplacado no Japão – e os grupos tendem a se juntar em locais como karaokês, bares, restaurantes e arcades.
A argumentação de Crawford, porém, também serve para mostrar como o ocidente sofre com a falta desse tipo de ambiente. No lugar de competir diariamente e ter um local de treino in loco, os jogadores são renegados a reuniões específicas e torneios periódicos (como o Evolution, que rola em Las Vegas, o maior campeonato de jogos de luta do mundo, que também dá uma palhinha no documentário) – diferente da cultura já estabelecida e enraizada no Japão.
Posts relacionados:
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
Twitter | Facebook | Contato | Anuncie