Muitos ficaram decepcionados com a apresentação do exoesqueleto criado pela equipe de Miguel Nicolelis. A promessa era mostrar um paraplégico dando o pontapé inicial da Copa do Mundo; o que vimos foram pouquíssimos segundos de exposição na TV. O que aconteceu? Nicolelis já se manifestou, e agora é a vez da Fifa.
A assessoria de imprensa da Fifa diz à Folha que concedeu 30 segundos para a demonstração do exoesqueleto BRA-Santos Dumont 1, “e isso foi cumprido”. Em entrevista ao Jornal Nacional, Nicolelis disse que a demonstração foi executada em 16 segundos.
Mas a Fifa diz que não garantia exibir isso na íntegra pela TV, pois isso “não dependia da federação”. Ela rebate uma crítica de Nicolelis no Twitter:
A FIFA deveria responder pela edição das imagens que impediu q a demonstração fosse transmitida na integra. Responsabilidade é tda dela.
— Miguel Nicolelis (@MiguelNicolelis) 13 junho 2014
E por que o exoesqueleto estava em uma extremidade do campo? A Fifa diz que o gramado poderia ser prejudicado antes do jogo Brasil x Croácia caso houvesse uso de cadeira de rodas ou do próprio exoesqueleto. E mais: uma fonte da Fifa diz à Folha que “o projeto da cerimônia já estava pronto e sendo ensaiado” quando a Fifa foi abordada pela equipe do projeto Andar de Novo.
A assessoria ainda diz que a demonstração “foi rigorosamente igual à que aconteceu nos dois ensaios gerais”. A equipe do Andar de Novo diz ao Estadão que “nenhum outro movimento foi realizado pelo exoesqueleto, além daquele que aparece nos 2 segundos de transmissão da TV”.
>>> Como funciona o exoesqueleto criado pelo neurocientista Miguel Nicolelis?
Promessas
Na abertura, Juliano Pinto, de 29 anos – um dos oito pacientes da AACD que testou o exoesqueleto nos últimos meses – vestia o traje de 70 quilos. Ele era sustentado por duas pessoas que o seguravam em hastes nas laterais; assim, o paciente moveu de leve a perna direita para tocar uma bola que estava à sua frente. Juliano foi levado ao campo, já em pé, por um carrinho de golfe equipado com um pequeno “guindaste” na parte de trás.
Mas por anos, Nicolelis prometia mais: “uma veste robótica que poderá fazer que tetraplégicos voltem a andar, usando só a força do pensamento” na abertura da Copa, disse ele nesta entrevista de 2011 ao Estadão. Ele repetiu a promessa várias vezes desde então.
Aí Nicolelis disse em janeiro, antes de começarem os testes clínicos, que isso seria um pouco menos ambicioso:
A ideia é que a gente possa demonstrar a habilidade de um paciente paraplégico, e com lesão medular severa, se levantar de uma cadeira de rodas usando a atividade cerebral para controlar o exoesqueleto, caminhar até o centro do campo recebendo todo o feedback tátil desses passos, e finalmente chutar a bola para inaugurar a Copa do Mundo.
O paciente seria paraplégico, não tetraplégico. Alguns dias antes da abertura da Copa, um comunicado à imprensa já era mais cauteloso:
Um dos oito pacientes da AACD que participaram dos testes clínicos será encarregado de um “chute inicial” da Brazuca (nome da bola oficial do torneio) movimentando o exoesqueleto somente com a atividade cerebral, assim como ocorreu no laboratório.
Ou seja, nada de se levantar, nem de caminhar. E em um FAQ à imprensa, divulgado horas antes da abertura, a cautela foi ainda maior:
Como será a demonstração na abertura da Copa do Mundo?
Não podemos revelar detalhes, respeitando contrato de confidencialidade assinado com a FIFA.
Nicolelis disse no Twitter: “o que foi prometido, foi entregue”. Dependendo de onde você olhar, ele está certo – afinal, a promessa mudou bastante desde o início do ano.
Críticas
Claro que isso atraiu a ira de alguns. Edward Tehovnik, neurocientista americano da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), critica todo o segredo envolvendo o projeto. Ele diz à Veja que “trabalho científico é feito por pesquisadores que publicam seus trabalhos, recebem críticas de seus pares e, assim, melhoram suas descobertas… não há como saber se o que Nicolelis mostrou na Copa é, realmente, um avanço científico.”
Ele está no coro de críticos ao trabalho de Nicolelis. Andrew Schwartz, da Universidade de Pittsburgh, já havia dito: “tudo o que você vai ver na demonstração será robótica de fantasia”. O também neurocientista John Donoghue, da Universidade Brown, também se manifestou: “quando o espetáculo terminar, as pessoas que o professor Nicolelis ensinou a usar os exoesqueletos vão voltar às cadeiras de rodas. Elas não vão recuperar os movimentos”.
A assessoria do projeto Andar de Novo lembra que “a apresentação na abertura da Copa do Mundo será uma demonstração da pesquisa produzida e não faz parte do estudo científico”. Eles dizem que “o objetivo é aproximar a ciência da população, uma audiência estimada na casa do bilhão de pessoas”. O resultado, infelizmente, acabou decepcionando; mas Nicolelis lembra que este é só o começo, e segue no Facebook divulgando vídeos com os testes do exoesqueleto no laboratório.
O projeto Andar de Novo recebeu um financiamento de R$ 33 milhões do Finep – órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia – destinados “exclusivamente para a fase de testes clínicos”, que devem ser publicados em revistas científicas ainda este ano. O custo da apresentação na Copa, segundo eles, veio de doações privadas. [Folha]
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