Recentemente os EUA receberam uma onda de notícias sobre casos de estupro em universidades famosas e renomadas, que fazem pouco ou quase nada para investigar os casos e punir os responsáveis. Uma estudante da Columbia passou a carregar um colchão pelo campus em protesto até que seu estuprador fosse expulso, gerando apoio e um movimento no país.
Um relato anônimo de uma aluna da Universidade da Virginia na Rolling Stone (posto em dúvida pela própria revista posteriormente) descreveu o descaso da universidade e os problemas estruturais que fazem com que poucas estudantes tenham coragem de denunciar seus agressores. Aqui no Brasil, denúncias na faculdade de Medicina da USP mostram situações parecidas.
As alunas que contam suas histórias, pública ou anonimamente, sempre dizem conhecer mais casos de mulheres que sofreram o mesmo mas não quiseram se expor. E um dos comentários mais frequentes é: mas por que elas ficam caladas? Os homens que fazem isso são criminosos, e merecem punição, então por que elas não denunciam?
Essa pergunta não tem resposta simples, mas ultimamente a TV americana se esforçou para respondê-la.
No episódio 6×08, “Red Zone”, de “The Good Wife”, Alicia é chamada pelo seu irmão para auxiliar uma estudante universitária vítima de estupro. Durante uma audiência interna, a aluna, Jody, não tem direito a advogado, precisa confrontar seu agressor, e acaba sendo mais questionada pelas figuras de autoridade da universidade do que o contrário.
É apenas com a ajuda silenciosa de Alicia, que assiste ao procedimento e envia instruções para a aluna via mensagens de texto por baixo da mesa, que ela consegue virar o jogo. E é só após ameaçar a universidade com um processo que a escola expulsa o aluno agressor – com acusações menores, em nada relacionadas à violência sexual.
Alicia diz à aluna que elas podem continuar com a ação contra a escola, mas a estudante desiste. Fica claro que o processo pelo qual ela passou – que deveria existir para protegê-la – exigia demais dela. Na universidade fictícia, havia uma “parede do estupro”, na qual 60 vítimas haviam escrito os nomes dos seus agressores, anonimamente.
Quantas haviam tentado fazer o mesmo que Jody, mas falharam por não ter a ajuda de alguém poderoso como Alicia? Apesar do fim melancólico da trama, Jody recebeu uma resposta mais consistente do que a maioria das estudantes reais que apareceram nas notícias.
The Good Wife, Scandal e Elementary abordaram o tema de mulheres que sofreram caladas
Recentemente, no episódio 4×07, “Baby Made a Mess”, “Scandal” trouxe à série o ex-marido de Abby, que batia nela quando eles eram casados. Ele surge como um candidato ao Senado prestes a receber apoio da Casa Branca, onde Abby trabalha. Abby luta contra a situação à sua maneira, recebe ajuda de Olivia – que tenta garantir que a oponente dele ganhe a eleição – mas sempre chega à mesma conclusão: ela não quer se expor como vítima, pois ela sabe que no minuto em que o fizer, será estigmatizada e julgada da mesma forma que seu agressor. É preciso que um outro assessor vaze a história para que o candidato deixe a corrida eleitoral. E Abby questiona Olivia sobre o que acontece com as mulheres que protagonizam escândalos depois que eles passam.
Logo depois, foi a vez de “Elementary” questionar esses temas, de um jeito que serviu ainda para dar mais profundidade a uma personagem nova que chegou à série com uma história própria de abuso. Após ter sido vítima de um sequestrador que a torturou e estuprou, a nova protegida de Sherlock, Kitty, veio para Nova York pois queria começar de novo.
No episódio 3×05, “Rip Off”, a filha policial de Gregson, o capitão da NYPD, é agredida por um outro policial com a qual ela teve um relacionamento. Mas ela não quer que a agressão se torne pública, pois sabe que será vista como vítima pelo resto da NYPD, e isso prejudicaria sua carreira. Como alguém que nunca passou por situação parecida, Gregson não consegue entender.
A importância da TV mostrar casos que normalmente ficam ocultos. Faz pensar sobre o assunto e questionar como agir e quem ouvir da próxima vez que encontrar algum tipo de injustiça
É aí que Kitty intervém para explicar a ele como era insuportável ser vista apenas como vítima mesmo por pessoas que a queriam ajudar. Diz que cabe à filha dele decidir se expor ou não, pois é ela que vai sofrer as consequências. No fim, Gregson entende e respeita a decisão da filha – e descobre que Kitty se adiantou e ameaçou o policial agressor, fazendo com que ele deixe a NYPD.
Quando o sistema oficial, que deveria proteger essas mulheres, falha tão repetidamente, elas acabam com poucas opções. Ou se expõem e carregam um fardo publicamente – como faz a estudante com seu colchão na Columbia – ou se silenciam.
Com sorte, elas encontram uma Alicia para mandar mensagens por baixo da mesa, uma Kitty para agir off-screen ou um assessor para vazar informações, e assim conseguem obter algum tipo de justiça também silenciosa. Mas isso só acontece quando elas têm apoio de outras pessoas que acreditam nelas e entendem o que elas estão passando, da forma que o sistema não faz. Em um mundo sem Alicias e Kittys, quem faz esse papel?
Está aí a importância da TV mostrar casos que normalmente ficam ocultos, de tentar responder essa e outras perguntas que não têm resposta fácil. Faz você pensar sobre o assunto – e, quem sabe, se questionar como deve agir e quem precisa ouvir da próxima vez que encontrar algum tipo de injustiça.
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Este post foi publicado originalmente no Spoilers.tv.br.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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