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Se eu não fosse um gamer


Eu adoro cenários hipotéticos. Na falta da possibilidade real de visitar os supostos universos paralelos que abrigam um mundo totalmente ao contrário (já pensou uma existência em que chocolate tem gosto de lama, ou em que o Sonic é melhor que o Mario? Difícil de imaginar!), só me resta mesmo usar meu cérebro como um poderoso simulador.

Sim, eu meio que tenho como hobby simular mentalmente (que é uma expressão bem mais legal que “fazer de conta”) inúmeras situações hipotéticas. E se eu tivesse nascido na Rússia? E se tivéssemos ganhado a Copa do Mundo de 2010?  E se o mundo conforme descrito em Matrix fosse realidade?

Evidentemente, meu cérebro não é tão bem equipado para essas simulações. O cenário imaginário começa com um “Se X”; consigo derivar disso alguns “então Y” mas em pouco tempo as variáveis se acumulam, a brincadeira desmorona e meu cérebro muda de assunto como se nada tivesse acontecido. Mas continuo gostando desse exercício mental.

E outro dia propus a mim mesmo um cenário que eu honestamente jamais havia parado pra imaginar: e se eu nunca tivesse me tornado um gamer?

Tudo começou com uma conversa com minha mulher. A patroa, que estuda a possibilidade de rebentos num futuro próximo, perguntou-me o que eu acharia caso nosso filho não compartilhasse dos meus interesses (ou seja, videogame, tecnologia e demais nerdices).  Vai que o menino se amarra em artes plásticas ou e colecionar selos?

E isso me deixou pensativo: e se eu nunca tivesse me interessado em games? A influência do gosto por tecnologia (e que eventualmente tornou-se atração por videogames) veio do meu pai. Mas e se meu pai fosse como muitos pais brasileiros, que entendem muito mais de times da terceira divisão do que de memória RAM e kilobytes por segundo?

Talvez isso fosse o suficiente para me colocar numa direção totalmente diferente.

Em primeiro lugar, eu não conheceria muitos dos meus melhores amigos: nossas amizades foram consolidadas ao longo de muitas horas na locadora, ou da troca clandestina de fitas de SNES na escola (as confusões inerentes a negociações entre pessoas que não compreendem valores financeiros fez com que a diretoria criminalizasse esse escambo), ou em discussões intermináveis em fóruns sobre games decidindo se um screenshot de um game de Xbox 360 tinha mais aliasing que o de um equivalente de PS3.

Como falei antes, a ausência de tantas pessoas influentes na minha vida gera inúmeras variáveis com as quais minha cachola não consegue lidar. Mas é evidente que isso, por si só, me tornaria uma pessoa bastante diferente.

Outra diferença que me deixa meio triste só de imaginar é que boa parte das minhas melhores memórias de infância não existiriam. Certamente a lacuna do videogame seria preenchida com outras atividades igualmente importantes para mim (digamos, sei lá, participar do time de futebol da molecada do bairro), mas eu acho difícil me imaginar gostando mais de uma partida do chamado “futebol de várzea” do que de tentar zerar Donkey Kong 2 com meu irmão.

Ou daquelas longas tardes em que eu me dedicava a fazer nada senão passear pelos mapas de Super Mario World. Ou de quão maravilhado eu fiquei quando joguei meu primeiro RTS (Command and Conquer) na casa dos meus primos e decidi naquele exato momento que este gênero estranho de game era meu novo favorito.

Videogames foram uma parte tão presente e importante nos meus anos formativos que inevitavelmente eles estiveram presentes em momentos importantíssimos, isso quando eles não geraram diretamente os tais momentos. O dia que eu ganhei meu Super Nintendo, por exemplo, foi disparado um dos melhores dias de toda a minha vida. Você não tem idéia de como foi difícil ir dormir naquela primeira noite!

Em contrapartida, o dia em que eu o quebrei foi sem qualquer dúvida a primeira vez que experimentei a profunda tristeza que resulta de uma grande perda.

Eu estava prestes a dizer “confie em mim, não estou exagerando em relação à tristeza daquele dia” quando percebi que, devido à grande audiência do Tecnoblog, existem grandes chances de que você passou pela mesma experiência traumática que é quebrar o próprio videogame. Neste caso, eu não preciso ilustrar o estado emocional de uma criança que se vê nessa situação pra te convencer.

Lembra que eu mencionei o futebol com a turminha? Essa referência não foi por acaso. Acontece que quase todas as ocasiões em que me recusei a me envolver com esportes (ou qualquer atividade física mais intensa que amarrar os cadarços, na verdade), a culpa foi dos videogames.

Participar do time de futsal da escola? Não dá, isso entrará em conflito com minha agenda de jogar Full Throttle a tarde inteira (lembre-se, na era pré-internet um adventure podia demorar meses pra ser zerado!). Sair pra patinar na rua com a molecada do bairro? Ih rapaz, você veio me chamar justo quando eu tinha acabado de começar uma partida de Mortal Kombat, fica pra próxima! Praia, pai? Logo hoje, que aluguei Yoshi Island?!

É, estou realmente tentando esquivar-me da responsabilidade pessoal de uma vida dedicada ao sedentarismo. A culpa é minha, admito, mas a presença dos games foi uma das causas.

No geral, a influência dos games na minha vida foi positiva. Apesar de ter talvez me colocado no caminho (quase) sem volta de camisetas GGG e medicação para colesterol, tudo mais que esse hobby me proporcionou faz grande parte de quem eu sou e do que eu faço.

Não são apenas os amigos, ou as memórias de infância, ou mesmo esta própria coluna; ser fanático por videogames me rendeu um senso de identificação pessoal que eu não consigo imaginar vir de qualquer outro meio. Por mais que eu goste de fazer essas simulações de cenários hipotéticos, me imaginar como um não-gamer é quase imposível. A pessoa que me vem à mente simplesmente não é eu.

Eu sou, como você, um gamer. Sempre fui, sempre serei, e por causa disso sempre me sentirei à vontade entre outras pessoas que entendem memes como “the cake is a lie” ou cujos ringtones do celular sejam sons de argolas do Sonic ou moedas do Mario.

E você? Como videogames influenciaram sua vida?

Se eu não fosse um gamer

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