A gente fala muito sobre marcas entenderem as mulheres e passarem mensagens coerentes para elas, mas pouco se comenta sobre o quanto o próprio mercado de trabalho tem dificuldade em se adaptar às necessidades de flexibilidade dos seus funcionários, em especial a parcela feminina deles.
Uma pesquisa entre freelancers norte-americanos mostra que o interesse feminino no modelo de trabalho freelancer em tempo integral – e não apenas aquele frila pra fazer um extra – é grande. Dentre 2 mil profissionais freelancers entrevistados, 53% eram mulheres.
Ser uma profissional freelancer acaba sendo uma saída bastante digna (ainda que muitas vezes financeiramente insegura) para driblar esses problemas de flexibilidade no mercado de trabalho.
Não que a necessidade de uma maior flexibilidade e de tempo de qualidade com a família não afete diversos perfis, inclusive masculinos. Está aí o anúncio de aposentadoria do CFO do Google que não me deixa mentir: o principal motivo destacado por ele para deixar a posição foi a vontade de passar mais tempo com a família. Mas o peso acaba recaindo um tanto sobre as mulheres. Próximo dos 30 anos, elas são por vezes preteridas do ambiente de trabalho por estarem em uma época em que querem ser mães, ou por que precisam ficar alguns dias da semana em casa para cuidar de um filho doente ou algo do tipo; aos 40, elas estão indignadas com a falta de promoções ou aumentos; depois disso, é ladeira abaixo, e entre os 50 e 60, elas acabam majoritariamente ignoradas pelo mercado.
Ser uma profissional freelancer acaba sendo uma saída bastante digna (ainda que muitas vezes financeiramente insegura) para driblar esses problemas.
Segundo a pesquisa norte-americana, as mulheres são mais propensas a aceitar um freela para conseguir uma grana extra (71% de mulheres versus 51% de homens), possivelmente uma forma de contornar os salários mais baixos que seus colegas homens. Elas também apontam a flexibilidade do trabalho como uma vantagem (58% vs 43%) e a independência de dinâmicas do escritório, que nem sempre são possíveis de coexistir com a rotina de uma família.
“Elas [que não valorizam as mães no mercado de trabalho] não conseguem compreender que a cultura corporativa exclui as mulheres porque, no geral, elas são feitas para funcionarem para os homens. Essas mulheres podem ajudar a pavimentar o caminho para os seus próprios futuros se passarem a agir mais como aliadas do que negar que essa situação existe. Ao invés de sorrir e dizer que sente muito que aquela mãe não possa se juntar ao Happy Hour do escritório, pergunte a ela se ela aceita almoçar com vocês. Se você ouvir alguém comentando que ela saiu cedo do trabalho porque não estava na sua mesa às 7 da noite, lembre que ela estava presente desde as 8:30 da manhã, e que ela ainda pode participar através do Skype ou Slack”,
argumenta Katherine Zaleski, da PowerToFly, em artigo na Fortune. Ela é a presidente de um serviço que conecta empresas com mulheres dispostas a trabalhar remotamente.
A preferência das mulheres por um trabalho cada vez mais flexível também dá a elas uma vantagem competitiva no setor. O serviço de alocação de freelancers People Per Hour descobriu que dentro da sua base de cadastrados, as mulheres arrematavam 58% dos trabalhos, e recebiam até 22% mais por hora do que os seus colegas homens.
Sara Horowitz, presidente da Freelancers Union, que organizou o estudo que comentei no começo desse texto, acredita que essa foi a oportunidade encontrada pelas mulheres para reagirem à pressão da economia de uma forma transformadora. Não é fácil, obviamente: um trabalho freelancer traz consigo a instabilidade financeira e uma exaustão por conta da insegurança frequente.
Ainda assim, ou pelo menos até que as empresas consigam se adequar às demandas dos seus funcionários, têm sido uma das melhores opções para manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, sem que tenhamos que fazer decisões tão difíceis como a do CTO do Google. É possível sim ter um pouco dos dois mundos. Mas parece que ainda estamos no começo dessa revolução no mercado de trabalho.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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