Hoje em dia, a maioria das pessoas não dorme o suficiente. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA considera a insuficiência de sono uma epidemia. Enquanto estamos finalmente dando a devida atenção à importância do sono, a necessidade da escuridão ainda é ignorada. É isso aí. Escuridão. O seu corpo também precisa dela.
Quando somos expostos a padrões de luz e escuridão, isso regula nosso ritmo circadiano. A interrupção deste ritmo aumenta o risco de desenvolvermos doenças que incluem obesidade, diabetes e câncer de mama.
A luz regula o nosso sono e nosso despertar
O processo fisiológico que controla o ciclo diário de acordar e dormir, fome, níveis de atividade, temperatura do corpo, nível de melatonina no sangue, e muitos outros traços fisiológicos é chamado de ritmo circadiano endógeno.
Sozinho, o ritmo circadiano endógeno dura cerca de 24 horas. Nossos corpos precisam do Sol para resetar este ciclo e mantê-lo precisamente dentro das 24 horas, a duração de um dia. A luz e a escuridão são sinais importantes deste ciclo. O ritmo circadiano foi desenvolvido em três bilhões de anos conforme a vida evoluiu na Terra sob o contexto dos ciclos de dia e noite do Sol. Ele está inserido na nossa genética.
Durante a noite, no escuro, a temperatura do corpo cai, o metabolismo desacelera, e o hormônio da melatonina some consideravelmente. Quando o Sol nasce, a melatonina já começou a cair, e você acorda. Essa transição fisiologia natural é muito antiga, e é crucial que o processo da melatonina aconteça do jeito certo.
Se você colocar alguém em uma caverna escura, na qual não é possível saber a hora do dia, o ciclo vai durar cerca de 24h, mas não exatamente. Sem saber a hora que o Sol se põe, eventualmente essa pessoa ficaria fora de sincronia com o restante das pessoas no mundo. Inclusive, muitas pessoas completamente cegas, as que não percebem a luz, precisam lidar com essa falta de sincronia todos os dias.
O que o corpo faz no escuro?
Muitas coisas acontecem no nosso corpo durante a noite. Níveis do hormônio leptina, que controla a fome, sobem. Níveis altos de leptina significam que não sentimos fome, enquanto níveis baixos nos deixam com fome. Mas por que a leptina sobe enquanto estamos no escuro? Como evoluímos sem luz artificial durante a noite, uma teoria diz que os níveis de leptina crescem de noite porque seria bom não sentir fome durante a noite, o que evitaria que precisássemos buscar alimento no escuro — algo que possivelmente nos meteria em encrenca.
Experimentos em humanos mostram que a interrupção do sono eleva em pequenos níveis a leptina, o que faz com que a pessoa sinta fome no meio da noite.
Nas últimas décadas ficou claro que os genes que controlam o ritmo circadiano endógeno (o gene do relógico biológico) também controlam uma grande parte do nosso genoma inteiro, incluindo os genes do nosso metabolismo (como processamos a comida que comemos), resposta de danos ao DNA (como somos protegidos de toxinas químicas e radiação), e regulação cíclica das células e produção hormonal (como nossas células e tecidos crescem).
Luz durante a noite interrompe este processo. As mudanças resultantes de exposição à luz elétrica durante a noite têm conexões biológicas com doenças e doenças que são comuns no mundo moderno, incluindo obesidade, diabetes, câncer e depressão.
Luz azul, luz vermelha, sem luz
Nem toda luz é igual — alguns tipos de luz te deixam mais alerta e mais acordado, outras têm efeitos menores.
Luz do Sol é forte em azul, em curta distância, apesar de incluir todas as outras cores também. Isso é importante durante as manhãs, quando precisamos estar alertas e acordados. Mas quando chega a tarde ou a noite, ela engana o corpo fazendo-o acreditar que ainda é dia. Agora sabemos que essa brilhante luz azul tem um efeito maior na diminuição da melatonina durante a noite.
O seu tablet, celular, computador e a luz fluorescente compacta (CFL) emitem esse tipo de luz azul. Então, usar estes aparelhos durante a noite pode impedir que a transição fisiológica do dia para a noite ocorra. Além de tornar mais difícil o processo de cair no sono e aumentar o risco de doenças a longo prazo.
Outros tipos de luz, amarelas e vermelho brilhante de longo alcance, têm pouco efeito sobre essa transição. Esse é o tipo de luz usada em acampamentos ou presente em uma vela, por exemplo; até a boa e velha lâmpada incandescente é mais recomendada que as novas lâmpadas CFL.
Só adquirimos entendimento básico de como a retina do olho diz ao corpo se é dia há apenas 20 anos. Agora sabemos que luz azul de curta distância é capturada pelo recém-descoberto fotopigmento melanopsina da retina, e quando a luz azul é interrompida, começamos a transição para o modo noturno.
A eletricidade mudou a forma com que dormimos
Antes da eletricidade, as pessoas viviam dias de forte e brilhante luz do Sol e noites escuras. Dormíamos de forma diferente da que dormimos hoje. A escuridão durava cerva de 12 horas e durante esse tempo as pessoas dormiam de 8 a 9 horas em dois turnos separados. Elas dormiam por cerca de 5 horas e depois acordavam — ainda durante a noite — para em seguida dormirem novamente por mais 3 ou 4 horas.
Tudo mudou quando a luz elétrica foi inventada, no final do século XIX. Desde então a escuridão não é mais tão escura. Ambientes externos estão sempre iluminados, e mais e mais pessoas usam computadores, tablets e smartphones o tempo todo, banhando seus rostos na luz azul durante horas do dia em que deveriam transicionar para o modo noturno fisiológico.
Quando pessoas fogem da cidade e da luz artificial para acampar, eles geralmente percebem uma melhoria no sono. Um estudo confirmou este efeito.
Hoje, a maioria de nós recebe pouca luz durante o dia e muita luz durante a noite, o que impede que nosso ritmo circadiano funcione perfeitamente. Raramente as pessoas dormem em quartos absolutamente escuros e muita gente toma pouquíssimo Sol porque trabalha em ambientes internos o dia inteiro.
O que você pode fazer para melhorar o seu ritmo circadiano? Tome luz do Sol pela manhã, use luzes de maior comprimento de onda — amarelas e vermelhas — durante a noite. E durma no escuro. Isso vai certamente melhor o seu sono, além de reduzir o riscos de doenças.
Este artigo foi originalmente postado na The Conversation. Leia o artigo original aqui. Ricardo Stevens é professor na Escola de Medicina da Universidade de Connecticut.
Foto de capa:Patrick Brosset/CC
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