Escolha. Algo inerente a todo ser humano, cujas vidas são formadas por uma imensa amálgama de decisões de todos os tamanhos e repercussões. Algo capaz de nos transformar nos maiores heróis, nos piores vilões ou, na maioria dos casos, em membros de uma sociedade que, como reflexo de seus integrantes, também escolhe. E também erra, trazendo desgraça e dor.
Entretanto, encontramos esperança naqueles momentos, tão ímpares quanto sublimes, de acerto e avanço. Há tantas leituras quanto possíveis mutações para o conceito dos X-Men. Sempre foi assim. A saga dos mutantes no cinema veio para reforçar as mais fundamentais. Com “X-Men: Dias De Um Futuro Esquecido”, a santa trindade volta à baila com força, emoção e eficácia extrema: confiança, escolha e esperança.
O sucesso e a qualidade de “X-Men: Primeira Classe” são indiscutíveis. A revitalização da temática, o novo elenco e uma visão mais independente dos quadrinhos em relação aos primeiros filmes deram um passo evolutivo extremo na mitologia dos mutantes na telona.
O que foi bom, afinal, a Marvel está dominando o mercado com o conceito dos universos complexos e a Fox não podia ficar se contentando com uma franquia defasada – especialmente depois da inconsistência dos filmes de Wolverine –, logo, tudo mudou com o filme de Matthew Vaughn. E para melhor, pois foi o fôlego de “Primeira Classe” que permitiu o salto – sem paraquedas e sem volta – na mitologia da maior, e mais dramática, saga dos X-Men.
Bryan Singer no set
“Dias do Um Futuro Esquecido” envolve tragédias, sacrifícios, muito drama e, claro, escolhas. Muito graças à dinâmica entre as versões sexagenárias de Professor X e Magneto, num clara referência à fé numa segunda chance e ao poder da amizade reconstruída por conta da experiência. É difícil torcer por Magneto – contanto que você não tenha tendências assassinas, claro –, mas, dessa vez, o roteiro permite que Ian McKellen redima o personagem e nos faça sentir com ele.
Os quadrinhos já discutiram praticamente todos os temas possíveis, mas quem escolhe os assuntos a serem tratados pelos filmes é o momento. Quais aspectos vão fazer sentido para quem nunca leu uma página? Como manter a crítica social e política sempre presente?
Curiosamente, “Man of Steel”, “Capitão América: O Soldado Invernal” e “X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido” entenderam a demanda atual e bateram forte na repressão, no medo do controle do Estado e nas ameaças que a alta tecnologia (em referência aos drones de combate) podem trazer contra os “inimigos”.
Aí entram as Sentinelas, muito mais próximas do visual do Destruidor, de “Thor”, do que dos quadrinhos, elas incorporam todos esses medos e conceitos. Isso permite que o filme vá além da mensagem constante da coexistência, sempre presente em X-Men, e discuta também a liberdade, os limites da sociedade e a importância da individualidade.
Singer mostra que é possível abordar temáticas sérias e ser socialmente relevante sem “Nolanizar” um filme de super-herói
Individualidade essa que, inevitavelmente, pode definir o futuro de milhões, afinal, Tio Ben precisa ser evocado. E, se com grandes poderes vem grandes responsabilidades, um ato impensado ou equivocado pode transformar o planeta. Isaac Asimov brincou com isso em “A Fundação”, quando, mesmo protegido por uma armada toda-poderosa e exércitos invencíveis, o Imperador Creonte é morto pela mais improvável das razões e a Galáxia segue um novo rumo.
As analogias não tem fim, afinal, escolher é nossa grande força. E nossa ruína, afinal, pode haver um oceano sem fim entre um sim e um não. Nesse ponto, Bryan Singer – de volta à franquia “boba” que ele elevou ao nível da seriedade e relevância cinematográfica – soube trabalhar muito bem o distanciamento dos personagens, preservando suas razões e convicções, sem ignorar a lógica e a história. Ou seja, nada de reviravoltas descartáveis só para satisfazer o roteiro.
“X-Men: Dias do Futuro Esquecido” mostra que é possível abordar temáticas sérias, colocar tudo em risco e ser socialmente relevante sem “Nolanizar” um filme de super-herói. E isso o diferencia brutalmente de “Capitão América: O Soldado Invernal” (o que não invalida o filme, claro; revi uma segunda vez e continua bastante interessante) ao apostar em estruturas próprias e igualmente efetivas. Há um diferencial, porém.
O Capitão é só um, enquanto os X-Men sobram em número e em níveis emocionais. Patrick Stewart e Ian McKellen brilham como nunca; James McAvoy e Michael Fassbender são duas forças descomunais; e Hugh Jackman rouba o filme de maneira tão arrebatadora que faz pensar por que a Fox insiste em roteiros tão mequetrefes para seus filmes solo?
Jackman, sempre simpático e modesto em entrevistas, emociona sem fazer esforço, faz rir nas horas certas e vive um dos maiores arcos dramáticos dessa Era de Ouro dos Heróis no cinema. Tony Stark que me desculpe, mas crise de ansiedade é brincadeira de criança perto do que Wolverine mostra em tela.
Singer e Peter Dinklage
É tudo uma questão de tom. De entender quando é preciso ser leve e quando a coisa é séria. O primeiro ato do filme é brilhantemente garantido por combates e pelo uso cirúrgico de Quicksilver, um dos personagens mais irreverentes dos X-Men no cinema.
A cena dentro do Pentágono é absolutamente fantástica, em todos os aspectos. Efeitos, roteiro, trilha, interpretação, edição, tudo. Em contrapartida, o terceiro ato é de uma melancolia impressionante, com grandes arcos sendo fechados e milhões de vidas em jogo de uma forma bem mais envolvente e crível do que o acidente aéreo previsível de “O Espetacular Homem-Aranha 2”.
O fanboy
Foi difícil não chorar do final do segundo ato até o final. Há uma sensação inexplicável de fim de ciclo, de sacrifício supremo e de dó. Nem todos ganham quando passado, presente e futuro são alterados, mas os poucos presentes que o destino reserva são valiosos demais.
Essa talvez seja a maior força de “X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido”: fazer com que o drama supere a roupagem dos super-heróis e envolva por si só. Bryan Singer está irreconhecivelmente aprimorado na melhor direção da carreira e o roteiro de Simon Kinberg (“Sherlock Holmes” e “X-Men: O Último Conflito”) funciona bem demais. Arrisco dizer que esse é o grande filme da franquia X-Men. É o filme a ser batido.
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Fábio M. Barreto é jornalista, autor de “Filhos do Fim do Mundo” e é orgulhoso dono do Wolverine #1.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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