O jornal Zero Hora vai mostrar por que é tão difícil devolver meninos de rua às suas famílias e impedir que sejam seduzidos pelas drogas. A resposta não é simples e será contada pela trajetória de Felipe (nome fictício), um menino de 14 anos que perambula há nove pelas esquinas da capital gaúcha. O resultado de três anos de apuração é a grande reportagem Filho da Rua, com texto de Letícia Duarte, fotos de Jefferson Botega e edição de Rodrigo Muzell, que será publicada em um caderno especial de 16 páginas encartado no jornal desse domingo.
Desde 2009, a repórter Letícia Duarte, com autorização da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, acompanha a jornada do jovem que, apesar do trabalho da rede de assistência social e da atenção da mãe, não resistiu ao apelo das ruas e das drogas. Reconstituída com dezenas de entrevistas, vídeos, fotos e mais de 300 documentos, a história mostra como as estruturas de proteção à criança não são suficientes para garantir que adolescentes em situação de risco tenham acesso a educação e cidadania.
A reportagem especial era um projeto de Letícia. Em busca do personagem, ela ouviu falar de Felipe em uma conversa com uma conselheira tutelar. Sua história tinha as peculiaridades que ela buscava: ele tinha uma mãe preocupada com seu retorno para casa e já havia passado por instituições que tentaram tirá-lo das ruas, sem sucesso.
“A reportagem de fôlego é a essência do jornalismo e a base de um jornal de qualidade. Zero Hora tem tradição em grandes reportagens, e esta, O Filho da Rua, já é considerada por nós um dos conteúdos mais importantes do ano. Somente grandes redações, com grandes repórteres, têm condições de investir tantos recursos para produzir um material como este. O caderno é uma homenagem aos nossos leitores e uma reafirmação de nossa crença na relevância de um jornal para a sua comunidade”, afirma a diretora de redação de Zero Hora e Jornais RS, Marta Gleich.
Um webdocumentário que retrata a luta de quem trabalha para resgatar os meninos em situação de rua na Capital é outro produto desta grande reportagem. O material será publicado no sábado (16) em no site do jornal.
Os autores
Letícia Duarte, 31 anos, é formada em Jornalismo pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), cidade onde nasceu. Em 2002, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria regional Sul pela série de reportagens Adolescência Prostituída, publicada no mesmo ano no Pioneiro. Desde 2003, trabalha em ZH, onde conquistou outras distinções, como o Prêmio Iberoamericano pelos Direitos da Infância e da Adolescência na categoria HIV/Aids, concedido pela Unicef (2005), pela reportagem Herdeiros da Aids; e o Prêmio Imprensa Embratel, na categoria regional Sul, pela série Os Rios Grandes do Sul (2007). Depois de sete anos como repórter da editoria de Geral, Letícia está há dois anos na editoria de Política. Além de trabalhar na coluna Página 10, é comentarista de política do programa TVCOM Tudo Mais, da TVCOM.
Jefferson Botega, 39 anos, estudou Artes e formou-se em Fotografia pela UCS (Universidade de Caxias do Sul). Começou a trabalhar com fotografia aos 14 anos, em Giruá, nas missões, cidade onde nasceu. Entrou no Grupo RBS em 1996, passou pelo jornal Pioneiro e desde 2004 está em Zero Hora. Atualmente é um dos editores da Fotografia de ZH. Em 2006 venceu o concurso mundial de Fotografia da Revista especializada em imagens “Photo Francesa”, na categoria Moda. Recebeu três prêmios Direitos Humanos, SOS Mata Atlântica e menção honrosa no “Leica Fotografe” em 2011.
Três perguntas para Letícia Duarte
1) Que impacto esta história teve na tua vida pessoal?
Eu costumo brincar que esta reportagem é como um filho para mim. E sinto todas as dores (e alegrias) do parto após esta longa gestação de três anos. A reportagem invadiu a minha vida pessoal, porque eu tinha que acompanhar a trajetória do menino, que não se restringia ao expediente. Foram muitos dias de angústia, noites sem dormir, incertezas sobre o futuro da matéria e do menino, dilemas éticos e humanos.
2) Qual foi o momento mais difícil da apuração?
O mais complicado foi lidar com a incerteza. Nunca sabia se conseguiria encontrar o menino, e mesmo os vínculos com a mãe eram precários. Ela não tem telefone, mudou várias vezes de endereço. Cada novo contato era uma nova busca. Também não sabia exatamente que reportagem seria essa. A ideia inicial era retratar “como nasce um menino de rua”, mas ao longo da apuração o formato desta reportagem mudou várias vezes. Foram tantas incertezas e reviravoltas que cheguei a duvidar que conseguiria concluir este trabalho.
3) Em algum momento, tu cogitaste te envolver pessoalmente e de alguma forma ajudar o Felipe?
Este foi um dos dilemas com o qual que me confrontei durante a reportagem. Como jornalista, tenho como princípio a isenção para poder retratar com fidelidade a realidade. Por outro lado, criei vínculos com a família nesses três anos e tinha vontade de poder ajudá-la. O desafio foi me manter próxima sem interferir no destino do menino, que já vinha sendo acompanhado pela rede assistencial. Até porque qualquer doação material isolada não seria uma ajuda para Felipe, mas uma moeda de troca para o crack. Espero que, a partir da publicação da história, a sociedade e os governos possam refletir sobre caminhos para resgatar Felipe e outros tantos como ele.