Benjamim Steinbruch é um empresário multifacetado. Hoje, ele pode facilmente ser chamado de magnata do aço. Um dos fundadores do grupo Vicunha, que mexe com produtos têxteis, Steinbruch foi incumbido, nos anos 1990, de diversificar os negócios da empresa, e acabou entrando nos processos de privatização da CSN e da Vale. Mais tarde, abriu mão de suas ações na Vale e aumentou sua participação na CSN, empresa da qual hoje é presidente.
Esse é o seu lado empreendedor.
Porém, como infelizmente acontece com a maioria dos grandes empresários brasileiros, Steinbruch também possui seu lado cartorial: ele é o presidente em exercício da FIESP, entidade que define o que os paulistas e, por conseguinte, os brasileiros podem importar ou não. O atual presidente da FIESP, Paulo Skaf, coerentemente é afiliado ao Partido Socialista Brasileiro. A mídia, que não domina assuntos teóricos, fez troça dessa afiliação de Skaf: “Um empresário socialista? Como pode?” Ora, Skaf está demonstrando corretamente suas preferências. O atual regime brasileiro, em que os grandes empresários fazem conluio com o governo para benefício de ambos e em detrimento do resto da população, nada mais é do que a variante fascista (corporativista) de um arranjo socialista.
Um empresário socialista? Como pode?
Mas estou digressionando. Voltemos a Steinbruch. Sua entrevista a seguir foi dada ao jornal Valor Econômico, muito embora seu conteúdo pareça diretamente saído da Carta Capital ou do A Hora do Povo. Sua proposta econômica é módica, sensata e equilibrada: quer criar mais dois BNDES, desvalorizar a moeda o máximo possível e simplesmente proibir as importações, fechando o país.
A seguir, os trechos mais saborosos de sua longa entrevista. Vale a pena ler tudo, pois seu pensamento revela como pensa grande parte do empresariado protecionista brasileiro. Ele e o Valorvão de vermelho, eu vou de preto.
Valor: O mercado interno (brasileiro) forte amplia a chegada das importações. Isso incomoda a indústria?
Steinbruch: A importação é uma coisa nova no Brasil. Nós ainda não tivemos tempo de considerar nossa posição. Temos uma ótima situação interna, gente comprando seu primeiro bem — casa, geladeira, fogão, carro — ao mesmo tempo em que lá fora os países estão em dificuldade, com enorme capacidade ociosa. Então, nosso mercado interno, que é uma referência mundial, vira alvo. O Brasil nunca viveu isso, não temos a experiência de ficar tão bem, então pagamos um preço pelo sucesso. O mercado interno vai continuar bom, mas não necessariamente a produção local vai estar trabalhando a plena capacidade. Num curto espaço de tempo as empresas vão fazer um esforço muito grande para exportar, por falta de possibilidade de vender o produto internamente.
Devo confessar que não entendi o raciocínio. Primeiro Steinbruch diz que o mercado interno está muito bom, com as pessoas comprando seus primeiros bens, como casa, geladeira, fogão e carro. Porém, em seguida, ele conclui que estar bom significa, na verdade, estar ruim, pois vários produtos externos passam a ser vendidos aqui dentro. Conclusão: mais opções de compra é algo ruim para a população.
Paradoxalmente, conclui Steinbruch, um mercado interno forte faz com que as empresas brasileiras tenham de “fazer um esforço muito grande para exportar, por falta de possibilidade de vender o produto internamente.” Entendeu? Nem eu. E, aparentemente, nem o jornalista. Daí sua próxima pergunta.
Valor: Como assim?
Steinbruch: Há um descontrole de importações em todos os setores. No ano passado, no primeiro semestre, importamos o equivalente a US$ 5,9 bilhões em manufaturas da China. Agora, em 2010, importamos US$ 9,9 bilhões entre janeiro e junho, praticamente dobrou em um ano. E estou falando da China, apenas.
Aqui ele apenas cita um dado. Porém, utilizando-se de um artifício malicioso, Steinbruch transforma essa ausência de conclusão em uma conclusão em si. Basta falar que as importações da China aumentaram de 5,9 para 9,9 bilhões de dólares em apenas um ano e, voilà!, ele transforma um dado numérico em uma coisa vagamente assustadora, fiando-se apenas no preconceito anti-importação que domina toda a imprensa, algo que é tomado como um critério universalmente aceito. À luz desse preconceito, não precisa haver mesmo conclusão alguma, pois o simples fato de estar havendo importações da China já é automaticamente aceito como algo supremamente anormal e condenável. A pergunta a seguir confirma esse raciocínio.
Valor: Isso é discutido na Fiesp? (Observe que sequer há uma indagação sobre os motivos de tal aumento das importações chinesas ser algo ruim)
Steinbruch: Muito. Ninguém pensava que as empresas brasileiras iriam ter de parar a produção por excesso de estoques enquanto o mercado está com demanda forte, mas isso ocorre porque as importações estão ocupando espaço.
Se as importações chinesas estão “ocupando espaço” dos produtos brasileiros é porque os consumidores brasileiros estão voluntariamente mostrando que preferem aqueles produtos (talvez por serem mais baratos) aos produtos brasileiros. E o senhor Steinbruch não aceita isso. Ele quer, na verdade, um decreto governamental que proíba os consumidores brasileiros de exercerem livremente suas preferências no mercado. Melhor ainda: ele quer que os brasileiros sejam obrigados a comprar apenas os produtos seus e de seus companheiros.
Se você acha que eu estou mentindo ou exagerando, continue lendo o show de horrores que virá a seguir.
Valor: O sr. tem algum caso concreto de empresa que vai fazer isso? (Parar a produção por excesso de estoques).
Steinbruch: Até duas semanas atrás ninguém falava nisso. Se pegar os dados de 31 de julho, vocês não verão. É algo que está acontecendo agora. Há 350 mil toneladas de aço estocadas em Santa Catarina. As empresas vão ser obrigadas à exportar, o que é um esforço muito grande com uma moeda tão valorizada. Vai ter de baixar o preço no mercado interno para competir com o importado, o que é uma competição desleal, mas só vai ter o efeito disso no ano que vem. Qualquer medida que o governo tomasse agora só serviria para 2011, então o governo está atrasado. A economia vai bem, a demanda está forte, mas as empresas brasileiras estão com dificuldade de aproveitar essa bonança.
É até difícil escolher por onde começar. Tentemos pela ordem. Se há 350 mil toneladas de aço paradas em Santa Catarina, restam-lhe 3 opções:
- Vender tudo no mercado interno — é só baixar o preço que ele vai encontrar o tanto de compradores que ele quiser. Só que, como ele se acostumou com preços altos para seus produtos — tudo estimulado pela expansão do crédito orquestrada pelo Banco Central —, praticar uma redução é algo inconcebível.
- Exportar a preços vigentes no mercado internacional, algo que para sua tristeza ele não pode controlar.
- Estocar para vender quando o preço lhe for mais propício.
Depois dessa lamúria, Steinbruch prossegue dizendo que ter de baixar preços para competir com a concorrência dos importados é “uma competição desleal”. Como todo grande empresário cartorialista, ele parece ter se acostumado à crença de que vender a preços constantemente altos é um direito inalienável.
Ato contínuo, ele solta o veredicto: o governo tem de agir e tem de agir rápido! Aliás, já está atrasado! As empresas brasileiras não estão conseguindo aproveitar a atual bonança, pois os malditos chineses estão acabando com a festa, atrevendo-se a vender aqui produtos baratos e voluntariamente desejados pelos consumidores brasileiros. Que alguém trate logo de abolir o mercado e seu sistema de preços insensível às volúpias do grande empresariado.
Valor: Mas como convencer as pessoas de que é preciso fazer algo num período de crescimento forte, redução do desemprego e aumento de salários?
Steinbruch: Só perceberemos depois que as empresas começarem a parar mesmo. Aí veremos que alguma coisa furou no modelo, e furou por um descuido nosso, porque ninguém pensou nisso e muita gente não percebeu ainda. Vamos bater num muro a 200 km por hora. Cerca de 95% dos óculos vendidos no país são importados, sabia? Escovas e pentes têm a mesma situação. Não se fabrica mais aqui. Ou incentivamos mais ainda o mercado interno, com financiamento, isenção de imposto, para ter efeito rápido, ou restringimos ao máximo as importações.
Enquanto o resto do mundo se preocupa com nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e robótica, nosso empresariado ainda está preocupado com a produção de pentes e escovas! De acordo com Steinbruch, se o país parar de produzir pentes, ficaremos pobres!
Consequentemente, para impedir a derrocada da portentosa indústria nacional de pentes e escovas, o governo deve abrir as torneiras, dar financiamento barato para as empresas voltarem a produzir tão demandados e insubstituíveis objetos (só falta encontrar algum índio pra fazer escambo), e, só pra garantir, dar uma fechadinha básica nas importações. É assim que um país enriquece.
Se nos aprofundarmos um pouco mais, veremos que tal raciocínio tacanho seria contra a substituição das máquinas de escrever pelos computadores, das velas pelas lâmpadas incandescentes e das carroças pelos automóveis. Steinbruch, se possível, proibiria a importação de laptops, pois isso seria ruim para as representantes da Olivetti no Brasil.
Valor: O novo governo, seja qual for, vai fazer algo próximo disso?
Steinbruch: Isso certamente vai ter de ser feito a partir de 2011. Porque enquanto o Brasil estiver bem e os outros países estiverem mal, isso vai se perpetuar. A empresa estrangeira não tem para quem vender, então manda para cá. O que desorganiza a cadeia é que quem está importando não são os clientes finais da indústria brasileira, mas o intermediário. Se você conversa com os industriais, eles vão te dizer que estão com produção toda vendida até o fim do ano. Só que os clientes não estão retirando a mercadoria. Porque entrou uma opção alternativa, o importado, que não estava previsto. Nem por quem produz, nem por quem compra.
Maldito mercado! Interpondo-se às expectativas sossegadas dos cartorialistas! Ou em 2011 o governo acaba completamente com as importações ou voltaremos à idade da pedra — só que, dessa vez, com escovas e pentes chineses.
Observe que o raciocínio tortuoso de Steinbruch leva a uma conclusão óbvia: quanto mais produtos estrangeiros forem vendidos aqui dentro, quanto maiores as opções e quanto mais baratas forem, pior para os brasileiros. Ou seja: estamos pobres porque somos ricos. Vamos empobrecer porque enriquecemos. Somos miseráveis pois vivemos na fartura. Um país só pode ser rico quando seu mercado interno é dominado por apenas um tipo de produto vendido ao maior preço possível.
Por que é inconcebível para Steinbruch a hipótese de os produtores nacionais simplesmente reduzirem seus preços? Por que o empresariado não aproveita essa maré favorável às importações e compra bens de capital que lhes permita otimizar seu processo produtivo, aumentando assim a produtividade? Isso possibilitaria uma redução de preços e um concomitante aumento dos lucros. Porém, é mais fácil simplesmente pedir para o governo barrar as importações. O que vale é o bem-estar deles e não o dos consumidores.
Valor: Mas a maior parte do que importamos é maquinário e bem intermediário, que complementa a produção. Essa importação não é benéfica ao país?
Steinbruch: A importação benéfica para o país é difícil de se diferenciar. É aquela que complementa além do limite de produzir. Se há demanda para 105 e produzimos 100, assim os cinco vêm de fora, para equilibrar a inflação. Hoje, com a oferta que temos no mundo, o risco grande que temos não é de inflação, mas de deflação. O Banco Central está errado quando diz que há risco de inflação. O que veremos agora é deflação. Porque a ociosidade do mundo, em termos produtivos, dificulta e muito qualquer processo inflacionário de demanda, que seria nosso caso, então não existe risco de inflação no Brasil. O nível de esforço que os países maduros estão fazendo para conseguir gerar demanda, com bilhões e bilhões de gastos para incentivar a economia é justificável para reanimar a atividade. Aqui fazemos o contrário, estamos castigando o sucesso do ciclo positivo que nós desenvolvemos — mercado interno, emprego, renda familiar —, que é quebrado pela importação, favorecida pela moeda valorizada. Estamos surpresos.
Antes de tudo, observe que Steinbruch não respondeu à pergunta que lhe foi feita. O que ele realmente quer — e disso ele não abre mão — é um maior rigor nas importações, de modo que seja importado rigorosamente apenas aquilo que vai complementar a produção. Ou seja, se a indústria nacional de pentes está produzindo em sua capacidade máxima, mas a demanda por pentes continua insaciável, então nesse caso — e apenas nesse caso —, Steinbruch permite que os chineses vendam seus pentes aqui dentro. Porém, tão logo essa demanda tenha sido saciada, as importações devem voltar a ser restringidas, para que a indústria nacional volte a ser soberana na venda de pentes mais caros.
Quanto à balela sobre risco de deflação, isso apenas mostra como os grandes empresários são contra uma moeda forte — como um padrão-ouro, por exemplo, que é inerentemente deflacionário (no sentido de provocar uma constante redução nos preços). É muito mais fácil viver em uma economia cuja oferta monetária esteja em constante aumento, pois assim os lucros contábeis são mais fáceis e a produção pode ser de menor qualidade.
Valor: Com o quê?
Steinbruch: Uma situação previsível de tranquilidade no segundo semestre mudou para uma surpresa de empresas grandes estarem parando por férias ou reduzindo pessoas por um desequilíbrio entre oferta e demanda por conta do importado. Para um país como o Brasil, que tem matéria-prima, capacidade produtiva, capacidade de ter duas safras agrícolas e petróleo, não vejo onde está o benefício da importação, a não ser que seja para equilibrar preços, para evitar inflação. O Brasil teria que, de alguma forma, se fechar.
Uma situação previsível de tranquilidade foi perturbada pela repentina mudança nas preferências dos consumidores. Empresário que se assusta e se surpreende com o fato de que os consumidores preferem produtos mais baratos me parece estar no ramo errado. Essa é a essência do empreendedorismo: saber antecipar as mudanças no comportamento dos consumidores. Como explicou Israel Kirzner, os empreendedores têm de estar sempre alerta às tendências de mercado. Aqueles que não se adaptarem a isso, certamente perderão fatias de mercado — e os que são poderosos o suficiente, certamente recorrerão ao governo para tentar mudar isso.
Observe, ademais, o totalitarismo nas duas últimas frases de Steinbruch: não há benefício para os brasileiros nas importações. Esta deve ser usada apenas pontualmente com o intuito de controlar o aumento de preços. Fora isso, as importações devem ser proibidas e o país deve se fechar. (Lembra-se que eu falei lá em cima que eu não estava exagerando?)
Valor: Como assim?
Steinbruch: Fazer um pouco o que a China fez. Vocês falaram de máquinas, por exemplo. O certo é que o Brasil pudesse desenvolver, por conta do crescimento contínuo da economia, tecnologia própria, inclusive para máquinas e equipamentos, para avançarmos tecnologicamente. Hoje, importamos equipamento chinês. Por quê? Porque cresceram por 15, 20 anos e tiveram condição de testar equipamento e tecnologia, corrigir, melhorar. Começaram copiando, depois melhorando e hoje eles têm tecnologia própria. O Brasil tem de fazer a mesma coisa.
Esse é um raciocínio delicioso. De acordo com Steinbruch, se o país se fechar, isso milagrosamente fará com que todo o intelecto nacional repentinamente se exacerbe e exiba seu pleno potencial, fazendo com que, do nada, haja um salto tecnológico no país. Para ele, a inteligência, a tecnologia e o capital são coisas que estão ali, adormecidas, apenas esperando uma oportunidade — no caso, um fechamento do mercado — para que possam finalmente despertar e se exibir em sua totalidade.
E ele aparentemente falou isso com um grande ar de seriedade. É como se toda a tecnologia, todo o capital e todo o intelecto prático fossem apenas um adorno que automaticamente entraria em cena tão logo a concorrência estrangeira fosse suprimida; é como se a ausência desses elementos hoje observada não fosse de maneira alguma um obstáculo à conquista do padrão chinês de desenvolvimento. Basta fechar o mercado e as mil flores irão florescer. Haverá, finalmente, o nosso Grande Salto Para a Frente.
Valor: Fechar a economia, então?
Steinbruch: A economia tem que se fechar um pouco para poder propiciar esse salto.
Eu nunca exagero no que falo.
Valor: Mas durante esse processo, não experimentaremos um período de inflação mais alta?
Steinbruch: Você tem que incentivar o bem mais barato fabricado aqui. Nós não temos porque fazer mais caro que lá fora.
Ora, mas o bem mais barato é exatamente o que vem lá de fora! Não era exatamente disso que ele estava reclamando? Como um fechamento do mercado vai permitir que mais bens, melhores e mais baratos sejam produzidos aqui dentro? Para responder isso, ele precisa antes explicar como vai solucionar aquele problema que mencionei duas respostas acima.
Valor: E o caso da Petrobras na exploração do pré-sal que dá prioridade ao fornecedor nacional, mas há máquinas e peças que só existem no exterior?
Steinbruch: E por que não têm máquina aqui? Não é por falta de capacidade nossa, seja tecnológica, gerencial ou financeira, então não é por isso. Temos que nos educar no sentido de colocar desafios maiores para o Brasil. Nós podemos tudo. Temos que dar um trato diferente ao capital que vai para investimento e ao que vai para custeio. O investimento no Brasil é muito caro, temos um custo que não é comparável com o exterior. Essa discussão do BNDES é totalmente secundária e inoportuna.
A Petrobras, que não é boba, concorda comigo e discorda de Steinbruch. Na hora de buscar capital e tecnologia de ponta, ela corre pro exterior. Apenas ficar com esse papo cafona de que não há falta de capacidade tecnológica, gerencial ou financeira no Brasil, e que “temos que nos educar no sentido de colocar desafios maiores para o Brasil. Nós podemos tudo.”, não é o suficiente para sanar estes problemas. O problema vem bem mais de longe, e não será solucionado apenas com romantismo.
Valor: Por quê?
Steinbruch: Porque temos que fazer todo o esforço possível e imaginável para favorecer o investimento. Então, o banco de desenvolvimento tem de dar condições para as empresas. Para micro, pequena, média empresa e também para as grandes e gigantes. Temos que ir para fora. Um país que quer liderar tem que ter empresas fortes e isso só ocorre se o governo apostar junto. Foi o que aconteceu em todos os países do mundo. Se for copiar o que aconteceu com Inglaterra, Estados Unidos, é o mesmo modelo. Temos que copiar e depois melhorar. Nós temos que privilegiar o BNDES e outros, como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O presidente Lula estava certo quando estimulou o BB e a CEF à fazerem mais, à estarem presentes num momento de crise, à não cortarem o crédito. Foi um momento muito importante.
Esta posição em prol do “crédito fácil que gera crescimento” é muito difícil de ser atacada no atual momento da economia brasileira, em que tudo parece estar indo às mil maravilhas. Da mesma forma, era impossível criticar o Fed durante o período da bonança imobiliária americana, onde tudo aparentemente também era uma maravilha. Alan Greenspan, o então presidente do Fed, era saudado como um gênio monetário, capaz de gerar riqueza por meio da simples impressão de dólares. Deu no que deu. E hoje, o que vou falar no parágrafo seguinte já é amplamente aceito nos EUA (exceto pelos keynesianos); já é amplamente entendido como a causa da expansão artificial e da consequente recessão americana. Aqui no Brasil, como a coisa ainda vai demorar um pouco pra acontecer, tal raciocínio parecerá estranho. Mas economia é assim mesmo: é a arte de entender o que não se vê.
Um aparente “crescimento” econômico trazido por uma expansão do crédito — no caso, os financiamentos subsidiados do BNDES e a redução dos juros feita pelo BACEN —, não chega sequer a ser um crescimento econômico. Tampouco há um genuíno aumento da produção econômica. Inflação e crédito fácil jamais podem aumentar a disponibilidade de bens em uma economia; jamais podem aumentar a produção total. A única coisa que ambos fazem é provocar uma realocação de recursos, favorecendo aqueles que recebem esse dinheiro antes de todo o resto da população, e prejudicando aqueles que recebem esse dinheiro por último.
Durante esse período de realocação dos fatores de produção dentro da economia — período esse que é confundido com crescimento econômico genuíno —, as pessoas erroneamente creem que estão vivendo um período de bonança, quando na verdade estão vivendo um período de desperdício de recursos. Bens de capital estão sendo empregados em projetos que serão insustentáveis no longo prazo.
Esse processo é camuflado pelo fato de que alguns membros da sociedade realmente estão enriquecendo. Porém tal enriquecimento foi trazido apenas e exclusivamente pela criação de dinheiro. E sempre em detrimento daqueles que serão os últimos a receber esse dinheiro recém-criado.
“Ah, mas o PIB cresce!” Não obstante todas as falhas com o cálculo do PIB, é suficiente apenas dizer que, como o PIB mensura os gastos da economia, é óbvio que uma quantidade maior de dinheiro fará com que os valores nominais desses gastos sejam maiores. E mesmo sabendo que o PIB é “corrigido pela inflação de preços”, sabemos que o aumento dos preços é sempre menor do que o aumento ocorrido na oferta monetária. Consequentemente, um aumento da oferta monetária de fato causa um aumento do PIB real, mas está-se apenas mensurando gastos, e não produção e poupança, que é o que realmente gera riqueza.
Valor: Como o sr. vê as críticas ao BNDES?
Steinbruch: Não precisamos de um BNDES, mas de três bancos como o BNDES para atender a demanda por investimentos e a formação de empresas globais.
Quanto mais crédito fácil, melhor é para aqueles que recebem esse dinheiro primeiro. Nesse caso, o senhor Steinbruch está sendo bastante coerente. Ele está defendendo aquilo que é bom exclusivamente para ele.
Valor: Além de fortalecer o BNDES, que medidas podem fomentar os investimentos?
Steinbruch: A mais imediata seria diminuir a taxa de juros, para desvalorizar a moeda.
O brasileiro não pode ter uma moeda forte, com um bom poder aquisitivo, que lhe permita comprar mais coisas de fora. Não. O ideal é que o brasileiro tenha uma moeda que ninguém aceita lá fora, valendo menos que capim. A moeda ideal é aquela suficiente para comprar apenas os produtos produzidos pelo senhor Steinbruch e por seu círculo de amigos fiespianos. O resto é desnecessário.
Valor: Mas já passamos por processo de redução de juros e mesmo assim a moeda continuou se valorizando…
Steinbruch: Se derreteu a moeda cortando juros, imagina elevando, como fazemos agora. Nossa taxa precisa ser um ou dois pontos percentuais acima da inflação.
As noções econômicas de Steinbruch são completamente invertidas. Para ele, uma moeda “derretida” é aquela moeda forte, com poder de compra no mercado internacional. Já uma moeda literalmente derretida, sem poder de compra algum lá fora, é para ele uma moeda robusta, geradora de prosperidade. Aparentemente, enquanto o dólar não estiver na casa dos 15 reais, Steinbruch não vai sossegar.
Valor: Então não passa só pelos juros, certo?
Steinbruch: Não, podemos também controlar importação. Tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo. Há muitos bens, como lâmpadas, que chegam custando um centavo de dólar. Precisamos ter gente treinada, investimento em pessoal para que possam controlar e desenvolver sistemas. Os países maduros têm isso, porque eles também foram alvos. Os Estados Unidos têm uma bíblia para você poder entrar lá e um pessoal profissional para controlar o que entra. Agora, o alvo somos nós e nós não temos essa experiência, então vem tudo para cá.
O modelo de prosperidade de Steinbruch deve ser a Coréia do Norte. Lá não há lâmpadas sendo vendidas a um centavo de dólar. Lá as importações são bem controladas. Lá há investimentos e gente treinada para controlar e desenvolver sistemas (nucleares). Lá certamente há “uma bíblia para você poder entrar lá e um pessoal profissional para controlar o que entra”.
Enquanto isso, nós, coitados, somos bombardeados por uma oferta de produtos chineses baratos, algo que não pode acontecer. No Brasil de Steinbruch, haveria um exército de funcionários seus em todos os portos e aeroportos, inspecionando direitinho o que entra e ditando a nós, brasileiros, o que podemos consumir ou não.
Valor: A Usiminas entrou com um pedido de antidumping contra a importação de chapa grossa de aço. Acha que a abertura de processos antidumping pode ser uma saída?
Steinbruch: Tem que fazer. A gente vai deixar de ser um país produtor industrial para ser um importador? É um castigo que não podemos pagar.
Castigo é poder comprar produtos baratos de fora. Benção é ser obrigado a comprar apenas os produtos feitos por Steinbruch e sua claque.
Valor: Então devem partir das empresas as medidas de controle?
Steinbruch: Tem que ser algo coordenado com o governo.
Esse coordenação entre governo e empresariado foi um arranjo de muito sucesso na Itália e na Alemanha da década de 1930.
Valor: Mas o governo atual ou o futuro vai fazer isso?
Steinbruch: Tem que fazer. O Brasil vai ter que adotar uma política dura porque hoje em dia é muito mais importante para nós a produção e o emprego [indústria] que a fazenda [campo]. O problema para nós é muito mais dar garantia à produção e ao emprego que a questão econômica e financeira, que já está equacionada. A prioridade agora é o Ministério do Desenvolvimento, tanto com incentivo para exportar quanto para evitar importação desordenada. Cada porto tem que ter um controle e isso precisa ser integrado.
Aqui Steinbruch é explícito. Ele defende uma burocracia responsável por fazer planejamento econômico, em que a decisão sobre o que será produzido, em qual quantidade e para quem será vendido fica a cargo de burocratas, e não dos consumidores. Nada de “importação desordenada”. Cada porto deverá ter um agente contratado por Steinbruch, inspecionado absolutamente tudo o que entra no país, e dando seu selo de aprovação. (E aposto que você achou que eu estava exagerando nas minhas três respostas acima).
Valor: O que mais preocupa o empresariado?
Steinbruch: Preocupa tudo. Está faltando mão de obra, estamos colocando escola dentro do canteiro de obra, fazendo o que podemos para formar gente, algo que é um limitador do crescimento brasileiro.
Agora Steinbruch passou a concordar comigo e, consequentemente, a se contradizer. Como um país com esse nível de educação vai repentinamente se modernizar via fechamento dos portos? Apenas essa frase já está em contradição com metade das suas ideias acima expostas.
Valor: O que acaba por aumentar os salários. Isso é um empecilho?
Steinbruch: Aumentar salário para o consumo de produção nacional é razoável. Duro é aumentar salário para o cara consumir bem importado, isso é uma distorção. Estamos em condições de avançar e agregar outros 50 milhões de consumidores na economia. É um país fantástico, mas ainda temos muito o que fazer. Enquanto lá fora estão fazendo de tudo, o possível e o impossível para ressuscitar a economia, aqui não precisamos disso.
Aumento salarial bom mesmo é só aquele que é gasto integralmente na compra de produtos com o selo Steinbruch. Se o aumento salarial for gasto no consumo da produção nacional, isso será apenas “razoável”. Mas duro mesmo é o sujeito se atrever a gastar seu salário comprando o que ele quer, principalmente coisas importadas. Aí já é demais. “Isso é uma distorção”.
São pensamentos totalitários como esses do senhor Steinbruch que fazem com que o capitalismo tenha uma má fama, sendo visto como um sistema manipulado, no qual empresários e governo fazem conluio para benefício mútuo em detrimento de toda a população, principalmente a de menor renda, que se torna obrigada a comprar produtos nacionais mais caros.
Como bem disse Benito Mussolini,
O fascismo deveria ser mais apropriadamente chamado de corporativismo, pois trata-se de uma fusão entre o poder do estado e o poder das grandes empresas. – Benito Mussolini Share on X“O fascismo deveria ser mais apropriadamente chamado de corporativismo, pois trata-se de uma fusão entre o poder do estado e o poder das grandes empresas”.
Apenas o livre mercado pode colocar essa gente no seu devido lugar.
–
Artigo de Leandro Roque para o Mises Brasil
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