Poucas semanas atrás conversava com minha mulher sobre “como o 11/9 passou rápido”. Pegamos o livro “11|09″ da fotógrafa brasileira Chris Day na estante e, enquanto relembravamos cada uma das cenas impressionantes dessa obra, surgiu a idéia de procurá-la para uma entrevista ao B9. Uma grande responsabilidade por compartilhar esse material com vocês e acima de tudo uma enorme honra pela possibilidade em conversar com quem esteve lá, respirando o que (a maior parte de) nós só imaginamos aqui de longe.
“Percebi que a tragédia não era só norte-americana; era a tragédia de qualquer ser humano que, confiante, levantava de manhã para o trabalho, para a caminhada, para a escola, e se depara com a morte, a dor, o golpe inesperado.”
B9: Onde você estava no momento em que tudo aconteceu?
Chris Day: Fui a Nova York fazer um estágio no jornal The New York Post como fotógrafa e para fazer um curso de inglês. No momento dos atentados estava fotografando o Fashion Week, desfiles da semana de moda.
B9: Diferente da maior parte dos registros – que mostram concreto, ferro retorcido e carne humana – você clicou a vida. Aspectos como desespero, pânico, solidariedade e incredulidade. O que motivou esta escolha?
Chris Day: Costumo dizer que as imagens foram resultado da minha emoção. Passei a registrar os acontecimentos ao meu redor, não me passou pela cabeça o que faria com as fotos. Mas uma coisa é certa. Estava mais preocupada com o viria a seguir, com as mudanças que inevitavelmente aconteceriam no planeta depois daquilo. Sabia-se que seria um marco histórico.
“Minha própria dor foi protegida pelo foco das minhas lentes, onde busquei a reorganização física e moral da cidade, onde encontrei a dor, as homenagens, as preces, as lágrimas compartilhadas.”
B9: Entre estes registros, há alguma cena em particular que te marcou?
Chris Day: Nos dias subsequentes aos ataques procurei estar aonde haviam manifestações de paz, homenagens as vítimas. Num destes momentos, os familiares das vítimas estavam sendo entrevistados por canais de tv, com cartazes nas mãos, onde constavam características físicas das vítimas.
Foto, altura, peso, cor dos olhos, se a pessoa tinha algum sinal no corpo, tatuagem, por exemplo, andar onde trabalhava. Estas cenas foram especialmente difíceis. Em se tratando de um trabalho de cunho pessoal, não pautado, é inevitável se colocar no lugar dessas pessoas, pensando na possibilidade de perda dos nossos. Tinha-se a noção de que dificilmente alguém seria resgatado com vida.
B9: Sabemos que a fotografia PB é uma preferência entre os grandes fotógrafos, mas por quê? Isso está ligado à questão estética e emocional ou é por ser a melhor forma de traduzir momentos como esse?
Chris Day: As duas coisas. No meu caso, em especial, sempre tive preferência pelo PB pela sua forma estética. Meus trabalhos autorais até então só eram feitos em PB. Só trabalhava com equipamento analógico. O PB me sugere diferentes “tons de realidade”, por hora real, num outro momento, sonho. O subjetivo está presente no PB. A cor transmite realidade, como numa foto de praia numa revista de turismo. Gosto da subjetividade, da possibilidade de enxergar além do que a foto mostra. O PB, ao meu ver, sugere mais essa investigação do que a cor.
B9: Mais do que um registro artístico ou histórico, seu livro é quase um tratado antropológico. Como você vê o 11/9, depois desta década de mudanças comportamentais, políticas e culturais?
Chris Day: O mundo contemporâneo pós 11/09 vive o paradoxo segurança e liberdade, como se a segurança fosse incompatível com a liberdade. O inimigo não é o terrorismo, mas o medo. O medo interfere diretamente na razão, limita o pensar , afeta negativamente a prática da política, levando as democracias a agirem mais pela força das paixões do que pela força da razão.
Quanto maior o medo, menor a sensação de segurança e quanto maior a insegurança menor a liberdade dos indivíduos. O sucesso do terror consiste justamente na difusão do medo que paralisa e torna insuportável a vida dos homens em sociedade.
O terrorismo altera a percepção de globalização da sociedade moderna, transforma a violência local em uma ameaça global. As mudanças que estão por vir serão ainda maiores. Politicamente por exemplo, as violações do direito internacional e principalmente dos direitos humanos a que se submeteu os EUA, durante a retaliação no Afeganistão e na invasão ao Iraque, vão reverberar contra o mesmo, cobrando um alto preço.
B9: Você estava em Nova York, no início de setembro de 2001, para um estágio como fotógrafa no The New York Post. O que o 11/9 trouxe como reflexos para sua vida?
Chris Day: O 11/09 foi um marco na minha vida, assim como na história mundial. Costumo dizer que as torres caíram “aqui dentro” também. Estava passando por um momento pessoal importante, e os acontecimentos me fizeram analisar a vida de outro modo, somos vulneráveis, e temos que aproveitar todas as oportunidades que a vida nos apresenta. Além de direcionar meu trabalho autoral. Meu próximo projeto apresenta rituais religiosos como tentativa de mostrar que, ainda que por caminhos diferentes, diferentes formas de expressão da espiritualidade humana, a meta é uma só. Deste trabalho nascerá um livro e uma exposição.
“Essas fotos e este livro são o que eu pude fazer, para sentir-me inserida no mundo dos meus iguais: todos os seres humanos.”
Muito obrigado, Chris Day, por compartilhar essa experiência conosco.
E quem quiser conhecer um pouco mais do trabalho dela, acesse o site.
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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