Foto do tumulto (Agência Reuters)
– Mão na parede, desordeiro!
– Calma, não me bate, sou empreendedor!
Retruquei pro Bob Wolheim que publicar sobre isso daria uma chuva de mimimi, pois, mesmo que vocês leitores tolerem minhas eventuais idiossincrasias, uma provocação dessas passaria dos limites. Afinal, o empreendedor é um ser nobre, acima de qualquer suspeita, que só quer gerar emprego e renda e mudar o mundo para melhor.
Mas, assumindo nosso papel de levantar e questionar novos olhares e perspectivas, aí vamos nós novamente. Afinal, quem falou primeiro foi uma empreendedora britânica e quem levantou foi um jornal de lá.
Ou seja, se a mulher pode botar isso em questão, pois fez com propriedade, e se o The Guardian pode espalhar tal reflexão, então posso traduzir para o português e compartilhar com os brasileiros – até porque sabemos que polêmica gera comentários, menções, tráfego… e sou encorajado a fazê-lo – desde que com propriedade. Aliás, propriedade parece guiar a tal linha tênue. Pois bem, vamos a ela – chega de encher linguíça moral.
No blog de negócios sustentáveis do jornal Guardian, Amanda Feldman publicou que os tumultos ocorridos em Londres em agosto tem a ver com o que o economista e cientista político Joseph Schumpeter defendeu nos anos 1930: o capitalismo é um processo de destruição criativa, em que novas coisas tomam o lugar de velhas coisas. Ele referia-se a (e defendia) um processo evolutivo, não atitudes deliberadamente apenas violentas. Mas às vezes, a linha também é tênue, pois a interpretação dos fatos é tão importante quanto os fatos – e muito mais variável.
No post, a consultora conclui que os londrinos fizeram bagunça violenta porque não conseguiram conter nem canalizar tanta energia que continham. Seria mais ou menos o “cognitive surplus” que o Clay Shirky defende em “Here comes everybody: organizing without organizations”, uma capacidade latente, uma vontade, uma possibilidade de dar vazão a outras facetas de nosso ser. Há um case que ilustra diretamente a tese – além de especulações conceituais.
Quem (o)usou a comparação ”existe uma linha fina entre um criminoso e um empreendedor” pela primeira vez foi Annys Darkwa, fundadora da construtora Vision Housing, durante a Ashoka Fellows Award Ceremony, em março. No evento da reconhecida ong (que suporta pessoas com capacidade de implementar ideias de trabalho, emprego e renda que gerem impacto social), ela explicou como consegue dar emprego e renda para ex-”ofensores” (termo mais amplo utilizado para caracterizar quem não se enquadra na ordem vigente.
Atravessando a linha tênue
Amanda defendeu no blog do Guardian que a faísca inovadora (de não se conformar com o estabelecido e fazer coisas diferentes) e as habilidades tecnológicas que foram empregadas nos tumultos e na contenção (pela polícia) poderiam, com a devida intervenção, orientação e suporte, tornar-se uma força para crescimento. “As atitudes foram criminais, as capacidades não”, comentou sobre os tumultuadores.
Ela cita ainda Nicholas Kristof: “os jovens de hoje em dia não apenas protestam contra injustiças como também tem grande capacidade de solução de problemas”.
E você? Faz as coisas certas, ou faz as coisas da forma certa? Fica refinando modelos de ação ou criando outros? Busca compliance ou uma nova ordem? Em nome da “sobrevivência do mais adaptado”, fica se adequando aos outros, fazendo os outros e adequarem a você ou achando um jeito de ir ao mesmo tempo tocando e dançando? O que pensa sobre tudo isso? Tenta fazer seus funcionários andarem na linha? Quanto nos novos (e inovadores) empreendimentos depende de execução disciplinada e quanto depende de parar tudo, jogar fora, voltar atrás, ou se jogar com força no penhasco?
Até que ponto o empreendedor tem que ser um bonitinho queridinho que agrada a todos? Até que ponto homens de negócio podem ser, por outro lado, agressivos a ponto de só pensarem nos seus bônus e não verem que logo adiante (como em 2008) o mundo financeiro entraria em um colapso generalizado? Quando a voz da maioria é a voz da mediocridade e o patinho feio (ou ovelha negra) salva o dia? Quando você apertaria o botão de “acabou a farra” ou de “estourar a bolha”?
Que bagunça você faz? O que devemos questionar nessa linha tênue? O que podemos aprender com essa observação?