O bom de ciência é que, mesmo quando pinta um mistério, não tem mistério: os caras voltam para a lousa e começam a questionar de novo o que era, até então, coisa certa. Se os fatos contrariam as boas e velhas ideias, não tem papo: ou as ideias entram na linha ou saem de linha.
Há algum tempo atrás alguém fez as contas (na verdade As Contas, porque era para o Universo inteiro) e descobriu um buraco. Não, não era um buraco negro, isso é manjado. O buraco era mais embaixo: para as contas todas fecharem e o universo fazer algum sentido estava faltando alguma coisa. Essa “alguma coisa” não era pouca coisa não, era tipo… 90% do bolo. Sim, noventa por cento de rombo. Traduzindo: tudo o que vemos e sentimos e tropeçamos e respiramos e somos (incluindo galáxias, meteoros, maria-mole, tubaína…) não dava conta nem de 10% do recado.
Sumir 90% parece piada de político brasileiro, mas na piada (ou nesse país que é uma piada) o sumiço normalmente é a razão pra algo não existir (hospitais, obras públicas, etc.). Neste caso as coisas existem por conta do que aparentemente sumiu, e digo “aparentemente” porque a única explicação para o desaparecimento é sermos incapazes de enxergar o que falta. Por falta de nome melhor chamaram esses 90% de Matéria Escura e Energia Escura. É claro que, na hora que descobrirem como descobrir, os caras mudam o nome. Cientistas não têm apego a marcas 🙂
Essa introdução meio astronômica foi meu jeito de tocar num mistério ao mesmo tempo obscuro e gritantemente claro: por que só temos olhos pra 10% do que move o mundo? O país está sendo revitalizado por um tsunami social, a classe C, e insistimos em pensar no comportamento Y de 10% da população. Ao mesmo tempo, 90% do que emperra o futuro de qualquer empresa, a matéria escura corporativa, é um bode preto no meio da sala, ignorado olimpicamente por todos os que preferem focar nos 10% de assuntos que não vão fazer diferença alguma.
A diferença com o caso cosmogônico é que os fatos corporativos, por mais gritantes que sejam, apanham sempre das ideias fixas. Mesmo na área técnica, onde todo mundo tem aula de um monte de coisa técnica, as pessoas se apaixonam por ideias e casam com elas para a vida inteira. Talvez racionais mesmo sejam só os Racionais M.C.
Um exemplo para ilustrar: conheci um desenvolvedor que tinha sua empresinha de tecnologia. Um dia, ele chegou pra um conhecido que trabalhava em uma empresa média e pediu licença pra entender como os caras funcionavam. Como era grátis, ninguém se opôs.
Em pouquíssimo tempo o dev percebeu um monte de bizarrices: disquetes voando, pen drives subindo escada, um caos. O rapaz fez sua lição de casa e voltou para o amigo com uma proposta matadora: “Você vai economizar 100 mil por ano”. O amigo ficou maravilhado!
“E mais, continuou o dev, isso só vai te custar dez paus”. O cara fechou a cara e disse “nem a pau, Juvenal, só se for de graça”. Desconcertado, o dev ainda tentou argumentar, mas ele não conhecia o poder do bode preto. Eis a resposta do seu amigo:
– Esses 100 mil que você disse que eu estou perdendo nunca ninguém viu, e eles não saem do meu bolso. Agora… Os 10 mil que você pediu saem do meu bolso sim, portanto… Nada feito.
Quer saber o que vai afundar a sua vida? Simples: tire a bunda da cadeira e olhe. Você está sentado em cima do buraco negro faz anos.
René de Paula Jr. está teimando no mercado interativo há 15 anos