foto: Tom Newby
Clichês podem não ser a melhor das ideias para defender um ponto, mas, às vezes, são ótimos pontos de partida, então aí vai um deles: para entender melhor a realidade (ou atualidade, no caso desse texto), basta olhar para o lado e prestar atenção. Óbvio? Sim, sem dúvida. Entretanto, é nessa obviedade que constatei mais um fator da inevitável consolidação da geração YouTube. Não é nenhuma descoberta maravilhosa, mas ver os reflexos disso de forma tão marcante merece certa atenção, pois, de uma forma ou de outra, todos seremos influenciados. E o principal conceito dessa brincadeira é: precisamos de comédia em tudo?
O quão benéfica é essa enxurrada cômica? Existe mesmo tanto talento para o gênero ou é uma necessidade de mercado?
Escrever os artigos da “Escola de Cinema” se provou mais desafiador do que imaginei por um simples motivo: queria transmitir informações mais fechadas, mas estou no meio de um processo e, como a gente aprende na faculdade de jornalismo, é bobo e feio reportar algo sem ter todas as informações. Por sorte, esse problema se resolveu sozinho por conta da boa e velha prática de prestar atenção no que é dito ao redor. Basicamente, estava dando um duro danado na aula de roteiro quando uma certa mensagem era martelada constantemente – de forma instintiva e vinda de diversos backgrounds – toda vez que alguém apresentava um novo roteiro à turma.
A ficha caiu quando um aluno da Rússia e um do Japão apresentaram roteiros inegavelmente dramáticos, pesados e intensos. Eis que vários alunos comentam sugerindo coisas como “se você quiser deixar mais engraçado, faça isso; se o personagem ficar aquilo, vai ficar engraçado; talvez, se retirar o elemento X, fique mais cômico”. Depois de passado o ódio inicial pelas ideias tresloucadas, caiu a ficha. De onde vem tudo isso?
Chamei de geração YouTube por comodidade, mas essa tendência engraçadinha tem sido linha condutora forte em boa parte dos formatos de comunicação gerados pela internet. Começando pelos mini-filmes – caseiros ou não – cujo objetivo é garantir aquela risada instantânea e, claro, disparar nos hits; depois passa pelos curta-metragens, inegavelmente enveredados para o lado humorísticos para servir como plataforma mais efetiva do que, digamos, uma ficção científica ou um drama. É só para para pensar, dos filmes compartilhados pela sua timeline no Facebook ou no Twitter, recentemente, quantos eram engraçados e quantos eram sérios?
Outra vítima dessa influência é o ainda incipiente, mas valioso, podcast. Só os engraçados sobrevivem. Informação foi a base para a força dos programas no princípio, mas, de fato, quem faz dinheiro, atrai multidões e se estabeleceu com o formato – fora dos programas musicais – precisou incorporar o humor ao programa. Alguns beiram um stand up comedy improvisado. Tem gente que cria personagem engraçado, gente que lê piada semanal e etc, com o intuito de manter o ouvinte interessado, entretido e disposto a baixar o próximo episódio. Esse cenário vai além da necessidade de aceitação, tem mais a ver com o medo do fracasso e da rejeição, especialmente se considerarmos os poucos casos de sucesso financeiro do formato.
Junte tudo isso e inclua a perspectiva de cerca de 25 anos universitários, cujas escolhas para os próprios roteiros flertam com a comédia em pelo menos 85%, e cujas esperanças – como público – nos filmes dos colegas sempre pedem mais humor. Mesmo quando não há espaço para o gênero. Fica a impressão de que, de certa forma, deixamos a responsabilidade da transmissão das ideias mais densas para os longas-metragens e para os filmes indies (que, atualmente, estão batendo forte em temas como depressão, suicídio e conflitos internos), e passamos a encarar a produção online como algo mais leve, assumindo de vez a natureza curtinha e passageira.
Existe mesmo tanto talento para o gênero ou é uma necessidade de mercado?
Nada de errado, aliás. Se essa é a vocação da produção online, que seja explorada devidamente. Desde que comecei a estudar cinema, passei a prestar atenção na produção de filmes estudantis e há muita coisa boa por ali, especialmente no Vimeo.com – é só pesquisar por student film, que vai chover coisa boa – e a mescla parece ser boa, mas, mesmo em dramas comportamentais, a presença da comédia é inegável. Isso lembra filmes de terror com aqueles sustos gratuitos, sem força dramática, mas utilizados para manter o espectador ligado na história. Tudo paliativo.
No fim das contas, esse pensamento todo levanta mais perguntas do que respostas. Justamente por considerar a comédia um dos gêneros mais complicados de se escrever, vejo esse exagero como algo perigoso e desnecessário. O quão benéfica é essa enxurrada cômica? Existe mesmo tanto talento para o gênero ou é uma necessidade de mercado? Ou pior, uma demanda superficial gerada pelo que os atuais criadores de conteúdo consideram comercial? Superexposição é sempre um problema para novas tecnologias ou formatos, basta olhar para o recente surto de filmes em 3D e sua rápida retraída. O 3D, porém, foi limitado às grandes produções por conta de seu alto custo, o que não é o caso da comédia, capaz de ser incorporada a qualquer filme ou formato.
O maior problema é estarmos diante de uma nova geração condicionada a buscar a diversão constante e pelas razões erradas. Uma das coisas que aprendemos ao escrever roteiros é que a piada – quando encerrada antes do tempo ou prolongada em demasia – perde a razão de ser. É algo similar ao desespero dos diretores em repetir o “Efeito Hitchcock” e incluir o mesmo truque de câmeras diversas vezes num mesmo filme. É necessário contexto e razão para um resultado marcante quando se fala em risadas inesquecíveis. Será que estamos mais perto desse cenário ou do puro exagero?
Post originalmente publicado no Brainstorm #9
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