O clima de medo já ronda faz tempo, mas a coisa fica mesmo séria quando um cara do porte de Eric Schmidt, conselheiro do Google, coloca em seu livro mais recente que, “muito em breve, alguns governos irão considerar arriscado ter milhares de cidadãos anônimos, irrastreáveis e inverificados, porque eles irão querer saber a associação de cada conta online e irão exigir verificação a nível estatal.”
Os usuários, obviamente, se mostram receosos com tudo isso. E cria-se aquele clima de paranoia no ar. Recentemente, tivemos relatos preocupantes:
- Um juiz do Rio de Janeiro decidiu que qualquer pessoa que se sinta ofendida por comentários anônimos enviados a sites tem o direito de saber a identidade das pessoas que os enviaram. A decisão foi em primeira instância (de modo que cabem recursos) e divulgada em novembro de 2012.
- Em dezembro também de 2012, sai a notícia de que a China aprovou a lei que impõe o fim do anonimato na internet.
Diante de tudo isso, fizemos a pergunta acima a quem estuda e lida com o assunto.
O anonimato na web está com os dias contados?
A privacidade é uma espécie em extinção, para o bem e para o mal, desde que o homem sapiens começou sua rota cultural>> o processo civilizatório. A internet e a cultura digital aceleraram muito – também para o bem e para o mal -, este processo: Quer ser realmente anônimo? Use burka e nunca entre na internet. Este processo é inexorável.
O lado bom é a fantástica democratização dos conhecimentos. O lado ruim é o abuso que governos e interesses econômicos cometem no sentido do controle de nossas liberdades e dos lucros ganaciosos. Temos que saber diferenciar essas questões e combater os abusos, sempre, não só na internet. A questão é ética, política, dos valores da civilização!
O anonimato na internet, de acordo com quem a controla, deve sim ficar cada vez mais escasso. Existem milhares de sites como o Facebook, por exemplo, que não é privado e ainda sim, exige agora que nos identifiquemos com documentos pessoais. Porém, ferramentas como o Tor Browser podem vir a ser a solução para quem quer se manter anônimo. Por um lado os controladores tentam abrir nossa privacidade e por outro sempre teremos bons lutadores para fazer com que nos mantenhamos cada vez mais anônimos.
O anonimato já acabou faz tempo e uma pessoa nem mesmo precisa estar conectada ou emitindo algum tipo de sinal para ser rastreada, se emitir fica ainda mais fácil. Em pouco tempo, será possível até mesmo identificar o que uma pessoa está pensando. E aproveitando o tópico: internet não existe.
O que perdemos se a internet terminar com o anonimato? O anonimato é fundamental para a democracia. Os artigos federalistas, onde aconteciam as discussões políticas à época da redação da Constituição dos EUA, foram em boa parte escritos sob pseudônimos. O anonimato garantia a liberdade de se expressar livremente, sem o medo da perseguição ou bullying. Não é por acaso, que governos autoritários são os principais críticos do anonimato.
Do disque denúncia aos recados de admiradores secretos, o anonimato faz parte das nossas vidas. Enquanto, fica cada vez mais difícil permanecer realmente anônimo, projetos como o tor.eff.org dão esperança aos que querem proteger suas identidades na internet.
Ao lado da apropriação restritiva da internet pelos governos e pelas empresas, podemos perguntar: os usuários ainda querem e valorizam o anonimato? Com tanta motivação para exposição da vida privada, o culto às celebridades inspira milhões de internautas a abrirem mão do anonimato para buscar a fama, nem que seja apenas entre seus pares.
Os Estados autoritários e muitas empresas valorizam o fim do anonimato como avanço no controle e na capitalização dos dados personalizados, respectivamente. Porém, nos estados supostamente democráticos, os usuários podem e devem exercer o controle social sobre as regulamentações. A sociedade civil pode participar diretamente e ponderar qual o custo que a paranóia da hiper vigilância em nome da segurança (e da celebrização) pode trazer às liberdades.
- Será que vale a pena abrir mão do anonimato para ter mais segurança, “fama” ou apenas para ter serviços mais personalizados?
- Em que medida temos usado o anonimato na internet para amadurecer as democracias com participação ativa na vida pública que envolve o prédio, o bairro, as praias e os próprios ambientes digitais?
- Qual nossa preocupação com o ensino do uso ético e cidadão do anonimato para os milhões de novos internautas?
Pensar nestas questões não cabe apenas aos Estados e empresas, por mais chato que possa ser, é vital que este debate também tenham audiência na rede.
A internet potencializa liberdades e o anonimato, mas sempre foi uma rede de controle preciso dos fluxos de informações. Manter o anonimato na superfície da web exige engajamento direto para além do clique e controle social das políticas públicas. Caso contrário, veremos sim a morte do anonimato na internet e com ela a morte de boa parte da liberdade na web que tente a virar uma grande “TV à cabo interativa”. E contando que nossa vida é cada vez mais on-line, restariam poucos espaços para o anonimato em geral. O incrível da tecnologia é que sempre há linhas de fuga, como a deepweb neste momento, para dar fôlego à liberdade. Depende de nós que tipo de uso faremos desta liberdade e quanto queremos lutar por ela.
E você, o que pensa sobre tudo isso? Opina aí nos comentários 😉